Chile: Plebiscito reafirma determinação do povo pela soberania

No cartaz pode ler-se: “25-10-2020: Contra ventos e COVID, o Chile decidiu acabar com o legado do ditador”.

Reproduzimos uma Nota do jornal “O Trabalho” (1), de 26 de Outubro de 2020, sobre o plebiscito que teve lugar no Chile no dia anterior, cujo resultado mostra que o povo chileno reafirmou os motivos do levantamento (“estalido”) iniciado em de 18/10/2019.

A esmagadora vitória do “apruebo” (sim a uma nova Constituição) mostra a vontade soberana do povo chileno de enterrar a Constituição herdada de Pinochet e preservada nos 30 anos dos governos de “concertación” (concertação), um acordo entre a Democracia Cristã e o Partido Socialista chileno, assumido também pelo Partido Comunista. A “concertación” foi o dique de contenção da vontade maioritária, expressa em 1988, quando num plebiscito – convocado pelo ditador Pinochet sobre a sua continuidade no Governo – respondeu com um sonoro “Não”! O povo disse basta às políticas da ditadura, mas os governos da “concertación” deram continuidade à sua política. Agora o povo chileno manifestou-se, de novo, pelo fim de todos os resquícios da política da ditadura, o que deve ser consignado por uma Assembleia Constituinte exclusiva (100% dos delegados eleitos para esse fim e não mista – com 50% dos actuais deputados), a segunda pergunta colocada no plebiscito.

Este plebiscito, imposto por fortes mobilizações do povo, fez parte do “Acordo de Paz”, assinado entre o Governo e partidos da oposição, como forma de conter o movimento, depois de uma vigorosa greve geral, a 12 de Novembro de 2019, que parou o país de norte a sul. O bloco sindical que integra a Unidade Social (criada depois de 18/10/2019) criticou o acordo de paz, mas apoiou-se na brecha aberta pelo plebiscito para avançar na luta. O resultado de 25 de Outubro mostra que o povo está decidido. Uma força capaz de superar as amarras impostas no “Acordo de paz” à nova Convenção constituinte, como é o caso da exigência de 2/3 dos votos para aprovar qualquer medida. Quando os chilenos gritaram, por todo o país, depois do 18 de Outubro de 2019: “Não é por 30 pesos, mas por 30 anos!”, eles estavam determinados a recuperar os seus direitos retirados desde a ditadura (aposentação, educação e saúde públicas, soberania…). E esta determinação foi expressa, de novo, no resultado de 25 de Outubro.

Publicamos, em seguida, um texto enviado por Javier Marquez G., dirigente sindical bancário e um dos membros da Coordenação nacional “No + AFP”, movimento que ocupou as ruas do Chile nos últimos anos, contra as administradoras dos Fundos de pensão (Previdência privada, instaurada por Pinochet) e pela recuperação da Previdência (Segurança Social) pública e solidária. Javier escreveu-nos no calor das comemorações populares na noite desse dia 25, em Santiago do Chile.

O plebiscito é um degrau, não o último

O dia 25, após um ano do início do “estallido”, deixou claro que o povo não esqueceu os motivos que deram início ao levantamento, cuja intensidade decresceu durante a pandemia.

Em resumo, o levantamento não terminou, já que as mobilizações, ainda que diminuídas, não terminaram e as reivindicações estão presentes em toda a população.

Os meios de comunicação – que repetem a voz oficial do governo de Piñera – ressaltaram, exageraram e deram como verdadeiras muitas montagens.

A 25 de Outubro, na Praça da Dignidade (2) novamente o povo e as organizações sindicais e sociais mostraram a sua postura irrenunciável de mudar o Chile, e que o plebiscito é um degrau, mas não o último, nesse caminho.

O Governo mudou a sua atitude nas últimas semanas, ficou mais contemplativo, diminuiu a repressão e passou a pôr em destaque cenas de violência, atribuindo-as à esquerda e aos partidários do “apruebo”. Assim, a sua mensagem de terror e de medo foi acompanhada por imagens que foram, sistematicamente, repetidas também no discurso da direita e dos defensores do Sistema.

Inscrever na Constituição as reivindicações

Desde muito cedo o povo dirigiu-se aos locais de votação, com calma e com alegria, um sentimento refletido nas redes sociais. Muita gente emocionada pelo momento que vive e sentindo-se parte de um fato histórico. É a primeira vez que se perguntou ao povo, aos trabalhadores, se querem mudar a Constituição, apesar das amarras e armadilhas que tentam os que não querem mudanças.

Muitos jovens que votaram pela primeira vez demonstraram sua alegria e esperança em mudanças importantes. Muitos que não acreditavam, se somaram, com desconfiança, mas deram um passo.

O “estallido”, apesar da Comunicação social oficial tentar mostrá-lo como violento, serviu para nos unirmos mais e para desvelar que a classe trabalhadora pode fazer ouvir sua voz.

Habitualmente, as eleições no Chile terminam as 18 horas, mas neste dia 25 as mesas fecharam às 20 horas e, ainda que a maioria tenha ido votar antes, até as 20 horas muitos vieram votar.

No início do apuramento dos votos, rapidamente a tendência a favor da Convenção Constitucional se consolidou, chegando agora a atingir cerca de 80%.

O Presidente Piñera, na TV nacional, dirigiu-se ao país reconhecendo subtilmente a sua derrota, mas arrogando-se a decisão acertada de ter convocado o plebiscito, ignorando que foi o povo mobilizado que forçou esta situação.

A maioria dos políticos de direita assumiram a derrota contundente. Em todas as regiões do Chile foram vitoriosas as opções ‘Apruebo’ e Convenção Constitucional, inclusive naquelas em que a direita historicamente marca presença.

Em Santiago, só em três circunscrições ganhou o ‘rechazo’ (não à nova Constituição, NdT), mas são zonas da classe mais abastada do Chile, onde moram os que detinham o poder.

A participação no plebiscito, cerca de 7.500.000 votantes, é maior do que nas últimas eleições.

À hora a que escrevo falta apurar 4% dos votos e o resultado é “Apruebo” com 78,27% e “Convenção Constitucional” com 79%.

Em todo o país, a comemoração ultrapassou todos os prognósticos e a crise sanitária passou a segundo plano.

Agora, a tarefa que vem a seguir é tanto ou mais difícil do que este plebiscito. É preciso eleger constituintes que consigam inscrever as reivindicações na nova Constituição; e, se a oposição não tiver esta linha de orientação, a direita poderá manter os seus privilégios.

Há uma série de requisitos para inscrever candidatos independentes (fora da lista dos partidos, NdT) e os partidos contam com regras menos duras, o que faz com que superar esta barreira seja o problema principal.

Nas análises de diferentes sectores políticos surge o tema de acercar-se e escutar mais os movimentos sociais. Pela sua parte, estes movimentos têm uma profunda desconfiança em relação aos partidos e o desejo de continuar a evitar esse cerco.

Javier Marquez G.

Santiago, 25 de Outubro, 23 horas

(1) Esta publicação é da responsabilidade da Secção brasileira da 4ª Internacional (Corrente do Partido dos Trabalhadores – PT).

(2) Praça da Dignidade, antiga Praça Itália, ponto de encontro de onde saem as manifestações na capital chilena e que foi ocupada e rebaptizada durantes as mobilizações iniciadas a 18 de Outubro de 2019.

Bolívia: resistência das massas ao golpe devolve o governo ao MAS!

Há pouco mais de um ano, saíam da Bolívia Evo Morales e o seu vice-presidente Álvaro Garcia Linera – rumo ao México (e depois à Argentina) – por sugestão do Alto Comando das Forças Armadas. Evo acabava de ganhar as eleições para o seu quarto mandato consecutivo e era alvo de manifestações violentas da classe média reacionária e de motins policiais, de que renunciasse para evitar um “banho de sangue”. Enquanto isso, mobilizações populares de indígenas e de trabalhadores enfrentavam uma brutal repressão, em várias regiões do país, enquanto gritavam “Evo no estás solo!” (Evo não estás sozinho!).

Desde o “exílio” Evo e Linera continuaram dirigindo o seu partido (o MAS – Movimento Ao Socialismo), denunciando o papel da OEA (Organização dos Estados Americanos) no golpe que colocou na Presidência interina a senadora Jeanine Añez, numa aberta violação da Constituição emanada do primeiro mandato presidencial de Evo.

O governo de Añez, abertamente pró-imperialista e racista contra a maioria indígena, foi apoiado pelas Forças Armadas, pelos empresários e pelos sectores de direita e ultra-direita minoritários, social e politicamente, no país. Esse Governo continuou a reprimir e a atacar as massas populares até à chegada da pandemia ao país.

Evo e Linera sempre orientaram o MAS e a sua base a “esperar por novas eleições”, cuja data foi adiada várias vezes sob a alegação da pandemia, aceitando a proibição dos golpistas de que eles próprios fossem candidatos. Uma primeira candidatura designada pelo MAS, a de um dirigente cocalero (plantador de coca) jovem da região do Chapare (bastião de Evo), foi rapidamente substituída pela fórmula Luís Arce e David Choqueuanca (ex-chanceler), ministros do governo de Evo. Arce teve a sua trajectória marcada por acordos estabelecidos com o agro-negócio de Santa Cruz e por um “crescimento económico” que lhe rendeu elogios do FMI.

O facto é que as massas populares e sectores fundamentais da classe trabalhadora – apesar da posição inicial da COB (Central Operária Boloviana) de pedir ao “companheiro Evo” que renunciasse para evitar uma guerra civil – derrotaram nas urnas, e logo no primeiro turno (51% dos votos), Carlos Mesa (centro-direita, 30%), Camacho (o “Bolsonaro boliviano”, 14%), e isso apesar da desistência, a favor de Mesa, de dois outros candidatos da direita oligárquica.

A vitória eleitoral do MAS e de Luís Arce não pode ser atribuída nem a uma pretensa “táctica genial de Evo”, tampouco às teorias de Garcia Linera sobre o “capitalismo andino” ou sobre um “Estado plurinacional”. Ela deve-se, fundamentalmente, à resistência das massas populares e trabalhadoras da Bolívia contra o golpe, desde o seu início, a qual continuou depois da saída de Evo e Linera do país, inclusive no período da pandemia. Ela deve ser atribuída aos indígenas, aos mineiros, ao povo trabalhador que jamais aceitou o golpe promovido por uma elite “branca” odiada pelo seu racismo anti-indígena (menos de 20% da população do país é “branca”) e pelos privilégios económicos que detém (propriedade privada de minas e agro-negócio exportador), apoiada por umas Forças Armadas – que, historicamente, sempre se envolveram em golpes de Estado contra o povo – e pelo imperialismo dos EUA (através da OEA, que agiu para “enviesar” as eleições de 2019, a mando do governo de Trump).

Secundariamente, mas também como efeito da resistência das massas ao golpe, houve a divisão das candidaturas de direita e extrema-direita – cada qual representando interesses oligárquicos regionais, só unidas pela submissão ao imperialismo dos EUA. Vale a pena lembrar que o imperialismo norte-americano também se encontra numa situação de crise, com o governo de Trump em final de mandato e sacudido pela explosão social do “Vidas negras importam”, em plena pandemia e em plena campanha para as eleições de 3 de Novembro.

Todos os governos dos países vizinhos da América do Sul – excepto o de Bolsonaro, que não se pronunciou – reconheceram o resultado eleitoral na Bolívia. Até o Departamento de Estado dos EUA, que arreganha os dentes contra a Venezuela, reconheceu o resultado e declarou estar disposto a colaborar com o novo Governo eleito.

De um ponto de vista regional (isto é, sul-americano), a retoma do governo da Bolívia pelo MAS veio somar-se à recente vitória da Frente Ampla (em Montevidéu, capital do Uruguai), dando alento à luta dos povos por nações livres do jugo imperialista e soberanas.

Só o desenvolvimento posterior da situação na Bolívia pode responder às várias questões que estão colocadas: O que fará o MAS com o poder reconquistado graças à resistência das massas bolivianas ao golpe? Os golpistas serão punidos pelos seus crimes contra o povo? As Forças Armadas terão os seus altos comandos golpistas expurgados e serão reestruturadas ao serviço do povo? As ilusões num “capitalismo andino” serão substituídas por uma política que ataque os privilégios da classe dominante local e as posições do imperialismo no país, em benefício da satisfação das reivindicações históricas do povo boliviano? Quem viver, verá.

22 de Outubro de 2020

Análise de Júlio Turra sobre a importante derrota eleitoral dos golpistas na Bolívia. Júlio Turra é membro da Comissão executiva da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Brasil e militante da Secção brasileira da 4ª Internacional (corrente do Partido dos Trabalhadores – PT)

1º Maio na América Latina

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Ainda que o 1º de Maio já tenha passado, consideramos do máximo interesse dar a conhecer o Apelo que um conjunto de militantes operários e anti-imperialistas da América Latina e das Caraíbas nos fizeram chegar. Estes militantes – que participam no Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AIT), a que está associado o POUS – mostram como todos os países da América Latina estão submetidos à agressão imperialista por parte de EUA.

Em todos estes países se combina o combate entre a defesa da soberania nacional e as reivindicações operárias e democráticas, e este combate inclui a oposição frontal aos governos que se submetem aos ditames imperialistas.

1º de Maio de classe e de luta

perante a crise do Sistema e a pandemia  

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