ALEMANHA: Vaga de greves contra a hiperinflação

Hamburgo, 15 de Julho de 2022: trabalhadores portuários desfilam com o seu sindicato Ver.di.

Na Alemanha está a haver uma primeira vaga de greves contra a hiperinflação, por uma “compensação da inflação real”. Foi com esta reivindicação, respeitante a doze mil trabalhadores dos portos do Mar do Norte, que teve lugar uma primeira vaga de greves em Junho e uma segunda a 14 e 15 de Julho.

Face à inflação, que já tinha atingido 7,6% em Junho, os trabalhadores – com o seu sindicato Ver.di – exigem ser aumentados 1,20€ por hora, mais um aumento salarial geral de 7,4%. Trata-se de um acordo para o qual eles querem uma validade de doze meses no máximo, para poderem lutar por um novo aumento se a inflação continuar a subir.

SUBSÍDIOS EM TROCA DE PAZ SOCIAL

Os patrões da ZDS (Associação Central das Empresas Alemãs de Portos Marítimos) não querem ouvir falar sobre aumentos de salários, mas “ofereceram” um subsídio único após a primeira greve, à condição de que o sindicato se comprometa a respeitar a “paz social” durante dois anos. É o chanceler social-democrata Scholz – promotor da guerra, ao fazer votar pelo Bundestag (o Parlamento alemão) um aumento histórico das despesas militares de cem mil milhões de euros – que apoia esta política dos patrões de substituir aumentos salariais por subsídios. Provocando uma “acção concertada” entre Governo, patrões e sindicatos, Scholz quer colocar a máxima pressão sobre os sindicatos para desistirem da luta, para os vincular ao chamado “interesse geral”.

Mas, até conseguir isso, ainda há um longo caminho a percorrer. Começou um profundo movimento de resistência. Há greves nos hospitais e, acima de tudo, os trabalhadores da indústria metalúrgica – com a indústria automóvel no centro – estão a reivindicar, com o seu sindicato IG Metall, um aumento de 8%.

A tensão é enorme. E a ministra dos Negócios Estrangeiros, Baerbock (dos Verdes), em conjunto com a sua colega ministra do Interior, Nancy Faeser (do SPD, Partido Social-Democrata), temem manifestações massivas – depois do período de férias – “revoltas populares” contra o elevado custo de vida.

Publicamos abaixo extractos de uma moção – adoptada numa assembleia do Sindicato Ver.di, em Berlim – de solidariedade com os seus camaradas dos portos marítimos.

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Mensagem de solidariedade com os colegas de Ver.di dos portos do Mar do Norte (extractos)

Caros colegas,

As greves de 9 de Junho, seguidas das de 23 e 24 de Junho – que vocês desenvolveram juntos em Hamburgo, Emden, Bremen, Bremerhaven, Brake e Wilhelmshaven – atraíram a atenção de todo o país. A vossa bandeirola Fim à inflação monstruosa!” deu literalmente a volta ao mundo.

Vocês enviaram um sinal forte a todos aqueles para quem a luta urgente contra a diminuição real dos salários se tornou hoje em dia uma prioridade.

Maya Schwiegershausen-Güth, a vossa negociadora, tem razão ao dizer que é importante o valor real dos salários reais ser garantido, ao longo de todo o período de duração da Convenção colectiva.

O website da ZDS afirma que a Associação patronal propõe um pagamento único (700 euros, apesar de tudo”). A ZDS não é a única organização do Patronato a oferecer uma tal “cereja no topo do bolo”, com a qual ela aumentou a oferta para 8%.

No período que antecedeu a primeira reunião da “acção concertada contra a pressão dos preços, realizada a 4 de Julho, o Chanceler Scholz mencionou o facto de que a política salarial deve compensar a perda drástica do poder de compra, inicialmente através de pagamentos únicos (e elogiou a abordagem “pontual” do acordo alcançado pelo IG BCE – Sindicato Bergbau, Química e Energia), enquanto nos “preparamos” para uma longa crise.

Frank Wernecke, o Secretário-Geral do nosso Sindicato Ver.di, afirmou: “Se tais pagamentos únicos são feitos na expectativa de que o Acordo colectivo não vai aumentar os salários, então eu sou contra. Estes pagamentos pontuais não nos fazem avançar na situação actual, porque temos preços que estão sempre a subir. E esta alta dos preços, que continua, deve ser compensada por aumentos de rendimento que também continuem a subir (entrevista a Tagesspiegel, 3 de Julho de 2022).

É precisamente o vosso espírito de luta que faz de vocês um modelo a seguir; ela é o prelúdio de conflitos que terão lugar noutros sectores, como é o caso do sector público, sobre a questão dos acordos colectivos, numa altura em que estes conflitos se tornarão, sem dúvida, cada vez mais difíceis para defender os salários reais dos trabalhadores.

Recebei as nossas saudações solidárias e desejamos-vos o maior sucesso na vossa luta por acordos colectivos que garantam um aumento do salário real e, portanto, a vossa própria existência!

9 de Julho de 2022

Assembleia dos sectores dos serviços públicos e privados, da Segurança social e dos transportes de Berlim

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Notícia de Frank Arnold, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 716, de 27 de Julho de 2022, do Partido Operário Independente de França.

Legalização das drogas (1) “leves” – uma reivindicação dos jovens das classes trabalhadoras?

De vez em quando fica “em moda” esta questão que é considerada como “fracturante”. Agora foi a propósito do novo Governo da coligação que se está a ser constituída na Alemanha – entre os partidos Social-Democrata (SPD), Verdes e Liberal Democrático (FDP) – na plataforma política da qual aparece em lugar de destaque “a legalização da maconha” (vulgarmente designada por Cannabis, que constitui o nome científico da planta de onde é extraída).

Por isso, nos pareceu importante divulgar este artigo sobre a questão da legalização das drogas chamadas “leves”, da autoria do nosso camarada Xabier Arrizabalo, que é membro do Partido Operário Socialista Internacionalista (POSI), Secção da 4ª Internacional no Estado espanhol.

Qualquer questão que preocupe sectores da classe trabalhadora deve ser abordada. Isto pode ser o caso da legalização ou não das chamadas drogas “leves”, embora não pareça que constitua uma reivindicação massiva, apesar de ter uma presença mediática considerável, graças ao impulso que lhe foi dado por algumas celebridades (as quais estão assim a desaproveitar o altifalante de que dispõem, não o utilizando para causas realmente prementes). Em todo o caso, não fugimos ao debate nem o abordamos de uma perspectiva moralista: tratamo-lo cientificamente, tanto em termos médicos como sociais.

Do ponto de vista médico, os estudos sobre os efeitos cerebrais nocivos do uso sistemático de substâncias psicotóxicas (como o haxixe, também conhecido como maconha ou marijuana) são conclusivos. Especialmente depois dos estudos realizados a partir da década de 1980, de que foi pioneira a mexicana Nora Volkow, Directora do National Institute on Drug Abuse (NIDA), dos EUA. Além disso, o uso destas substâncias tem uma característica decisiva: o seu carácter viciante (adictivo).

Do ponto de vista social, é necessário começar por esclarecer o que se entende por legalização. Este termo tem vários significados, que vão desde a simples descriminalização do consumo até à possibilidade da sua livre produção e troca. Mas, em qualquer caso, este debate só pode ser abordado seriamente se o contextualizarmos na sociedade capitalista em que vivemos.

De facto, nenhuma questão social é estranha às exigências do capitalismo actual. Qualquer menção a supostas liberdades individuais colide com a realidade de que o pano de fundo da liberdade, no quadro do Sistema capitalista, não é senão a liberdade de exploração. Como Marx explicou, no seu “Discurso sobre o Comércio Livre”, de 1848: “Não te deixes enganar pela palavra abstracta liberdade. Liberdade de quem? Não é a liberdade de cada indivíduo em relação a outro indivíduo. É a liberdade do capital para esmagar o trabalhador.”

A proposta de legalizar as chamadas drogas leves baseia-se, na maior parte das vezes, não só neste falacioso apelo à liberdade individual, mas também na ilusão de um maior controlo dos seus componentes, com base num raciocínio muito simplista e superficial: a ilegalidade provoca a delinquência e, portanto, esta pode ser prevenida através da legalização. Não há dúvidas que a actual conjuntura económica e política penaliza os pequenos comerciantes e os doentes toxicodependentes. Este é o resultado da lógica capitalista, que cada vez mais leva o grande capital a procurar negócios em todas as áreas. Na droga, como no tráfico de armas, ou na prostituição, etc.. Mas deixar as mãos livres ao capital para poder ganhar dinheiro neste sector, sem quaisquer restrições legais, obviamente não resolveria nada. Pelo contrário.

Porque as drogas trazem uma vantagem adicional para a classe capitalista: com elas, além dos negócios económicos, podem também fazer “negócios políticos”, não só utilizando-as massivamente nas suas guerras (em que o Pentágono e a CIA são mestres), mas em particular distribuindo-as massivamente para desmobilizar um dos sectores mais combativos da classe trabalhadora que é a juventude. Como era já conhecido, no final dos anos setenta e nos anos oitenta, nas zonas mais militantes do País Basco, da Catalunha, de Madrid, de Valência, da Andaluzia, etc. Ou na Galiza, onde o Colectivo “Mães contra a droga” se levantou face ao assédio das máfias que contavam com a cumplicidade do aparelho de Estado. Ou nas áreas mais devastadas das grandes cidades da América Latina de hoje, numa tentativa de esmagar toda a resistência política. Como Baudelaire escreveu em “Os paraísos perdidos”: “Se houver um Governo interessado em corromper aqueles que governa, basta encorajar o uso de haxixe”.

A exigência de que os pequenos traficantes que são adictos (isto é, doentes) sejam tratados pelo Sistema de Saúde – e não apenas sujeitos a repressão – é certamente legítima. É também legítimo apelar ao uso de certas drogas como medicamentos – por exemplo, para o tratamento paliativo da dor – mas sempre de uma forma que seja controlada por profissionais de Saúde. Mas a classe trabalhadora não pode exigir a legalização da produção e distribuição de drogas – quaisquer que sejam as drogas – liberalizando-as e, portanto, colocando nas mãos do grande capital – particularmente nas máfias que são as multinacionais farmacêuticas – um poderoso instrumento contra nós. Na verdade, as drogas têm sido sistematicamente utilizadas para permitir um maior grau de exploração dos trabalhadores, como Marx explicou já em 1867, no “Capital”, sobre as jovens trabalhadoras da indústria têxtil: “Durante a época em que tinham frequentemente de trabalhar 30 horas ininterruptas, a sua desfalescente «força-de-trabalho» era mobilizada pelo fornecimento ocasional de xerez, porto ou café.” Ou na actualidade, como explica Campetti, no seu Relatório sobre as fábricas da FIAT, significativamente intitulado “A cocaína está a arrasar os mais jovens nas fábricas” (ver http://www.rebelion.org/noticia.php?id=73000): “Trata-se de importantes unidades industriais em que pelo menos 50% dos trabalhadores utilizam cocaína e, em menor grau, heroína ou qualquer outra substância.”

Em suma, as drogas devem ser tratadas como aquilo que são: produtos cujo uso sistemático tem efeitos graves sobre o cérebro e, portanto, sobre o comportamento, para além de serem altamente viciantes. Portanto, em nenhuma circunstância a sua produção e distribuição devem ser liberalizadas, o que de facto significaria colocar nas mãos do capital um instrumento muito perigoso para a população, tendo em conta que, como é sintetizado por Volkow, quanto mais instalações de distribuição houver, mais viciados haverá; e quanto mais viciados, mais negócio haverá.

E, acrescentamos nós, não só mais negócios económicos, mas também mais “negócios políticos”.

As drogas alteram a percepção da realidade e lutamos para mudar a realidade; se alterarmos essa percepção, perdemos a capacidade de ver o que o Sistema está a fazer. Queremos mudar a realidade social e as drogas são um obstáculo para isso.

Para além do facto de serem sempre um instrumento para justificar a repressão. É por isso que, entre nós – que lutamos pelos Negros no coração do império norte-americano – nunca usamos drogas. Combatemos a sua utilização, explicando o seu papel reaccionário.

O Movimento Malcom X Grassroots

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(1) Trata-se de um termo inadequado para designar certas substâncias que têm efeitos psicotóxicos.

Europa: A revolta cresce

Em muitos países da Europa estão a ter lugar manifestações contra as leis de emergência (chamadas “sanitárias”) e, nomeadamente, em tempos recentes, em Itália e na Alemanha. Imediatamente a imprensa – particularmente em França – ficou em alvoroço, acusando a extrema-direita em Leipzig e a Camorra (Máfia) em Nápoles de serem os instigadores e líderes destas manifestações. Para esses “comunicadores”, cada Alemão é potencialmente um nazi, e cada Italiano potencialmente mafioso.

A realidade é bastante diferente. Roberto Saviano, um escritor anti-Máfia, pronunciou-se sobre as manifestações na sua cidade de Nápoles, que ele descreveu como “manifestações de desespero”. As manifestações estão a ter lugar em muitas cidades italianas (Milão, Roma,…), juntando pequenos comerciantes, assalariados do comércio, desempregados e precários, mas também em Génova, onde jovens, famílias, reformados e estudantes declararam conjuntamente: “Este confinamento é para benefício exclusivo de algumas mega-multinacionais”. Em Roma, no dia 17 de Novembro, os estudantes concentraram-se diante do Parlamento. Eles denunciaram a esquerda e a direita que se sucederam no Governo, cortando 2,3 mil milhões de euros do Orçamento para o Ensino superior durante os últimos 12 anos. E um representante estudantil declarou, no seu discurso: “Não há equipamento, nem instalações, nem professores, nem sequer um banco para nos sentarmos. Exigimos dinheiro para a educação; somos contra o ensino à distância, que cria estudantes da série A e estudantes de série B!”.

Houve também muitas manifestações na Alemanha, inclusive em Leipzig, cidade da antiga República Democrática Alemã (RDA), situada numa região atingida pela desindustrialização e cuja população foi atirada para a miséria.

Foi este evento, a 7 de Novembro, que foi denunciado como sendo de “extrema-direita”. Mas dezenas e dezenas de milhares de pessoas juntaram-se, submergindo os bloqueios montados pela Polícia no caminho para o “Leipziger Ring”, a famosa alameda circular desta cidade da Alemanha Oriental onde tiveram lugar as “Manifestações das segundas-feiras” em 1989. É claro que há confusões, ilusões, activistas de extrema-direita, charlatães.

Mas quando dezenas de milhares se manifestam no “Ring”, a cantar – tal como em 1989 – “Nós somos o povo! Revolução pacífica 2.0!”, eles estão a procurar religar-se aos acontecimentos revolucionários que derrubaram a burocracia da RDA e o Muro de Berlim! Eles querem reapropriar-se desse ponto de viragem de 1989, 31 anos exactos após a demissão do Conselho de Ministros da RDA. É verdade: a 6 de Novembro de 1989, centenas de milhares ocuparam o “Ring” e, três dias mais tarde, a 9 de Novembro, o Muro caiu.

As actuais manifestações são de facto contra a política governamental em Itália e, na Alemanha, contra a coligação SPD-CDU.

E o que estão a fazer as cúpulas das confederações sindicais, perante a política dos governos que utilizam a pandemia e o confinamento para organizar um verdadeiro massacre social?

Em Itália, as confederações sindicais assinaram um pacto social com o Patronato e o Governo. Na Alemanha, as cúpulas da DGB (a principal Confederação sindical) submetem-se à “Grande Coligação”. Esta política é contraditória com a vontade de muitos sindicalistas e dirigentes intermédios que procuram organizar a resistência.

Nestas manifestações está integrada a massa dos menos favorecidos, reduzidos a nada, que saem fora dos quadros tradicionais. Teriam eles que pedir autorização às cúpulas das confederações? Estes movimentos são um indicador da rejeição das políticas seguidas durante décadas; elas fazem parte integrante da raiva que cresce no seio dos trabalhadores e das populações.

Usando a presença de alguns activistas da extrema-direita, no início do movimento dos Coletes amarelos, houve quem explicasse que “sob os coletes amarelos, havia as camisas castanhas”. Este movimento dos Coletes amarelos, que surgiu de fora das estruturas tradicionais, fazia parte do movimento geral contra o Governo, como atesta a sua participação massiva ao lado dos sindicalistas na mobilização contra a reforma das pensões de aposentação.

Em todos os países, a revolta dos que “morrem de fome” está a crescer. Os seus gritos anunciam a tempestade.

Tal como Lenine defendia, os “operários avançados” devem participar nestas mobilizações para as unir e ajudar a que se voltem, consciente e resolutamente, contra os governos e o capital.

Assim, com o nosso semanário Informations ouvrières, vamos agir nessa via!

Crónica de Lucien GAUTHIER, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 633, de 2 de Dezembro de 2020, do Partido Operário Independente de França.