Mais um sindicato inédito formado nos EUA

Operários negros saúdam reconhecimento de Sindicato na multinacional Amazon.

Em Maryland, nos EUA, os funcionários da loja de material electrónico Apple Store, acabam de votar pela formação de um sindicato, apesar das dificuldades impostas pela Lei norte-americana e da pressão patronal.

Um sindicato nos EUA só pode negociar com o empregador, ao nível de uma estrutura, se representar a maioria dos empregados do local. Para que essa maioria seja reconhecida, deve recolher as assinaturas de pelo menos um terço dos empregados, após o que se organiza um escrutínio secreto no qual tem de ser obtida a maioria dos votos.

Durante o período que antecede a votação, o empregador tem a oportunidade de pressionar os empregados, colectiva e individualmente, para que votem contra o sindicato, e não hesita em fazê-lo.

Este sistema significa que alguns sectores são historicamente muito sindicalizados – como a indústria, os transportes e a Educação – enquanto outros não têm sindicatos.

No caso desta Apple Store, a gerência convocou os funcionários individualmente, para lhes explicar que não eram obrigados a sindicalizar-se e contratou um advogado para dissuadi-los de formar um sindicato. No final, 65 votaram a favor e 33 contra.

Depois da Amazon e da Starbucks, foi a vez dos trabalhadores da Apple

Esta votação acontece no seguimento da de funcionários de vários cafés da rede Starbucks, bem como da de funcionários do principal armazém da Amazon em Nova York, duas empresas em que não havia sindicatos. Agora, militantes estão a formar novos sindicatos em vários armazéns da Amazon e, por outro lado, houve um processo de sindicalização em mais de 150 dos 9 mil cafés da Starbucks, desde o primeiro (em Buffalo) em Dezembro de 2021, e estão a ser organizadas outras 100 votações.

O procedimento também está a ser realizado noutras três Apple Stores e funcionários da Google criaram igualmente um sindicato há dois anos, que ainda não está reconhecido.

Um movimento de muitos milhares de trabalhadores

Não se trata de um movimento organizado de cima: alguns desses sindicatos estão filiados na grande Central sindical AFL-CIO, outros no sindicato SEIU (Sindicato Internacional de Empregados de Serviços, que rompeu com essa Central), e há outros que são independentes.

É o movimento de muitos milhares de trabalhadores de sectores não sindicalizados que procuram unir-se para defender as suas condições de trabalho. Ainda não há uma onda de organização sindical, mas sondagens indicam que a maioria dos trabalhadores nos EUA gostaria de ter sindicatos mais fortes em seus locais de trabalho.

Como é habitual quando o Presidente dos EUA é do Partido Democrata, Biden dirigiu-se à Convenção da AFL-CIO, que se realizou de 13 a 15 de Junho. A AFL-CIO é, de facto, uma apoiante tradicional do Partido Democrata, agora numa situação em que Biden tem apenas uma maioria muito pequena no Parlamento – que corre o risco de perder nas eleições intercalares de Novembro – e não tem qualquer apoio popular.

O jornal The Washington Post, datado de 16 de Junho, relata esta intervenção de Biden, sublinhando que os líderes sindicais da AFL-CIO são “a coisa mais próxima que ele pode ter como base”. E prossegue com a análise de como o seu discurso – totalmente centrado nos projectos de grandes obras públicas bloqueados pelos Republicanos – caiu como cabelo na sopa perante um auditório principalmente preocupado com a inflação galopante.

A economia dos EUA parece à beira do colapso, com a inflação a estrangular os trabalhadores norte-americanos um pouco mais a cada dia que passa. Não existe nenhuma ilusão, na população, de que as eleições intercalares possam resolver estes problemas. Mas há uma procura de organização, no terreno da luta de classes, para defender as condições de vida dos trabalhadores, ameaçados pela inflação e pelo risco de colapso económico. Isso é incarnado por esses votos, cada vez mais numerosos, para a formação de sindicatos.

Crónica de Devan Sohier publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 711, de 23 de Junho de 2022, do Partido Operário Independente de França.

EUA: Foi adoptado o Plano de Biden, mas ele nada resolve


Manifestantes do movimento Black Lives Matters, em Minneapolis, a 7 de Março de 2021, na véspera da abertura do processo sobre a morte de George Floyd.

O Plano de Biden – oficialmente chamado “plano de resgate americano” – foi aprovado pelo Congresso (1) dos EUA, com o voto favorável dos Democratas e a oposição dos Republicanos. Este Plano disponibiliza 1900 mil milhões de dólares para gerir a crise da Covid e as suas consequências económicas. Ele inclui o envio de um cheque de 1400 dólares a todos os norte-americanos, bem como cheques adicionais para as famílias. Ele também prolonga uma série de medidas anteriores – como a extensão do seguro de desemprego, o pagamento do seguro de saúde para os trabalhadores despedidos e a cobertura de certos custos de saúde relacionados com a Covid – mas não põe em causa o Sistema privado de seguros de saúde.

APOIO DA AFL-CIO

O objectivo de Biden era conseguir a unidade nacional em torno do seu Plano. Embora não tenha conseguido ganhar o apoio – ainda que limitado – dos Republicanos, foi largamente bem-sucedido em conseguir que as organizações sindicais dos trabalhadores dos EUA aderissem, apesar das cedências que teve de fazer para tentar obter o voto favorável dos Republicanos e para garantir o voto de todos os Democratas.

Em particular, o seu Plano visava, inicialmente, de incluir uma duplicação do salário mínimo por hora, actualmente de $7,25, para o aumentar gradualmente para $15. Esta medida não foi incluída no Plano adoptado. Biden também recuou sobre o montante dos subsídios de desemprego (300 dólares por semana, em oposição aos 400 anunciados), pagamento da baixa por doença (que era suposto ser obrigatório, mas contempla apenas um incentivo fiscal para os empresários).

No entanto, a principal Confederação sindical norte-americana – a AFL-CIO – deu o seu total apoio ao Plano, assim como o fizeram muitos sindicatos, tanto dentro como fora da Confederação. Eles organizaram, inclusive, uma campanha de assinaturas dirigida aos senadores republicanos para que eles votassem a favor do Plano de Biden, numa situação em que os Democratas têm a maioria tanto na Câmara dos Representantes como no Senado. Sanders e outros eleitos da esquerda do Partido Democrata deram o seu apoio total ao Plano, apesar de nas suas declarações iniciais terem explicado que, havendo uma maioria democrata no Congresso, era possível aumentar o salário mínimo e equacionar a instituição de um Sistema público de seguros de saúde.

REESTRUTURAÇÃO

É inquestionável que o Plano de Biden inclui disposições que permitirão a milhões de norte-americanos sobreviver durante algum tempo. Mas todas as suas medidas estão limitadas à pandemia de Covid. Ora o imperialismo norte-americano está a usar esta pandemia para se reestruturar, de forma duradoura: o fabricante de automóveis General Motors acaba de anunciar a sua decisão de chegar à “emissão zero” (de carbono) até 2035, preparando uma série de encerramentos de fábricas; a pandemia tem sido também uma oportunidade extraordinária para empresas como a Amazon e toda uma série de serviços “uberizados”, com trabalhadores sobre-explorados e mal remunerados.

Face ao desenvolvimento da precariedade, um grande movimento de sindicalização está a ter lugar, particularmente no sul dos EUA, como é ilustrado pela tentativa dos trabalhadores do entreposto Bessener da Amazon, no Alabama, de construir um sindicato (nos EUA, um sindicato só tem o direito de negociar com um patrão se a maioria dos assalariados da empresa estiverem nele sindicalizados).

DETERMINAÇÃO

Este movimento junta-se ao do Verão do ano passado, Black Lives Matter (as vidas dos Negros contam): as camadas mais exploradas da classe operária norte-americana estão a procurar organizar-se e, ao fazê-lo, colocam no centro da situação política a satisfação das suas mais urgentes reivindicações, sobre salários, sobre cuidados de saúde e sobre o direito ao subsídio de desemprego.

As Direcções da AFL-CIO e do Partido Democrata estão a tentar transformar este movimento de sindicalização num movimento de apoio às suas políticas, mas ele mostra acima de tudo a determinação crescente da franja mais explorada da classe operária dos EUA para se defender colectivamente.

O jornal New York Times, de 9 de Março, sublinha como a questão dos cuidados de saúde estará no centro das eleições intercalares nos EUA, que se irão realizar em 2022. O fracasso da política de unidade nacional de Biden permitirá aos Republicanos atacar o seu Plano; mas, por outro lado, a melhoria real das condições de acesso a cuidados de saúde nele prevista terminará em 2023, abrindo a via à discussão sobre os limites deste Plano, tanto em termos da sua duração como do facto de manter o Sistema privado de seguros de saúde.

UM GOVERNO FRÁGIL

O fracasso da política de unidade nacional de Biden aprofunda a crise política: trata-se de um Governo frágil, apoiado por uma maioria fraca (cinco membros a mais na Câmara dos Representantes e o voto decisivo da Vice-Presidente no Senado), dividida entre os moderados (que são a favor de uma aliança com os Republicanos) e os “progressistas” (defendendo, pelo menos em palavras, o aumento do salário mínimo e a construção de um Sistema público de saúde). O único ponto de apoio do Governo é a Direcção das organizações sindicais. E, de facto, tudo deixa antever que a classe operária dos EUA não irá esperar até 2022 para resistir ao ataque que está a enfrentar.

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(1) O Congresso dos EUA é o conjunto de duas instituições: a Câmara dos Representantes (Parlamento) e o Senado.

Crónica de Devan Sohier publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 647, de 24 de Março de 2021, do Partido Operário Independente de França.