Afeganistão: e agora?

Desde que os Talibãs tomaram o controlo de Cabul, uma multidão juntou-se na pista do aeroporto, procurando fugir.

Cabul caiu sem luta. O Regime e o seu Exército fantoche entraram em colapso imediatamente. Caiu sob a indiferença geral de uma população exausta por décadas de guerra e de clãs mafiosos.

Durante vinte anos, os EUA derramaram no Afeganistão 2261 mil milhões de dólares, amplificando a corrupção do Regime e dos seus apoiantes.

Pelo seu lado, a população foi atirada para a miséria. Em 2007, de acordo com o Banco Mundial, 37% dos Afegãos viviam abaixo do limiar da pobreza, e em 2020 esse número subiu para 55%.

A guerra de 20 anos custou oficialmente a vida a 240 mil pessoas, uma grande parte delas civis, destruindo aldeias inteiras, forçando a população a fugir.

Vários milhões de Afegãos estão refugiados no Paquistão, no Irão e na Turquia.

A “modernidade” do Regime fantoche – elogiado pelos meios de comunicação social internacionais – só é vista através do prisma da capital, Cabul. A maioria dos Afegãos vive em zonas rurais, em regiões montanhosas, ou em áreas isoladas, não recebendo qualquer ajuda do Governo central e sobrevivendo através do cultivo da papoila (de onde se extrai o ópio – NdT). Essa maioria é conservadora e rigorosa, e não vê os Talibãs como algo contraditório com o seu modo de vida. E vê mesmo a política repressiva dos Talibãs como uma forma de acabar com a insegurança, expulsar os ladrões e destruir o poder dos “chefes de guerra” locais. Claro que a reacção não é a mesma para uma parte da população urbana, mais instruída, e especialmente das mulheres, que sabem muito bem o que significa o regresso dos Talibãs ao poder.

O mullah Abdul Ghani Baradar, cofundador dos Talibãs com o mullah Omar, deixou a sua luxuosa estadia no Qatar para regressar ao Afeganistão. No seu séquito, têm-se multiplicado declarações de líderes talibãs, assegurando que mostrarão tolerância, que não imporão a burca, que as raparigas poderão ir à escola e as mulheres poderão trabalhar.

Trata-se da influência do seu novo patrono, o Qatar, que está a ensinar os Talibãs a utilizar um verniz democrático na discussão com os Ocidentais.

A razão oficial para o regresso do cofundador dos Talibãs é para ajudar a formar um governo “inclusivo”, integrando todas as componentes da sociedade. Estas negociações já começaram com a chegada de Khalil Haqqani, considerado um dos terroristas mais procurados pelos EUA, e especialmente de Gulbuddin Hekmatyar, líder de um grupo jihadista distinto dos Talibãs e denominado o “Carniceiro de Cabul”, o qual bombardeou severamente a cidade durante a guerra civil de 1990.

Mas a situação em Cabul agudiza-se, com os Britânicos e os Alemães a solicitarem, oficialmente, um adiamento (com o apoio da França) da retirada das suas tropas, considerando que não poderão assegurar a saída antes de 31 de Agosto.

Num primeiro tempo, Biden não fechou a porta a este pedido. Pelo seu lado, o porta-voz dos Talibãs recordou que o Acordo assinado estipula 31 de Agosto, precisando: “Trata-se de uma linha vermelha”. E acrescentou: “Se os EUA ou o Reino Unido pedirem mais tempo para prosseguirem a retirada, a resposta é não, e haverá consequências.” Um porta-voz dos EUA assegurou que os Norte-americanos poderão assegurar a evacuação até 31 de Agosto. O jornal francês Les Echos, de 24 de Agosto, relata: “Joe Biden voltou a dar garantias sobre a evacuação de cidadãos dos EUA, repetindo que «qualquer Norte-americano que o queira irá voltar para casa». Mas foi menos afirmativo sobre o destino dos Afegãos que ajudaram os Norte-americanos – ou os Aliados da NATO – durante os 20 anos do conflito.”

Veremos quais serão os próximos desenvolvimentos da situação…

Crónica publicada no semanário francês “Informations Ouvrières”Informações operárias – nº 669, de 25 de Agosto de 2021, do Partido Operário Independente de França.

Os Talibãs entraram em Cabul

Centenas de Afegãos amontoados num avião de carga, no aeroporto de Cabul, a 16 de Agosto, de partida para o Qatar.

Cabul, 15 de Agosto de 2021. Imagens que recordam a fuga desesperada dos norte-americanos no Vietname, em Abril de 1975, quando as tropas da Frente Nacional de Libertação (FNL) entraram em Saigão e milhares e milhares de vietnamitas – que tinham, mais ou menos, colaborado com os EUA – reunidos em frente da Embaixada norte-americana, viam os helicópteros descolar, levando os últimos militares e diplomatas, abandonando a multidão.

Com a entrada dos Talibãs a 15 de Agosto na capital afegã, todas as representações diplomáticas foram transferidas para o aeroporto de Cabul, protegido por 5.000 soldados norte-americanos, para serem evacuadas do país.

Milhares e milhares de afegãos também se reuniram fora do aeroporto e tentaram aceder à pista, e os soldados norte-americanos – para impedir que eles o fizessem – usaram arame farpado e até dispararam para o ar.

No prazo de dez dias após a retirada efectiva das tropas dos EUA, os Talibãs conquistaram todo o Afeganistão, sem muita dificuldade, uma vez que o Exército afegão debandou. O Presidente da chamada República Islâmica do Afeganistão deixou o país, a 14 de Agosto, para procurar refúgio no estrangeiro. Na noite de 15 de Agosto, 66 países – incluindo a França e os EUA – fizeram um apelo aos Talibãs, uma quase-súplica, pedindo-lhes que deixassem os estrangeiros sair do país pacificamente.

Estes desenvolvimentos, que terão consequências em toda a região, mas também à escala mundial, sublinham a fraqueza do imperialismo norte-americano, que em tempos pretendia ser o polícia do mundo. Esta situação acentua e aprofunda a crise dentro dos próprios EUA.

Trump acaba de pedir a demissão de Biden, esquecendo-se em particular de que foi ele quem iniciou o processo de retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão, Biden tendo sido simplesmente o continuador dessa política.

Mas este posicionamento não se limita a Trump. Há muitos membros da classe política dos EUA que estão alarmados com esta situação. Como afirma o diário francês Le Monde, de 17 de Agosto: “A consistência reivindicada por Joe Biden é a da sua política externa: centrada na rivalidade com a China, recusando qualquer desperdício humano, militar e financeiro em infinitos compromissos externos sem fim. Este argumentário tem pouco peso face à impressão de derrota e de improvisação que acompanha a retirada norte-americana. Uma «difícil e desorganizada» retirada, admitiu o Presidente dos EUA.”

E esta situação está ligada a toda crise que os EUA estão a atravessar, às suas relações com a China, à crise económica que ameaça explodir a qualquer momento, mas também às mobilizações nos próprios EUA que juntaram muitas centenas de milhar de Negros, jovens brancos, Latinos, sindicalistas.

As imagens são enganosas, porque não se trata do Vietname de 1975. Estamos noutra situação mundial. A URSS e o aparelho internacional do estalinismo desapareceram. 15 anos mais tarde, em 1990, os EUA foram capazes de lançar uma das mais vastas operações militares, na primeira Guerra do Golfo; e depois, em 2003, a segunda Guerra do Golfo, destruindo o Iraque; e, em 2001, após os ataques às Torres gémeas do 11 de Setembro, eles intervieram no Afeganistão, derrubando o Regime talibã e estabelecendo um Estado fantoche chamado República Islâmica do Afeganistão.

Em 2021, os EUA têm que concentrar todas as contradições da ordem mundial, o que ultrapassa as suas forças. Está a abrir-se um novo período nos EUA e, consequentemente, no mundo.

Crónica de Lucien Gauthier, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières”Informações operárias – nº 668, de 18 de Agosto de 2021, do Partido Operário Independente de França.