
No passado dia 24 de Junho, a Guarda civil espanhola – em conjunto com a Polícia marroquina – assassinaram, no enclave espanhol de Melilla em Marrocos, dezenas de jovens africanos, pelo crime de ousarem tentar saltar as barreiras da zona marroquina para a espanhola. Eles procuravam fugir da fome, da miséria e da guerra a que os “senhores do mundo” condenaram os seus países.
O governo do Estado espanhol, chefiado pelo dirigente do PSOE Pedro Sánchez, em conjunto com o PODEMOS e o PCE, não emitiu uma única frase de solidariedade perante este horror. Afirmou, sim, que as Forças militares espanholas – em conjunto com as marroquinas – tinham cumprido a sua missão.
O mesmo Governo acolheu, nos passados dias 29 e 30 de Junho, a Cimeira da NATO, com a presença de todos os governos dos países que a integram, incluindo o chefe máximo do Estado-polícia do mundo – os Estados Unidos da América.
A sua cumplicidade silenciosa com a política do Governo espanhol, com dezenas de jovens agonizando amontoados à frente dos guardas assassinos, três dias antes desta Cimeira, mostra a hipocrisia dos “senhores do mundo”, quando evocam a guerra na Ucrânia e o seu povo eleito como mártir para reforçar, de forma obscena, o poder das bases militares da NATO nos países da Europa em armas mortíferas e em número de soldados (de 40 mil para 300 mil!).
O Presidente da República portuguesa – o grande humanista da caridade – não destoou do resto da orquestra reunida em Madrid, afirmando prontamente que o Orçamento do Estado de Portugal, para o próximo ano, terá que ter em conta este aumento de gastos militares.
Um passo em falso na estratégia partilhada entre este e o Primeiro-ministro – conscientes que estão, um e outro, da realidade do país. Ambos sabem ser necessário fazer um permanente jogo de equilíbrios, não vão os acontecimentos escapar-lhes das mãos.
Isso levou o Primeiro-ministro a defender um aumento gradual dos gastos militares e “no quadro dos Fundos recebidos de Bruxelas”. Lembremos que a presidente do BCE – ao serviço da Administração dos EUA – acaba de afirmar, em conjunto com o Governador do Banco de Portugal, que é necessária a contenção dos salários no próximo ano! Isto, depois da provocação das declarações da presidente da Comissão Europeia sobre “a exorbitância” dos 0,9% de “ajuste” dos salários da Função Pública, num contexto de subida exponencial dos preços de todos os bens essenciais, a começar pelos dos combustíveis.
Todos estes dirigentes, cúmplices pela criação da barbárie, só entendem uma linguagem – a da força das classes trabalhadoras e das populações, única capaz de impor uma viragem nos acontecimentos.
E esta força começa a crescer em vários países da Europa. Lembremos os últimos exemplos: manifestações na Bélgica, ao apelo dos sindicatos, pelo aumento dos salários e a liberdade de negociação, face à subida do custo de vida; as greves e manifestações no Reino Unido, com o mesmo objectivo; as mobilizações em praticamente todas as capitais das regiões autonómicas do Estado espanhol (estas últimas ganhando uma nova dimensão, ao expressarem a revolta perante o massacre em Melilla). Isto para já não falar do processo de agrupamento contra Macron e as suas reformas em França, através do voto de milhões de trabalhadores e de jovens, organizados a partir da França Insubmissa.
O primeiro-ministro António Costa gere a sua prática política em função do que pode acontecer também em Portugal. Apesar do apoio de todas as forças da burguesia expressas na Assembleia da República, no envio de mais armas para a Ucrânia, apesar da unidade nacional em torno do Presidente da República e da maioria absoluta do Grupo parlamentar do PS, a “unidade nacional” não existe no nosso país. Ele não pode contar com o PCP, que recusa apoiar a guerra na Ucrânia, nem com a maioria das organizações sindicais.
António Costa procura apoiar-se em acordos feitos no quadro da “concertação social”, mas a Direcção da CGTP não se compromete com tal solução. É por isso que ele a criticou, publicamente. Crítica a que a Secretária-Geral da CGTP, Isabel Camarinha, respondeu: «(A CGTP está) disponível para negociar, desde que seja para defender os direitos dos trabalhadores», sublinhando: «O que nós não fazemos é assinar acordos que retiram direitos aos trabalhadores e que não tragam melhorias».
Ao mesmo tempo, a Direcção da CGTP apela os trabalhadores de todo o país, de todos os sectores, a manifestarem em Lisboa, no dia 7 de Julho, para exigirem o aumento geral de todos os salários e pensões de reforma, de modo a compensar – de algum modo – a quebra enorme do poder de compra da maioria das famílias trabalhadoras.
Apela também à concentração, nesse mesmo dia, diante da Assembleia da República, onde será iniciada a discussão sobre a “Agenda do trabalho digno”, que a CGTP denuncia como mais um ataque do governo do PS aos direitos laborais, o qual se recusa – em continuidade com a sua política na anterior legislatura – a revogar a caducidade da contratação colectiva e a tomar as medidas que ponham fim ao trabalho precário.
Saudamos a postura da Direcção da CGTP, saudamos as mobilizações organizadas ao apelo de sindicatos de diferentes sectores, como é o caso do plenário nacional de professores e educadores, a realizar em Lisboa, a 13 de Julho, ao apelo da Direcção da FENPROF.
Saudamos também as acções de diversas populações (das Caldas da Rainha, de Alcanena,…), com as suas comissões de utentes na área da Saúde, para exigir médico de família para todos os cidadãos e a garantia da existência de serviços de urgência nos hospitais.
Saudamos a iniciativa de autarcas (sobretudo de câmaras do Alentejo), que – de forma organizada – se deslocaram a Lisboa, para questionar a Direcção da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP), por esta ter assinado com o Governo (em nome da “descentralização”) um Protocolo que dá às estruturas do Poder Local responsabilidades que estas não poderão assumir, por falta de meios financeiros.
Estamos convictos que serão estes processos de resistência e de mobilização que – alargando-se e coordenando-se – poderão travar a política de Costa / União Europeia / NATO.
Será o seu desenvolvimento – tal como o que acontece, no mesmo sentido, nos outros países – que abrirá um caminho de paz e de progresso, desenhando um outro horizonte: o de uma união livre de nações soberanas, sem explorados nem exploradores.
Lisboa, 4 de Julho de 2022
O Secretariado da Associação por uma Política Operária de Unidade Socialista