A guerra no coração do continente europeu

Não param as mobilizações dos trabalhadores e dos povos em todo o mundo, contra a invasão da Ucrânia, e nomeadamente no continente europeu (como é comprovado por esta gigantesca manifestação em Berlim, com 500 mil participantes, realizada a 27 de Fevereiro) e na própria Rússia.

Divulgamos uma Declaração do Secretariado Internacional da 4ª Internacional, datada de 26 de Fevereiro de 2022, que é inequívoca sobre as causas e os responsáveis desta guerra, bem como sobre a forma como ela irá afectar os trabalhadores e as populações, no nosso dia-a-dia.

As guerras e intervenções militares imperialistas deflagram nos quatro cantos do mundo, as exigências do imperialismo – nomeadamente o imperialismo norte-americano – visam esmagar os povos sob o seu tacão de ferro, o militarismo expande-se, sob a égide do imperialismo norte-americano, com o Acordo estratégico de Biden com a Austrália e o Reino Unido contra a China, com a parceria estratégica dos Emirados Árabes e o Estado de Israel contra o povo palestiniano, com o reforço e a expansão da NATO. Nesta situação, o desenvolvimento da guerra na Europa é um novo elemento da situação mundial, cujas consequências não podem ser aferidas nesta fase.

Com a entrada das tropas da Federação Russa na Ucrânia, a guerra regressa ao velho continente, com o seu cortejo de mortos, feridos e populações aterrorizadas pelos bombardeamentos procurando fugir, sem saber para onde.

Todos os povos de todos os países manifestam uma emoção legítima, perante as imagens dos bombardeamentos, dos refugiados e dos mortos.

A pior das coisas seria deixarmo-nos arrastar por combinações políticas forjadas à pressa pelos diferentes governos.

A Ucrânia foi libertada pela Revolução de Outubro de 1917

Há meses que a tensão crescia entre Putin e Biden – o verdadeiro chefe da NATO – sobre a questão do alargamento da NATO a Leste e, em particular, à Ucrânia. Putin disse que queria riscar a Ucrânia do mapa. Ele explicou que “a Ucrânia contemporânea foi inteira e completamente criada pela Rússia, pela Rússia comunista bolchevique. Esse processo começou quase imediatamente após a revolução de 1917, e Lenine e os seus camaradas agiram de forma realmente pouco delicada em relação à Rússia: apoderaram-se dela, arrancaram-lhe uma parte dos seus territórios históricos.”

Ele exprime assim – impregnado de nacionalismo grã-russo, com o seu passado de agente estalinista do KGB – toda a sua hostilidade à Revolução de Outubro.

A Ucrânia não foi criada, mas sim libertada pela Revolução de Outubro. A história comum da Rússia e da Ucrânia remonta ao século X, quando o primeiro império russo foi fundado em Kiev. Como muitos outros países dessa região, os territórios ucranianos foram ocupados pelos Mongóis e pelos Polacos e, mais tarde o império austríaco e o império russo repartiram, entre si, a Ucrânia.

A Revolução de Outubro, ao atrever-se a expropriar o capital, permitiu acabar com a “prisão dos povos”, que era o império czarista, colocando todos os povos em pé de igualdade.

Como Leão Trotsky escreveu em 1939 (1):

O Partido Bolchevique tinha conseguido – não sem dificuldades e pouco a pouco, sob a pressão incessante de Lenine – formar uma ideia correcta sobre a questão ucraniana. Lenine reconheceu o direito à autodetermi-nação – isto é, o direito à separação – tanto aos Polacos, como aos Ucranianos: ele não reconhecia nações aristocráticas. Ele considerava como uma manifestação de chauvinismo grã-russo qualquer tendência para eliminar ou diferir o problema das nacionalidades oprimidas (…).

Segundo a concepção do velho Partido Bolchevique, a Ucrânia soviética estava destinada a tornar-se um eixo poderoso, em torno do qual se uniriam as outras fracções do povo ucraniano. É incontestável que, durante o primeiro período da sua existência, a Ucrânia soviética exerceu uma poderosa atracção, também do ponto de vista nacional, e despertou para a luta os trabalhadores, os camponeses e a «intelectualidade» revolucionária da Ucrânia Ocidental, submetida à Polónia.”

Mas a burocratização da URSS, a constituição da casta burocrática liderada por Estaline, trouxeram consigo uma política reaccionária, como explicou Trotsky:

“Em lado algum, as restrições, as purgas, a repressão e, em geral, todas as formas de banditismo burocrático, assumiram um carácter tão violento e tão mortífero

como na Ucrânia, na luta contra as poderosas aspirações, profundamente enraizadas, das massas ucranianas por mais liberdade e independência.”

A Ucrânia, o celeiro da URSS, em resultado da política de colectivização forçada da burocracia, sucumbiu na fome, em 1932-33, que provocou vários milhões de mortos! De facto, a reacção estalinista, em nome do nacionalismo grã-russo, restabeleceu a “prisão dos povos” no território da URSS.

Putin não pretende restabelecer a URSS e ataca o povo ucraniano

Uma coisa é certa: Putin não quer restabelecer a URSS. Ele não é herdeiro da Revolução de Outubro. Ele é herdeiro dos métodos gangsteristas do estalinismo, de que foi agente no KGB. Foi a política reaccionária da burocracia que, depois de ter destruído o Partido Bolchevique, fez colapsar a URSS.

Putin não está a defender o povo russo nem as populações russófonas do Donbass. Ele está a defender os interesses da pequena camarilha de oligarcas mafiosos de que ele é o chefe.

Ele procura tirar partido da crise de dominação política do imperialismo norte-americano. A decisão por este tomada de retirar as suas tropas do Afeganistão materializou a passagem a uma nova etapa na crise de dominação política do imperialismo.

Em 1991, após o colapso da URSS, o imperialismo norte-americano – privado da colaboração do aparelho internacional do Kremlin – teve de assumir sozinho a manutenção da ordem contra-revolucionária, a nível mundial, concentrando no seu seio todas as contradições do sistema; o que excede as suas forças. Assinalando que já não dispunham de meios para garantir a “ordem mundial”, as cúpulas do imperialismo norte-americano, tanto Trump como Biden, aceleraram assim a desarticulação de todas as relações políticas estabelecidas desde 1945.

É nesta situação que Putin procura colocar os seus peões e defender os seus interesses com métodos de violência bárbara. A defesa dos interesses da oligarquia russa implica a defesa do seu lugar no mercado mundial como exportador de gás e de petróleo.

Ele fá-lo no momento em que os estados-maiores dos grupos monopolistas concentram todas as suas forças para, em nome da “transição energética”, provocar a maior reviravolta da economia mundial; numa altura em que se torna evidente que a lista de fornecimentos de matérias-primas oriundas das décadas precedentes já não corresponde às novas necessidades da viragem para o “tudo eléctrico”, e numa altura em que todos tentam reposicionar-se em função das necessidades futuras, desenhando assim os mapas dos conflitos. Neste sentido, a guerra na Ucrânia é prenunciadora de novos conflitos armados, em todos os continentes.

A NATO não é uma saída para os povos

Com o colapso da URSS, todas as fracções nacionais do Secretariado político do Partido Comunista da União Soviética foram repescar os discursos nacionalistas para tomar o poder nas várias Repúblicas da ex-URSS.

Mas o discurso nacionalista não pode esconder o facto de que a política de privatização em massa, a abertura ao capital estrangeiro, a destruição das conquistas de Outubro de 1917 e a “mafiosização”, venderam ao desbarato a soberania nacional destas Repúblicas. Nessa situação, os imperialismos – especialmente o imperialismo norte-americano – lançaram-se sobre esses países para saqueá-los por conta dos trusts.

Para fazê-lo, o imperialismo norte-americano já dispunha de um instrumento: a NATO. Longe de procurar a pacificação da Europa, o imperialismo norte-americano impulsionou a militarização do continente europeu, desenvolvendo a NATO de forma considerável. Após a queda da URSS, a NATO passou de 16 para 30 países-membros, especialmente para a Europa de Leste, cercando a Rússia por todos os lados. Porque para o imperialismo, particularmente para o imperialismo norte-americano, era preciso enfraquecer a Rússia, para poder penetrar nela mais profundamente e pilhá-la como a todas as restantes Repúblicas da ex-URSS.

Pela sua parte, Putin e o seu bando de oligarcas mafiosos – que vivem apenas da pilhagem das riquezas da Rússia e da corrupção – procuraram defender-se para proteger os seus privilégios. Por exemplo, eles não querem que o gás russo passe para o controlo estrangeiro, nem que seja substituído pelo gás liquefeito norte-americano, uma vez que vivem do dinheiro roubado ao povo russo, proveniente da venda de gás e de petróleo.

A NATO não é uma saída para os povos. O povo ucraniano foi apanhado como refém entre a NATO e Putin. Recordemos que foi a NATO quem interveio na guerra violenta e bárbara que desmantelou a Jugoslávia, bombardeando a Sérvia durante semanas a fio, atingindo a população e todas as instalações militares e civis. Recordemos também que foi a NATO – com base nas exigências norte-americanas – quem atacou o Afeganistão em 2001. Essa guerra devastou o país, onde mais de 200 mil civis foram mortos pelos bombardeamentos norte-americanos. E que hoje, sob o regime de sanções, a fome grassa e estende-se a todas as populações afegãs.

A União Europeia ao serviço dos EUA

Utilizando a guerra, como usaram a pandemia, os governos da Europa, em pânico com a magnitude do choque que os irá opor aos seus povos, sublevados contra as consequências da crise do sistema e da inflação, procuram realizar a unidade nacional com base na mentira de defender a Ucrânia. Toda a gente teria de se unir atrás de Macron (presidente da União Europeia) e atrás de Scholz na Alemanha (a primeira potência económica da União Europeia).

Mas ambos, como todas as instituições da União Europeia, se vergam às exigências do imperialismo norte-americano contra os povos da Europa.

Em nome do perigo de guerra na Europa, haveria que parar de reivindicar, parar de nos defendermos dos ataques dos governos. Os líderes da União Europeia alinharam-se atrás dos Estados Unidos para multiplicar as sanções contra a Rússia.

Estas sanções irão, primeiro que tudo, fustigar dramaticamente os povos da Rússia, já empobrecidos pela política de Putin. Para nos certificarmos disso, basta pensar nas sanções impostas ao Irão. De idêntica natureza às adoptadas hoje contra a Rússia, elas só muito secundariamente atingiram o Regime, mas afectaram massivamente a população do Irão.

Macron, presidente da Europa, na condição de “pequeno telegrafista” dos EUA foi a Moscovo para se encontrar com Putin. Foi uma operação no quadro global da estratégia dos EUA, pretensamente para manter o diálogo.

Scholz, chanceler alemão, também foi encontrar-se com Putin. Ele, tal como Macron, serve os interesses dos EUA. Nesta matéria, são Biden e os EUA que pretendem controlar a Europa e ditar-lhe as suas exigências. Há muito tempo que se opõem ao novo gasoduto Nordstream 2 que, segundo dizem, aumentaria a dependência da Europa do gás russo. Refira-se que o gás russo representa 40% do gás consumido na Europa e 55% na Alemanha. Durante estes dois últimos anos, o imperialismo norte-americano quadruplicou as suas vendas de gás liquefeito na Europa e quer continuar a conquistar o mercado europeu. Scholz tinha dito que a questão do gasoduto era uma questão económica e de natureza privada. Agora, num volte-face, acaba por ceder às exigências de Biden anunciando a não-certificação do gasoduto pelas autoridades alemãs.

É, por demais, evidente, que a União Europeia também não é uma saída para os povos.

E a ONU?

Poderíamos enumerar os múltiplos actos de guerra desencadeados pela ONU desde a sua fundação. Logo em 1947, a ONU, com o acordo da URSS e dos EUA, votou a favor da expulsão do povo palestiniano do seu próprio país. E é a ONU que ousa apresentar-se como defensora dos direitos dos povos? Quando é esse voto de partição da Palestina que, até aos dias de hoje, continua a ensanguentar esta região e a negar a soberania do povo palestiniano, um povo ocupado e dividido.

A ONU ocupou o Haiti durante 10 anos, decorrente das exigências norte-americanas, através de contingentes latino-americanos de diversas procedências. Hoje, o país está afundado num caos total.

Foi a ONU, com base nas exigências do imperialismo norte-americano e com o apoio do último presidente da URSS, Gorbachev, que desencadeou a terrível e sangrenta guerra do Iraque, em 1991. A ONU decretou, em seguida, um embargo que, em dez anos, causou a morte de 500 mil crianças iraquianas.

Os dirigentes norte-americanos e da ONU decretaram que, com a Guerra do Golfo, se abriria uma nova ordem mundial.

Com esta decisão bélica, a ONU abriu, de facto, um período de desordem mundial, em que as guerras proliferam nos quatro cantos do planeta.

É, por demais, evidente, que a saída para os povos também não está do lado da ONU — um “covil de bandidos” — como Lenine caracterizou a Sociedade das Nações (SDN), a sua antecessora, criada após a Primeira Guerra Mundial.

O imperialismo é o militarismo

As guerras que se multiplicam – especialmente em África – estão ligadas à feroz concorrência travada entre os vários trusts capitalistas e à perspectiva de “reorganização” das cadeias de abastecimento. Isto realça a estreiteza do mercado mundial, em que os trusts se afrontam violentamente para conquistar partes desse mercado. Com Biden, intensifica-se a tentativa de reforçar o controlo sobre a América Latina, de pilhagem através da política da dívida, mas também de uma concorrência feroz com a China.

O imperialismo é o militarismo: é o desenvolvimento exponencial dos orçamentos de armamento por conta dos grandes grupos do sector militar. O resultado do desenvolvimento da NATO na Europa é sobre-armar os países europeus: em proveito dos lucros da indústria de armamento e em detrimento da população trabalhadora que empobrece. Recordemos que foi o presidente Obama – seguido por Trump e por Biden – que exigiu a todos os membros europeus da NATO o aumento dos seus orçamentos militares para 2% do respectivo PIB.

A indústria de armamento, na era do imperialismo, é um factor determinante para o funcionamento da economia capitalista. Ela é uma necessidade vital do capital, confrontado com a crise do seu sistema. E a guerra pode rebentar, a qualquer momento, num mercado mundial em plena convulsão.

Neste momento, com a guerra na Ucrânia, os preços do gás e do petróleo já dispararam, mas o preço do trigo também, uma vez que a Ucrânia e a Rússia estão entre os maiores exportadores de trigo à escala mundial.

E são as populações que sofrem as consequências, directamente em todos os continentes.

Daí a inquietação de alguns “especialistas” em riscos de explosões sociais, porque ninguém esquece os desenvolvimentos revolucionários de 2019-2020 na Argélia, no Líbano e no Chile, nem as manifestações nos EUA após a morte de George Floyd, bem como as mobilizações na Europa, que continuam a ter lugar contra as medidas pretensamente sanitárias. Porque todos os governos do mundo (quer se tenham declarado a favor de estados de emergência sanitária ou tenham sido negacionistas da pandemia) têm-na utilizado para instaurar medidas liberticidas e prosseguir com a sua política de contra-reformas.

Saudação aos corajosos cidadãos russos que se manifestam nas ruas!

Os povos não querem a guerra: nem o povo russo, nem o povo ucraniano.

Embora proibidas por causa do Covid (!), foram realizadas manifestações em várias cidades russas contra a guerra. A 24 de Fevereiro, 1800 cidadãos russos foram presos pela polícia de Putin: eles sabiam o risco que corriam, mas o facto de que, em tais condições, vários milhares de pessoas ousam manifestar-se, é um indicador da rejeição da guerra.

Saudamos os corajosos cidadãos russos que desafiam Putin! Eles irão derrotá-lo, não temos dúvidas. O futuro pertence-lhes!

Não à “união nacional”!

Uma nova situação mundial está a emergir, sem que, nesta etapa, se possa ainda aferir todas as consequências.

Para a 4ª Internacional, repitamo-lo, nenhuma “união nacional” é aceitável com os governos que estão ao serviço dos capitalistas promotores de guerra; bem pelo contrário, é mais do que nunca necessário preservar a independência de classe dos trabalhadores e das suas organizações.

A história tem-nos mostrado que os trabalhadores não podem renunciar, sob nenhum pretexto, a defender os seus interesses, que são totalmente irreconciliáveis com os interesses da classe capitalista. Esta valiosa lição aplica-se tanto em tempo de “paz”, como em tempo de guerra.

Rejeitamos o consenso, o acompanhamento do espalhafato dos Estados Unidos, da União Europeia e da ONU.

Nem NATO, nem Putin!

Retirada imediata das tropas russas da Ucrânia!

Parem os bombardeamentos!

Nenhuma anexação!

Direito do povo ucraniano a decidir por si próprio!

Fraternidade entre os povos!

Abaixo as alianças militares!

Abaixo a NATO!

Contra a guerra que o imperialismo gera!

Contra o sistema capitalista que conduz à barbárie!

Contra Putin, representante da oligarquia mafiosa, que se constituiu aquando da restauração da economia de mercado sobre as ruínas da URSS.

Em 2016, na Declaração adoptada no IX Congresso Mundial da 4ª Internacional, escrevíamos:

“Numa tentativa desesperada de salvar o sistema de exploração bárbaro, que sufoca sob o peso das suas contradições fundamentais, o imperialismo (incluindo todas as suas componentes rivais) decidiu, da forma mais cínica, colocar em cena todos os horrores que organizou. E isso a fim de aterrorizar os trabalhadores e os povos do mundo inteiro, para se dar os meios para dinamitar todas as conquistas sociais e políticas arrancadas pela luta secular do proletariado, coisa que ele nunca conseguiu fazer…

Nesse mesmo movimento, tentou dinamitar todas as conquistas democráticas conseguidas pela luta de emancipação dos povos, que arrancaram a sua soberania das mãos das potências coloniais. Assolado por uma crise financeira de uma magnitude sem precedentes na sua História, o imperialismo decidiu tentar o tudo por tudo.”

E aqui estamos nós. Não é do lado do capital e das suas instituições (ONU, NATO, UE) que pode ser encontrada uma solução para a paz, a democracia e a soberania nacional. A única via, nesse sentido, está do lado dos povos. É claro que, com a guerra que se desenvolve, este é um caminho difícil, mas que deve ser seguido, sem nos deixarmos desviar do combate pela emancipação contra o capital.

Com a manutenção do sistema capitalista é a barbárie que se desenvolve. O único meio de pôr fim a este sistema é a mobilização das populações trabalhadoras que lhes permita determinar o seu próprio futuro, libertando-se da opressão e da exploração.

Na véspera da Guerra do Golfo, em 1991, a 4ª Internacional participou com outras forças políticas na fundação do Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AIT).

O seu Manifesto contra a guerra e a exploração – adoptado em 3 de Janeiro de 1991, em Barcelona – terminava assim:

“Afirmamos a nossa confiança na capacidade dos trabalhadores do mundo inteiro para se libertarem das cadeias da exploração e da opressão, na sua capacidade para construírem um mundo onde a colaboração harmoniosa entre as nações e os trabalhadores se substituirá a este mundo de barbárie que cresce cada vez mais.

Governos! Temei a revolta dos povos! Abaixo a guerra!”

Passados trinta anos, este apelo é de uma actualidade candente. É neste terreno que combate a 4ª Internacional, com outras forças e agrupamentos de origens políticas diversas, mas que se situam num terreno de independência de classe e participam nas actividades do Comité Internacional de Ligação e Intercâmbio (CILI).

A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores!

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(1) Leão Trotsky, Obras completas: «A questão ucraniana – 22 de Abril de 1939», Tomo 21.

A fundação da 4ª Internacional e o seu significado actual

A decisão de fundar, em 1938, uma nova organização revolucionária internacional – nas vésperas da Segunda Guerra Mundial – foi e continua a ser criticada por muitos dos seus adversários como um acto de vaidade pessoal de Leão Trotsky. Para eles, o seu resultado final teria sido apenas a proliferação infindável de grupúsculos e seitas políticas, sem intervenção real na luta de classes.

Nada mais falso do que estes argumentos, nada mais desconectado da realidade social e económica das classes trabalhadoras, que procurava combater nas ruas ou nas trincheiras – como na Revolução Espanhola (1936-1938) – o avanço do fascismo e as consequências da crise económica capitalista.

Nos anos e décadas seguintes à fundação da 4ª Internacional – ocorrida no dia 3 de Setembro de 1938, em Paris – os inimigos de classe e os adversários políticos combateram, de maneira implacável, os seus militantes. Isso certamente porque o «Programa de Transição – A agonia do capitalismo e as tarefas da 4ª Internacional» afirmava que: “A tarefa estratégica da 4ª Internacional não consiste em reformar o capitalismo, mas sim em derrubá-lo”. A sua existência e acção atacava o coração do grande pacto que estalinistas e reformistas realizavam com as burguesias, para preservar o capitalismo, após a Segunda Guerra Mundial.

Era impossível manter-se indiferente, ou tentar ignorar e isolar a actividade política da 4ª Internacional, que agrupava agora num programa político não só a herança revolucionária

de várias gerações de militantes, mas principalmente a disposição para combater pela independência política e de acção da classe operária em defesa das suas reivindicações.

Os militantes da 4ª Internacional cruzaram o mundo, agruparam soldados alemães socialistas em plena França ocupada durante a Guerra, organizaram mineiros da Bolívia nas cavernas dos Andes, enfrentaram gangsters no movimento operário dos EUA, combateram nas fileiras do Exército Vermelho da China e nas greves do Sri Lanka, enfrentaram no Brasil a ditadura de Getúlio Vargas. Essa longa história continuou até agora e é necessário prossegui-la.

O internacionalismo

A fundação da 4ª internacional é parte de uma longa tradição de luta internacionalista dos revolucionários contra o capitalismo e que começou bem antes dela. A AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores ou 1ª Internacional) – fundada em 1864, em Londres, a partir da acção de Marx e de Engels – uniu diferentes correntes do movimento operário europeu do século XIX, ainda pouco articulado, e continuou a sua actividade até pouco depois da Comuna de Paris (que teve lugar em 1871).

A 2ª Internacional, fundada em 1889, teve o impulso inspirador de Engels (Marx já tinha morrido) e ajudou a formar poderosos Partidos operários de massa (sociais-democratas ou socialistas) nos países industrializados e a irradiar o socialismo pelo mundo.

Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) a 2ª Internacional divide-se, quando um sector reformista passa a apoiar directamente as políticas de guerra dos governos burgueses. Uma ala revolucionária – liderada por Lenine, Rosa Luxemburgo e Trotsky – opõe-se. A oportunidade histórica surge com a vitória da revolução operária na Rússia, em Outubro de 1917: dois anos depois é fundada a 3ª Internacional e surgem os Partidos comunistas.

A Revolução Russa foi cercada e atacada, sufocada numa guerra civil brutal até quase ao final de 1922. O Exército Vermelho, liderado por Trotsky, consegue esmagar “os Brancos” – contra-revolucionários sustentados por governos imperialistas e pelos antigos monárquicos e capitalistas da Rússia – mas a classe operária perdeu a nata da sua militância revolucionária durante essa guerra. Uma nova camada social de burocratas e carreiristas substitui-a e ocupa um lugar cada vez mais importante. A última batalha política de Lenine, antes de sua morte em 1922, foi contra essa burocratização do Partido e do Estado soviético.

A democracia nos Sovietes e no Partido vai desaparecendo. Em 1923, surge então a Oposição de Esquerda e, em 1926, a Oposição Unificada, para defender e recuperar a democracia interna, o livre debate e a ampliação da revolução para outros países. Estaline – a caminho de uma ditadura pessoal – inventa a pretensa teoria do “socialismo num só país” e reprime a oposição. A 3ª Internacional – cada vez mais burocratizada – vai no mesmo caminho.

Trotsky foi expulso, em 1929, da URSS e – com outros oposicionistas, de diferentes países – funda a Oposição de Esquerda Internacional, que contava no Brasil com o grupo liderado por Mário Pedrosa, intervindo como fracção no PCB (Partido Comunista Brasileiro). Essa Oposição procurava combater o estalinismo dentro dos Partidos comunistas.

Reagrupando os revolucionários no combate ao fascismo

Em Fevereiro de 1933, reúne-se uma Conferência da Oposição Internacional, após Hitler ter assumido o poder na Alemanha sem qualquer reacção do Partido Comunista alemão.

Trotsky defendia a frente única de comunistas e socialistas, como única saída para afastar o perigo fascista. Tratava-se do destino do maior núcleo organizado da classe operária mundial, nessa época. A política de divisão dos estalinistas – recusando qualquer aliança com os socialistas – abriu o caminho a Hitler, o qual, nos anos seguintes, destroçou a classe operária alemã.

A Oposição Internacional de Esquerda declarou, então, que a luta pela reorientação da 3ª Internacional chegara ao fim. Foi aprovada a “Declaração dos Quatro”, que apelava à luta pela construção de uma nova Internacional. Cinco anos depois, nascerá a 4ª Internacional.

Em 3 de Setembro de 1938, reuniu-se em Paris a Conferência para a sua fundação, com representantes de doze países: Brasil, Alemanha, EUA, França, Reino Unido, URSS, Itália, Polónia, Bélgica, Áustria, Holanda e Grécia. O brasileiro Mário Pedrosa foi delegado em nome das secções latino-americanas.

O principal documento adoptado – o Programa de Transição – afirma que as forças produtivas do capitalismo cessaram de crescer. O futuro da humanidade depende da construção da Direcção revolucionária do proletariado. O capitalismo sobrevive à custa da destruição das forças produtivas da humanidade, utilizando para isso as guerras, o desemprego e a fome.

E preconiza: “É preciso ajudar as massas, no processo das suas lutas quotidianas, a encontrar a ponte entre as suas reivindicações actuais e o programa da revolução socialista. Esta ponte deve consistir num sistema de reivindicações transitórias, partindo das condições actuais e da consciência actual de amplas camadas da classe operária e conduzindo, invariavelmente, a uma única e mesma conclusão: a conquista do poder pelo proletariado”.

A perseguição à 4ª Internacional continuou implacável, mesmo com o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Na URSS, as deportações exterminaram milhares de simpatizantes. Na Europa, a GPU – polícia política de Estaline – assassinou vários dirigentes. Em 21 de Agosto de 1940, o próprio Trotsky foi assassinado no México. Mas a 4ª Internacional estava fundada e sucessivas gerações de militantes irão apropriar-se do seu programa para dar continuidade à luta pela revolução socialista.

Em 1993, a 4ª Internacional foi reproclamada e continua a actuar com as suas secções – como a corrente “O Trabalho” do PT, sua Secção brasileira – ao mesmo tempo que prepara o seu 10º Congresso mundial.

Mais do que nunca, é necessário derrubar e não reformar o capitalismo em crise, agravada pela pandemia.

Adaptação do artigo da autoria de Everaldo Andrade, publicado no jornal “O Trabalho” (da responsabilidade da Secção brasileira da 4ª Internacional), nº 890, de 27 de Setembro de 2021.

Organizar a resistência frente aos planos do capital financeiro

Capa da versão portuguesa do número anterior (105) da Revista teórica da 4ª Internacional.

Como é habitual, “A Verdade” (1) expõe as suas análises sobre os desenvolvimentos da luta de classes em diferentes países e continentes. Uma situação na qual, como assinalam as primeiras linhas das Notas editoriais, “o afundamento do conjunto da economia mundial que teve lugar durante o primeiro trimestre do ano de 2020 estará longe de ter produzido todos os seus efeitos devastadores. A magnitude da destruição provocada e as mais elementares exigências de sobrevivência para centenas de milhões de seres humanos à escala planetária terão contribuído, não tenhamos dúvidas, para restabelecer o lugar relativo daquilo que se convencionou chamar a ‘crise sanitária’ e da crise de todo o Sistema de dominação imperialista em plena desintegração.”

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