Ou o caos e a guerra, ou retomar Abril

Há um movimento dos trabalhadores e das populações – expresso através de greves e manifestações – perante a necessidade premente do aumento geral dos salários e do controlo dos preços, a defesa de políticas de habitação que proíbam os despejos, baixem as taxas de juro, congelem o aumento das rendas; manifestações e greves para impedir que os serviços públicos continuem a ser desmantelados, garantindo o aumento dos salários e a melhoria das condições de trabalho daqueles que os asseguram, nomeadamente na Saúde, na Educação ou na Justiça. Greves e manifestações que a maioria da população apoia, apesar de sofrer as suas consequências, afirmando que as motivações das lutas dos trabalhadores são justas.

E o Governo – assente numa maioria absoluta de deputados do PS – que recusa responder positivamente a este movimento tão forte, para poder cumprir à risca um Orçamento do Estado subordinado às necessidades do capital financeiro e às políticas de guerra.

Há as forças da Direita e da Extrema-direita que cavalgam o descontentamento dos trabalhadores e das populações, sem avançarem qualquer proposta que lhes possa responder positivamente, ao mesmo tempo que procuram desviar a atenção dos cidadãos para a exploração mediatizada dos escândalos e das peripécias que têm assolado o Governo, para – a partir delas – impor a dissolução da Assembleia da República (AR) e o fim da maioria do PS.

Há um Presidente da República que, recentemente, tem aparecido como se estivesse contra a política desenvolvida pelo Governo, ameaçando que pode dissolver a AR, aquando tudo o que o Governo tem feito é pôr em prática o Orçamento do Estado acordado com Bruxelas, com a cobertura completa desse Presidente e cujo conteúdo está bem à vista nos sectores da Saúde, do Ensino, da Habitação ou da Agricultura.

Além destas componentes da realidade, há ainda:

– As Direcções das organizações sindicais e dos partidos políticos que se reclamam da defesa dos interesses dos trabalhadores e se opõem à política do Governo, apresentam propostas alternativas a essa política e, em simultâneo, organizam e dirigem as lutas dos trabalhadores e das populações.

– Há as mobilizações, em vários países da Europa, contra as consequências das mesmas políticas – ditadas pela NATO, pela Comissão Europeia e pelo BCE – responsáveis pelo agravar do caos e pela guerra.

Perante este quadro político e social, os trabalhadores e os militantes estão diante de uma encruzilhada:

– Ou continuar as lutas e mobilizações fragmentadas – e mesmo paralelas – sem perspectiva de vitória, de que o exemplo dos professores é um caso paradigmático.

– Ou, em alternativa, obrigar os dirigentes das suas organizações a enveredar pelo caminho que leve a uma acção unificada do conjunto das mobilizações, libertando a iniciativa dos trabalhadores, para que seja retomada a política aberta pela Revolução do 25 de Abril, nas suas diversas dimensões (nomeadamente a social e a económica).

Os dirigentes políticos que se reclamam da defesa do 25 de Abril, da democracia e do socialismo – se querem ficar fiéis a estes desígnios – não podem senão procurar os meios para organizar este processo, que pertence ao povo trabalhador.

Trata-se de retomar o caminho aberto pelo 25 de Abril, o caminho da defesa da paz e da cooperação entre os povos, incompatível com o apoio à guerra.

A Comissão de Redacção

25 de Abril, sim! Guerra, não!

Através da exaltação nacionalista, das imagens de terror e de guerra, com que diariamente somos bombardeados, Comunicação social, Governo, Presidente da República, Parlamento e Partidos (com excepção do PCP) juntam-se numa “União Nacional“, dão vivas à guerra, pretendendo criar uma atmosfera social propícia à aceitação de Orçamentos de guerra e à corrida desenfreada aos armamentos.

Para os armamentos e a profissão castrense, todos eles se desmultiplicam em “argumentos” para justificar as dotações orçamentais que permitam satisfazer as reivindicações dos militares – aumentos salariais e uma “carreira militar” mais “atractiva”. Mas, para dotar de uma “carreira” e aumentar os salários dos que ainda ontem eram elogiados como “heróis” da pandemia – professores, médicos, enfermeiros – e demais profissões socialmente úteis, o Governo já não encontra “espaço orçamental”!

O dinheiro afecto à guerra deve ser aplicado onde mais falta faz, onde é socialmente útil, nas funções sociais do Estado, repondo o poder de compra de quem assegura essas funções.

Desculpando-se, primeiro com a pandemia e agora com a guerra, o Governo e as entidades patronais pedem mais sacrifícios aos trabalhadores e procuram amarrar as organizações sindicais a Acordos de “contenção salarial“, para – dizem eles – não alimentar a “espiral inflacionista“, como se os responsáveis pela inflação fossem os trabalhadores.

A subida vertiginosa dos preços deve-se, não aos salários, mas às margens especulativas, aos lucros desenfreados das petrolíferas e dos demais especuladores. Só a GALP, no primeiro trimestre deste ano, multiplicou por 6 (seis) os lucros obtidos em igual período do ano anterior.

E enquanto os consórcios do petróleo, do gás, da electricidade e da Banca se empanturram de lucros com a guerra, governos e patrões pedem aos trabalhadores que se juntem a eles numa “União Nacional” e apelam à “Contenção salarial”, como se os interesses dos trabalhadores e dos patrões fossem iguais… e não distintos!

Os interesses dos trabalhadores e dos patrões são distintos! Foi isso que milhares de trabalhadores, de jovens e de cidadãos em geral expressaram nas manifestações do 25 de Abril e do 1º de Maio. Manifestações onde as palavras de ordem mais gritadas foram: “Paz sim, guerra não!” e “O custo de vida aumenta, o povo não aguenta!”.

Tratou-se de um sentimento colectivo, expresso pela intervenção da Secretária-geral da CGTP, no 1º de Maio, ao exigir o aumento dos salários e pensões, e mais verbas para as funções sociais do Estado; um sentimento colectivo expresso também – no final do desfile do 25 de Abril, em Lisboa – na intervenção do representante da Associação 25 de Abril, em oposição aos discursos oficiais.

Este é o terreno da nossa classe, o terreno no qual os militantes organizados trabalham, sector a sector, nas empresas, nas escolas, nos serviços de saúde – com os seus sindicatos – para ajudar a concretizar as aspirações que nos unem a todos.

Para estes, a grande questão é: como se poderá sair disto? Uma pergunta cada vez mais assente na convicção de que as acções terão que ser realizadas em conjunto com os outros povos da Europa, pois nenhum sozinho conseguirá impor, de facto, uma solução positiva e estável para o seu país.

Neste sentido, a realidade da situação em França, revelada pelos resultados eleitorais das Presidenciais – onde uma força imensa se expressou através da França Insubmissa, dirigida por Mélenchon (ver pg 6) – constituem um indicador de que algo está a mudar no coração da Europa.

Algo está a mudar num sentido completamente oposto daquele dos que apostam nas armas e na morte, para preservar o Sistema capitalista há muito agonizante.

Os senhores do mundo também têm as orelhas em pé, com os acontecimentos em França… Como afirmou um dos comentadores políticos na televisão portuguesa, quando se tornou evidente que Macron, só por um triz, não teve que defrontar Mélenchon na 2ª volta: “A revolta contra o establishment está instalada. Esta reconfiguração geopolítica merece reflexão, não apenas dos dirigentes franceses, mas de todos os dirigentes europeus.”

Sim, é uma reconfiguração cuja forma a luta dos trabalhadores e das populações saberá encontrar, para conseguir as suas legítimas reivindicações, que vão da Segurança social às condições de vida e ao acabar com a guerra.

Independentemente dos resultados eleitorais que houve em França, a força organizada que estrutura a União Popular – construída de forma aberta, sobre a base das reivindicações e tendo como grande matriz a ruptura com as instituições bonapartistas do aparelho de Estado francês – é uma componente da luta de todos os povos da Europa. Por isso, diz-nos também respeito a nós, trabalhadores portugueses.

Das lições a tirar de um processo que está longe de ter terminado, pode ser avançada já uma conclusão: os militantes franceses que agem para construir esta União Popular não abandonaram os seus sindicatos nem impuseram ou esconderam as suas posições políticas ou partidárias; pelo contrário, procuraram constituir grupos de acção, norteados pelo objectivo comum de reconquista dos direitos perdidos e da preservação dos que ainda se tem. Nestes grupos de acção estão milhares de sindicalistas  e muitos “Coletes amarelos”.

O Militante Socialista 155

Dada a  continuação da situação criada pela pandemia de Coronavírus e, também, da instauração do Estado de emergência que tornam muito mais difícil o contacto pessoal – e o correspondente acesso ao MS em papel – a Redacção desta publicação, que é da responsabilidade da Associação Política Operária de Unidade Socialista – POUS, decidiu colocar à disposição de todos a versão integral do MS (ver aqui MS_155), em vez de tornar público apenas o seu Editorial.