Algumas questões sobre a luta de classes em Portugal

Trabalhadore(a)s da TAP concentrados diante da Assembleia da República no início de Dezembro de 2020.

Com os confinamentos decorrentes da pandemia, as companhias aéreas nacionais – um pouco por todo o mundo – ficaram inevitavelmente em crise. E os governos dos respectivos países injectaram enormes somas de dinheiro, para as preservar num período de tempo considerado transitório, até poderem recuperar.

Por que razão não é assim com a TAP, é uma questão colocada por muitos militantes sindicais.

Assim, 10 mil trabalhadores foram encurralados na “escolha” de aceitar – sem qualquer resistência ou mobilização – cortes salariais e “rescisões amigáveis”, ou então os despedimentos colectivos (ao abrigo do “Plano de reestruturação” em marcha. Uma e outra das alternativas visando sempre perfazer uma redução de custos de 25% ao ano.

Qualquer delas, a implementar no quadro da sacro-santa Autoridade da Concorrência da União Europeia. Uma “Autoridade” exercida sobre o Estado português, mas que em relação à Lufthansa não terá colocado obstáculos à entrega de muitos milhões de euros por parte do Estado alemão. Trata-se, apenas, da companhia área que se perfila como a mais bem posicionada para açambarcar as rotas que actualmente são pertença da TAP.

E é o Governo português que, fazendo o papel de vassalo desta “Autoridade europeia”, vem expressar publicamente o seu reconhecimento aos trabalhadores da TAP por terem aceite os acordos negociados com os dirigentes dos seus sindicatos, traduzidos em cortes salariais, “rescisões contratuais amigáveis” e licenças sem vencimento… e, com estes sacrifícios tão duros “salvar” a TAP.

O mesmo Governo que está a apunhalar os trabalhadores da Efacec, encarregando a sua Administração de proceder ao despedimento de 500 de entre eles, deixando-a “limpa” para ser entregue ao grande capital até ao próximo mês de Julho! Uma empresa reconhecida como um dos poucos sectores estratégicos que restam no nosso país, integrando uma valiosa mão-de-obra de engenheiros qualificados, com filiais em vários países, o que levou o PCP e o BE a apresentarem na Assembleia da República (AR) propostas defendendo a sua não-reprivatização, em nome da defesa do interesse nacional.

O mesmo Governo que lava as mãos em relação ao golpe, anunciado pela Administração da Galp e traduzido na destruição de 500 postos de trabalho directos e 1500 indirectos da sua Refinaria de Leça da Palmeira. O Governo lava as mãos, com a desculpa de que se trata de uma empresa privada, ao arrepio das consequências para a vida de milhares de Portugueses e para a economia dessa Região, como o expressam os comerciantes de Matosinhos e a respectiva Câmara Municipal, bem como a Assembleia Municipal de Gaia.

A quem serve fazer engolir a 10 mil trabalhadores da TAP sacrifícios pesadíssimos, despedir 500 trabalhadores e reprivatizar a Efacec, bem como permitir o encerramento da Refinaria da Galp de Leça da Palmeira?

Em 2015, quando milhares de trabalhadores se concentraram diante da AR ao apelo da CGTP – e com o apoio da Associação 25 de Abril – para exigir a saída do governo PSD-CDS e a formação de um governo do PS, assente em acordos com o PCP e o BE, os militantes gritavam “Fora o governo Passos Coelho – Portas, fora a Troika”. O que está a acontecer agora, ao pretender-se impor os despedimentos e a passagem de sectores económicos estratégicos para as mãos do grande capital, não é a continuação da política da Troika?

Foram muitos os cidadãos e os militantes – profundamente ligados à defesa do 25 de Abril e das suas conquistas – que não esconderam o choque com o resultado das eleições para a Presidência da República.

Responsáveis do próprio Partido do Governo afirmaram que era preciso reflectir – em conjunto com as outras forças sociais e políticas que se reclamam do 25 de Abril – para encontrar respostas políticas e sociais diferentes para todo o país.

São preocupações presentes no pensamento de muitos milhares de trabalhadores e de militantes, que se questionam sobre a construção de uma saída positiva para a actual situação, que olham com atenção para o que se passa nos outros países (em particular da Europa), que aspiram a que, em cada país, se constituam governos que apostem na cooperação ao serviço das populações e não ao serviço do capital financeiro, como está a acontecer com o escândalo do fornecimento das vacinas do Covid-19.

O Militante Socialista, órgão impulsionado pela associação POUS – 4ª Internacional e pelos seus militantes, respeitando os percursos e as diferentes experiências de outros militantes com quem combatem lado a lado, e partilhando as mesmas preocupações e aspirações, considera que só a luta conjunta organizada das classes trabalhadoras pode, de facto, abrir essa saída.

A verdadeira resposta para a situação do país passa pela defesa dos direitos dos trabalhadores

Uma saída positiva que exige o respeito pelos direitos dos trabalhadores da TAP e não o seu espezinhamento, a preservação da Efacec como empresa pública com todos os seus postos de trabalho, a manutenção da Galp de Leça da Palmeira com os respectivos postos de trabalho, abrindo o caminho à renacionalização da Petrogal (que nunca deveria ter sido privatizada).

É responsabilidade de todas as forças – quer sindicais, quer político-partidárias que se reclamam da defesa do 25 de Abril – juntarem-se à luta destes trabalhadores para os ajudarem a ganhar as suas reivindicações.

Ao fazê-lo assumirão a responsabilidade histórica de entregar às jovens gerações, de facto, o legado da Revolução de Abril.

A Comissão de redacção

Declaração do periódico “O Militante Socialista” de 12 de Fevereiro de 2021

A vitória do candidato “de unidade nacional” e os seus danos colaterais

Os resultados das eleições presidenciais decorrem dos dados que foram lançados quando António Costa decidiu apoiar a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa na Presidência da República. O Primeiro-ministro apostou e continua a apostar na política de “unidade nacional”, para poder fazer cumprir no nosso país as orientações decididas, em conjunto com os seus pares, na União Europeia – de que Portugal ocupa actualmente a Presidência.

Recusando, em conjunto com a Direcção do PS, apresentar um candidato presidencial – susceptível de aglutinar o conjunto das forças políticas cujas raízes mergulham na luta do povo português em torno da defesa do 25 de Abril – António Costa ditou as regras de jogo das eleições para a Presidência da República.

O PCP e o Bloco de Esquerda – partidos cujas Direcções têm suportado o Governo, apesar de o fazerem de forma crítica, e por isso, são vistos por muitas pessoas como corresponsáveis pelas políticas que este tem seguido – aceitaram as regras de jogo definidas por Costa e não procuraram dar-se os meios para construir uma verdadeira alternativa à política de “unidade nacional”. E os danos colaterais deste posicionamento ficaram à vista com os resultados eleitorais.

Assim, muitos eleitores do PS (e não só) – pressionados pela chantagem de criação de “instabilidade política” – concentraram o voto no actual Presidente, enquanto outros eleitores destas mesmas áreas políticas decidiram dar o seu voto a Ana Gomes, perante a provocação salazarenta de André Ventura.

Na ausência de uma alternativa mobilizadora, este pôde à vontade explorar o legítimo sentimento de revolta de grande parte da população – cujas condições de vida se têm agravado brutalmente – e utilizar as tácticas próprias dos fascistas para dividir os mais pobres, lançando uns contra os outros (agora os ciganos e os Negros, depois serão os “privilegiados” funcionários públicos, …).

Vamos deixar que estes resultados nos impressionem?

Se o fizéssemos, perderíamos o sentido do combate que é imperioso prosseguir numa situação tão grave como a que estamos a viver.

O que nos impressiona não são as ameaças da extrema-direita, mas sim as consequências das políticas dos sucessivos governos – incluindo o actual – que levam à incapacidade de o SNS responder a um malefício natural provocado por um vírus. O que nos impressiona é ver centenas de milhares de Portugueses e Portuguesas condenados à miséria, num país depauperado pela contínua pilhagem e na “expectativa” dos dinheiros que virão da União Europeia, a aplicar sob condições decorrentes dos interesses do grande capital e não do nosso país.

Não, o perigo de destruição do 25 de Abril não vem das extremas-direitas. Ele vem das políticas que têm levado à degradação das condições de vida do povo, do desmantelamento e fecho de serviços públicos (das estações de correio, às agências bancárias e às Juntas de freguesia), da precariedade, da pobreza (silenciada ou iludida com subsídios que “os Chegas” exploram para conseguir os seus objectivos).

O perigo de destruição das conquistas do 25 de Abril vem da política de “unidade nacional”, que quer fazer engolir à população trabalhadora a destruição de mais de 1500 postos de trabalho com o fecho da Refinaria da Galp em Matosinhos, o despedimento de milhares de trabalhadores da TAP (em simultâneo com o corte drástico da sua dimensão) por imposição da Autoridade para a Concorrência da Comissão Europeia, a juntar-se a dezenas de milhares de despedimento em muitos outros sectores… como se não houvesse outra alternativa!

Que saída?

Os trabalhadores, os cidadãos, os militantes dos partidos de esquerda e os jovens – que sentiram um sobressalto com o resultado das eleições presidenciais – têm capacidade para garantir a defesa do 25 de Abril e das suas conquistas, uma defesa que exige ser retomado o caminho que este abriu.

Um caminho que exige:

– Não desistir de lutar para impor o restabelecimento do SNS, em todas as suas diversas dimensões, e que agora deve obrigar o Governo a aplicar um Plano de acção, recorrendo a toda a capacidade de serviços de Saúde instalada (pública, social e privada), um Plano de acção que tarda e que seja transparente, para que toda a gente possa ter confiança nele

– A proibição efectiva dos despedimentos

– A revogação da caducidade dos contratos colectivos de trabalho e a proibição do estabelecimento de contratos precários

– A garantia que os investimentos que o Governo vai fomentar ou apoiar, no quadro da União Europeia, para a “economia digital”, não irão servir para generalizar novas formas de trabalho precário e de escravatura

– A garantia que os investimentos, feitos em nome da “defesa do ambiente”, irão de facto servir para proteger os ecossistemas e propiciar uma vida saudável às populações.

Os militantes organizados na associação “Política Operária de Unidade Socialista” lutarão lado a lado com os trabalhadores e os militantes que estão empenhados em bater-se por estes objectivos.

O 25 de Abril não está morto e será retomado.

O Secretariado da Associação por uma
Política Operária de Unidade Socialista

Impasse da esquerda expresso nas Presidenciais

O jornal “O Militante Socialista”, cuja responsabilidade é da Associação “Política Operária de Unidade Socialista” tomou posição sobre o modo como decorreu a campanha eleitoral das eleições para a Presidência da República.

Mais uma vez se exprimiu na campanha para as Presidenciais a situação de impasse das forças políticas que se reclamam do 25 de Abril

A situação trágica da saúde de toda a população portuguesa, perante o colapso das estruturas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com o estender descontrolado da vaga pandémica, por um lado, e por outro o agravamento de forma exponencial das condições de vida da maioria da população trabalhadora, exigiria que os candidatos à Presidência da República – que se reclamam do 25 de Abril – tivessem utilizado a sua campanha eleitoral para intervir no sentido de ajudar a construir as respostas imediatas para resolver os problemas com que nos confrontamos.

Com essa atitude eles teriam contribuído para a mobilização do povo, de modo a que este desenvolvesse as acções que impusessem a resolução dos problemas. Propostas que certamente implicariam a intervenção dos trabalhadores da Saúde – dos sectores público, privado e social – não deixando que os colegas do sector público caíssem de exaustão.

Quem duvida que esta intervenção punha na ordem do dia a requisição civil de toda a capacidade instalada de serviços de Saúde, sob a tutela do Estado, tanto ao abrigo do estado de emergência, como das leis de Bases da Saúde ou da Protecção Civil.

O empenhamento público dos candidatos para ajudar a acudir à situação de catástrofe económica e social seria um incitamento a que os trabalhadores e as populações se organizassem – em ligação com o Poder local – para garantir transportes adequados a quem tem que se deslocar e para minimizar as condições insalubres de muitas das habitações (existentes sobretudo na periferia das grandes cidades).

Candidatos à Presidência da República, empenhados em contribuir para salvar o país, estariam a ouvir e a apoiar os trabalhadores que estão a ser alvo de despedimentos, participando com eles na mobilização unida para os impedir.

Claro que ninguém pode esperar tal comportamento de Marcelo Rebelo de Sousa, de Tiago Mayer Gonçalves ou de André Ventura. Mas, quando é voz comum – entre os trabalhadores e os militantes que se reclamam da Revolução de Abril – que Marisa Matias, João Ferreira e Ana Gomes se deviam encontrar para construir uma só candidatura, o que está implícito no seu pensamento?

A aspiração comum de todos eles é a unidade para afastar do poder o actual Presidente da República, para derrotar a direita. Pois, como todos estes candidatos afirmam, Marcelo Rebelo de Sousa – que hoje procura a unidade e o consenso com o Governo assente em forças da esquerda (“porque não tem outro à mão” para pôr em prática a política do capital financeiro) – no futuro, quando a direita conseguir recompor-se à custa da política da Direcção do PS e das forças que a suportam, viabilizará um Governo constituído por toda essa direita, como aconteceu na Região Autónoma dos Açores.

Deste ponto de vista, podemos considerar que a forma como os candidatos da esquerda se têm posicionado – independentemente das ideias justas expressas nas suas declarações públicas, umas vezes coincidentes e outras vezes complementares – não acrescenta uma linha àquilo que hoje os trabalhadores da Galp e da TAP, ou os estivadores, ou o conjunto de todos quantos estão em teletrabalho necessitam que seja feito: a criação de um movimento aglutinador, emanado da sua iniciativa, bem como da iniciativa das populações e dos jovens, para retomar o caminho iniciado com a Revolução de Abril.

Só este movimento pode ter capacidade para:

– Proibir os despedimentos colectivos

– Pôr fim à caducidade da contratação colectiva

– Pôr fim às diversas formas de trabalho precário

– Garantir que os investimentos que o Governo vai fomentar ou apoiar, no quadro da União Europeia, para a “economia digital”, não irão servir para generalizar novas formas de trabalho precário e de escravatura

– Garantir que os investimentos, feitos em nome da “defesa do ambiente”, irão de facto servir para proteger os ecossistemas e propiciar uma vida saudável às populações.

Assumisse algum dos três candidatos da esquerda um Plano de acção deste teor e veríamos como isso cortaria, de facto, a relva debaixo dos pés da extrema-direita. Veríamos como, no dia seguinte às eleições, os trabalhadores e as populações poderiam ter uma ferramenta nas suas mãos, para os ajudar na luta que não terão outro remédio senão desenvolver.

Mais uma vez ficou demonstrado que a emancipação dos trabalhadores só poderá ser obra deles próprios.

Carmelinda Pereira