
Perante os resultados das eleições legislativas em Angola, o escritor angolano José Eduardo Agualusa – contrariando o “cenário” oficial em voga no nosso país – fez as seguintes declarações à RTP2 (telejornal da noite, de 29 de Agosto de 2022).
RTP2 – Como analisa os resultados eleitorais em Angola?
José Eduardo Agualusa (JEA) – O MPLA e João Lourenço partem de uma posição de grande fragilidade, após estas eleições, por duas razões fundamentais.
Em primeiro lugar, porque não têm a população com eles. De facto, mais de metade da população não foi às urnas; e, portanto, menos de 25% da população apoia, efectivamente, o actual Presidente no poder. E, por outro lado, o MPLA está muito dividido, enfrenta guerrilhas internas. Está praticamente em guerra civil, um pouco mais surda.
Assim, para conseguir fazer o que diz – o que passa por “colocar na ordem” o seu próprio Partido – João Lourenço precisa do apoio da sociedade. E precisa, sobretudo, da juventude urbana.
RTP2 – Que lições podem ser tiradas da derrota do MPLA em Luanda, nomeadamente devido ao voto da juventude?
JEA – A questão é que Angola é um país muito centralizado: tudo depende de Luanda, que é o grande centro do poder. É exactamente ali que podem acontecer manifestações de jovens descontentes. Não é no Cunene, onde o MPLA teve 80% dos votos. É em Luanda que, quem quer que esteja no Governo tem interesse em dispor de apoio popular.
RTP2 – Nas últimas horas tem havido queixas de alguns activistas, que se dizem alvo de perseguições e, até, de detenções arbitrárias. Qual é, do seu ponto de vista, o risco de instabilidade social?
JEA – Sim, existe esse risco. Porque esta esmagadora maioria de jovens que deu o seu voto à UNITA – o que não significa que seja da UNITA – em primeiro lugar, votou contra o MPLA (foi um voto de descontentamento). E, depois, é o voto em algumas pessoas (Adalberto, Chivukuvuku,…), pelas quais esta juventude tem consideração. Isso não significa, necessariamente, que se identifiquem com a UNITA.
Se está a haver manifestações, isso também não significa que a UNITA esteja por detrás delas. A juventude angolana é cada vez mais politizada, consciente e combativa, e está habituada a fazer manifestações. Portanto, não me parece impossível que surjam cada vez mais manifestações, independentemente da vontade ou dos desejos da Direcção da UNITA.
RTP2 – João Lourenço escudou-se também na maioria absoluta, para dizer que não haver necessidade de nenhuma coligação (“geringonça”). Significa isto que a postura governativa do MPLA pode ser diferente?
JEA – Acredito que, no contexto deste segundo mandato, João Lourenço irá seguramente precisar dos deputados da UNITA, pelas razões que já enunciei. E, sobretudo, porque ele vai enfrentar (já está a enfrentar) descontentamento no seu próprio Partido, e isso vai acabar por se manifestar no exterior, de uma forma ou de outra.
Portanto, para conseguir governar o país e para aplicar as medidas que são necessárias, o João Lourenço vai com certeza, em determinado momento, precisar do apoio da UNITA e dos seus deputados. Por isso, o bom senso recomenda que não hostilize a UNITA, o que não quer dizer que vá fazer alianças com ela. UNITA que hoje é um movimento com uma força enorme (e com uma força crescente), ao contrário do MPLA que está a decrescer. O mais puro bom senso recomendaria que João Lourenço ouvisse o que a UNITA tem para dizer e conversasse com o seu líder.