
Uma vez mais neste Verão, milhares de hectares estão a arder. Neste momento são 228 mil hectares, o número mais alto em 20 anos (já ultrapassando o número total de hectares queimados em 2012, até agora o pior ano).
As políticas ambientais e o controlo de incêndios estão, na Espanha das autonomias, na sua maioria transferidas para os governos regionais. E estes mostram-se impotentes para fazer frente a esta situação, pelo que foi lançada uma “guerra” entre os políticos que vivem das instituições, e que tentam fazer-nos acreditar que não têm qualquer responsabilidade nestes incêndios. Neste sentido, podemos ouvir dizer que a culpa é do aquecimento global, dos ecologistas, do outro Governo, …
Aquecimento global e para além dele
Não podemos negar o aquecimento global (embora haja quem conteste de forma razoável quais as suas causas), mas é um facto que milhões de hectares de matas estão abandonados, sem qualquer tipo de limpeza nem manutenção, transformando-as em pasto fácil para as chamas. Como assinala um comunicado da UGT, “as alterações climáticas provocam fenómenos extremos, como as ondas de calor que temos vindo a sofrer, mas as ondas de calor não pegam fogo às montanhas, ainda que influenciem, de uma forma muito clara, que ardam. Os nossos montes estão sujeitos a um stress hídrico muito elevado, que os torna mais inflamáveis; o que, juntamente com o abandono do mundo rural e o abandono das culturas faz que estejam cheios de combustível vegetal, pronto a arder”.
Deitar a culpa ao aquecimento global tem uma vantagem para aqueles que o fazem. Permite-lhes diluir a responsabilidade e, além disso, permite-lhes fazer campanha a favor dos “necessários “sacrifícios” que a população deve fazer. Sacrifícios como o encerramento de minas, a conversão das indústrias para a “economia verde”, com a perda de milhares de postos de trabalho, ou inclusivamente as propostas ultra-reaccionárias de “decrescimento” – por muito que sejam apresentados como o máximo do progressismo – segundo as quais a população trabalhadora tem de aceitar a ideia de viver pior… “para salvar o planeta”. E, além disso, permite evitar colocar a ênfase sobre a responsabilidade dos governos autonómicos, que na Espanha das 17 autonomias de feudos são responsáveis pelo meio ambiente.
O que nenhum Governo autonómico pode negar é a precaridade dos serviços de prevenção e extinção de incêndios. Os órgãos de Comunicação social têm revelado a falta de bombeiros florestais (inclusivamente há até parques naturais onde a maioria dos bombeiros são voluntários), a extrema precariedade das suas equipas, as más condições de trabalho, o desprezo dos governos autonómicos para com este sector de trabalhadores. Contratam-nos por alguns meses no Verão (muitas vezes como permanentes descontinuados, o que engorda os falsos números de contratos por tempo indeterminado, que são atribuídos à última reforma laboral), são pagos com pouco mais de mil euros por mês, para um trabalho muito árduo com jornadas extenuantes, e, como aconteceu em Castela e Leão, recebem como alimento umas míseras sanduíches quando estão a apagar incêndios. Têm de ser os moradores vizinhos e algumas ONGs quem se preocupa em fornecer-lhes uma refeição decente.
No comunicado acima mencionado, a UGT exige, com razão, “um reforço das operações de combate aos incêndios, dotando estes profissionais de um quadro regulamentar que os dignifique. É fundamental que estes profissionais tenham contratos estáveis e condições de trabalho dignas e seguras. Os trabalhos de combate a incêndios geram numerosos riscos para a saúde e segurança das equipas de extinção – precisamente hoje é o 17º aniversário do incêndio de Guadalajara, em que faleceram 9 bombeiros florestais e 2 agentes ambientais”.
Tudo isto, sem esquecer que as reclamações do colectivo de bombeiros florestais – para além das melhorias no seu trabalho – é que, como sociedade, façamos o trabalho preventivo que não depende deles, cuja tarefa é apagar os fogos.
A destruição programada do meio rural e da produção agrícola
Há que ter em conta que, em grande medida, os montes já não fornecem matérias-primas e, portanto, numa economia capitalista são espaços marginais. Boa parte das florestas actuais é o resultado da sua sobreexploração até meados do século XX. No Estado espanhol, até às décadas de1950 e 1960, o combustível para cozinhar (nas cozinhas económicas), na indústria da cerâmica, padarias, etc., era a biomassa dos montes. Agora estes foram convertidos em espaços “economicamente inúteis” e, portanto, abandonados.
Alguns – muito poucos – explicam outra das causas da propagação descontrolada dos incêndios: estão abandonados milhões de hectares de terras que antes eram cultivadas, e que quando estavam impunham uma solução de continuidade entre zonas de floresta e mato, limitando a extensão dos incêndios. Segundo o Fundo Espanhol de Garantia Agrícola (FEGA), a superfície não explorada ascende a cerca de 2,23 milhões de hectares, o que representa 7,4% da área total. Isto inclui terras de cultivo arável, pomares e pastagens.
Desta área total sem aproveitamento, cerca de 48% do total, com quase 1,1 milhões de hectares, correspondem a superfície de terras de cultivo, dos quais 43,2% (ou seja 963.001ha) são terras de cultivo permanente, e os restantes 9,1% (202.651ha) são pastagens permanentes.
Dentro da área sem aproveitamento nas culturas permanentes, mais de metade são pomares; outros 26,5% são olivais; 13,2% são vinhas, e os restantes 5,8% são árvores de citrinos.
Ao mesmo tempo, as zonas rurais estão a perder continuamente população. Espanha lidera na Europa, em termos de despovoamento rural. Depois de ser um dos países com maior percentagem da população rural quando aderiu à UE, actualmente só a Bélgica e a Holanda têm uma percentagem menor.
As zonas rurais de Espanha estão a caminho da marginalização e do despovoamento. Assim, só 19,68 % da população espanhola, no ano 2018, vivia em zonas rurais. O despovoamento começou na década de 1960, com a industrialização e a emigração para as cidades, mas não tem parado desde a entrada na UE.
Disseram-nos que ia ser um maná para a agricultura espanhola; mas, no final da década de 1980, a Espanha tinha cerca de 10% da população activa na agricultura, hoje tem menos de 6%. Em 1980, viviam em zonas rurais 2.317.500 pessoas. Em 2002, apenas 1.114.700 viviam no campo. E as taxas de desemprego desta população passaram, nesse período, de 4,9% para 15,1%.
Esta desertificação, em termos de produção e de população do meio rural espanhol – que o converte em pasto para incêndios –, tem um responsável que todos os políticos são muito cuidadosos em citar: a União Europeia e a sua Política Agrícola Comum (PAC). A PAC encorajou o abandono das terras de cultivo, impôs quotas de produção que fazem que Espanha seja deficitária em produtos como o leite e os cereais (a Espanha terá de importar, este ano mais de metade do que consome). Em benefício das multinacionais alimentares norte-americanas (que, de acordo, com algumas notícias, compraram recentemente milhões de hectares de cultivo na Ucrânia). A PAC é responsável por uma boa parte do despovoamento e abandono do meio rural. E, portanto, da propagação dos incêndios. A União Europeia não tem uma política florestal comum. Esta é uma questão que nem sequer é mencionada nos seus Tratados.
As empresas de distribuição, que controlam os preços dos produtos agrícolas e impõem aos agricultores e criadores de gado preços que não compensam os custos e o esforço de produção (enquanto especulam com os preços de venda ao consumidor, provocando a subida do Índice dos Preços ao Consumidor dos alimentos), são também responsáveis pelo abandono da produção agrícola. Não basta fazer votar leis que, supostamente, impeçam a venda com prejuízo. A única saída é a nacionalização das empresas distribuidoras, criar empresas estatais de distribuição de alimentos que consigam preços justos para os produtores e os consumidores.
O abandono do cultivo levou a um enorme aumento das áreas de mato e de floresta. Segundo dados do Banco Mundial, a Espanha ganhou 33,6% de área florestal desde 1990. Concretamente, passou de 27,65% de território natural coberto por florestas (em 1990) para 36,9% (em 2016). A Europa tem mais massa florestal do que tinha há séculos atrás. Por exemplo, a França passou, desde 1980 até aos nossos dias, de 25,9% da área total do território para 31%.
Assim, o que está a acontecer em Espanha repete-se na União Europeia. Segundo os dados de Copernicus (programa da UE para o controlo do meio ambiente), a área queimada este ano é três vezes maior do que a média dos últimos 15 anos.
Manter e recuperar a produção agrícola e industrial
Face à ditadura das multinacionais agrícolas, impostas através da PAC, e às ameaças de destruição da indústria, sob o pretexto da “economia verde”, defender o emprego e o futuro das classes trabalhadoras, exige que seja mantida e recuperada a produção agrícola e industrial. É responsabilidade das organizações da classe trabalhadora organizar a luta unida em defesa dos postos de trabalho, contra o encerramento de empresas industriais, e em defesa de preços justos para os produtos agrícolas.
Carta Semanal do Comité Central do Partido Operário Socialista Internacionalista (POSI) – Secção da 4ª Internacional em Espanha – nº 899, de 8 de Agosto de 2022