PERANTE AS AMEAÇAS DE GUERRA NA EUROPA

Os EUA, a NATO e a União Europeia, entre outros, têm vindo a denunciar – durante semanas – que a Rússia se está a preparar para invadir a Ucrânia, concentrando mais de 100.000 soldados na fronteira comum. O Governo russo e o presidente Putin afirmam o contrário, declarando que o perigo está em a Ucrânia vir a fazer parte desta aliança militar.

Recordemos que a NATO foi fundada há mais de 70 anos, com o objectivo declarado de fazer frente à URSS. A acreditar nesta justificação, a desintegração da URSS em Dezembro de 1991 e a dissolução do Pacto de Varsóvia no mesmo ano tornaram esta Aliança obsoleta. Além disso, em 1990, a Administração norte-americana – presidida na altura por Bush pai – acordou com Gorbachev que, se este não se opusesse à unificação da Alemanha, “nem a jurisdição nem as tropas da NATO seriam alargadas aos territórios naquela altura situados a Este”.

Este Acordo nunca foi cumprido pelas administrações norte-americanas, que rapidamente compreenderam a utilidade da NATO, por um lado, para controlar militarmente os países europeus e, por outro lado, para dar cobertura a todas as aventuras militares da Administração norte-americana… por exemplo, os bombardeamentos na Jugoslávia e na Líbia, a invasão durante mais de 20 anos do Afeganistão, foram realizados sob a cobertura da NATO, quando em princípio o âmbito da NATO estava reduzido à Europa Ocidental e à América do Norte, como o seu nome indica, “Aliança do Atlântico Norte”.

Além disso, segundo o Tratado de Maastricht, Artigo 17º, que cria a União Europeia, esta instituição é solidária com as acções militares da NATO. E a actual exigência dos governos dos EUA, incluindo os de Obama, de Trump e actualmente de Biden, aos governos europeus em participar em maior proporção nas despesas militares – tanto no aumento dos orçamentos militares como no envio de tropas – só corresponde aos interesses do Estado norte-americano.

AS AMEAÇAS DE GUERRA NÃO SERVEM AOS POVOS, ATACAM-NOS

É um facto incontestável e que é verificado ao longo do tempo.

Por um lado, a linguagem belicista de Biden está directamente relacionada com a própria crise nos EUA, a brutal crise económica, a inflação crescente, o défice comercial abismal (mais de 80 mil milhões de dólares em Dezembro), as divisões que atravessam as instituições norte-americanas, a continuidade das medidas anti-sindicais e a brutal opressão das minorias e, em particular, a minoria negra. Nesta situação, Biden tenta cerrar fileiras, em nome da “unidade da pátria” contra o inimigo externo.

Convém recordar que Biden foi eleito presidente após a maior mobilização eleitoral da história dos EUA, para travar o passo a Trump, apoiando-se para isso na minoria negra e em promessas de ampliação dos seguros de saúde que tenham sido completamente colocados ao serviço de uma política militarista marcada pelos grandes consórcios de armamento dos EUA.

Também influi neste posicionamento a necessidade de os EUA venderem a sua produção de gás natural à Europa, onde o seu maior concorrente é o gás russo.

Mas o Governo dos EUA está a atacar a Europa com os olhos postos na China. Com efeito, precisa de manter os governos europeus subjugados, a fim de os alinhar na guerra comercial contra a China. Guerra necessária para tentar reduzir o seu défice comercial, mas impossível de ganhar devido à sua dependência da economia chinesa, e pelos próprios interesses da quase totalidade das multinacionais norte-americanas que deslocalizaram a sua produção para os países estrangeiros e, em particular, para a China.

Por detrás do conflito na Europa, em última análise, estão as crescentes contradições do mercado mundial capitalista.

OS POVOS EUROPEUS NÃO QUEREM A GUERRA

Isto é uma evidência. Nem o povo russo, nem o ucraniano, nem o alemão, nem os povos de Espanha querem a guerra. Sabem que esta seria contrária à preservação ou conquista dos direitos sociais e democráticos. Sabem que esta seria utilizada para justificar novos ataques aos salários, às pensões, às liberdades. Ataques que se juntariam aos que já estão a sofrer, com a desculpa da suposta luta contra uma pandemia.

E mais, nem sequer os governos capitalistas europeus estão interessados na guerra. Não é por acaso que o presidente Macron e o chanceler Scholtz insistem na via da negociação. E isto não só porque a Alemanha, e uma grande parte da Europa, estejam dependentes do gás russo (e também do carvão russo, após o “apagão nuclear”, por supostas razões ecológicas), mas também porque, se a guerra eclodir, as vítimas serão maioritariamente europeias, e os povos pedirão sem dúvida contas aos seus governos.

Mas o povo russo está também mais do que céptico em relação às políticas de Putin. Este apresenta-se como defensor dos russófonos da Ucrânia e das fronteiras da Rússia, mas, na realidade, ele vê na guerra uma oportunidade para forçar a população a unir-se em torno da sua política, numa altura em que multiplica as suas acções repressivas e anti-operárias em todo o país. Destacamos, recentemente, a campanha para a libertação de Igor Kuznetsov, que vem juntar-se à repressão de muitos outros militantes operários ou democratas.

A ATITUDE INJUSTIFICÁVEL DO GOVERNO ESPANHOL

Há um princípio que está quase sempre presente: a política externa é o reflexo ou a projecção da política interna.

O governo espanhol desrespeita inclusivamente as suas vagas promessas eleitorais, tais como a revogação das reformas laborais ou a “lei da Mordaça”, tão pouco está a “falhar” na sua política externa.

A submissão aos EUA é total. Acrescentemos que, apesar disso, a Administração norte-americana nem sequer agradece o esforço. Numa Cimeira internacional, não o acolhe e permite-lhe apenas acompanhá-lo durante um minuto nos corredores: nesta semana Biden congratulou-se com a colaboração bélica de outros países, mas não da Espanha.

E dentro do Governo, o que é talvez mais patético é a atitude de Unidas Podemos e do PCE. Eles têm quatro ministros num Governo que está a enviar barcos, aviões e tropas para as fronteiras da Ucrânia. Por um lado, difundem um comunicado contra a guerra; e, por outro lado, mostram a sua solidariedade com o Governo e o Ministro da Defesa (Margarita Robles). Assim, a 25 de Janeiro, o presidente do grupo confederal Unidas Podemos, Jaume Asens, declarou que, após a mudança de tom do Governo, “já não há discrepâncias”. Nesse mesmo dia, Robles anunciava que a Espanha irá colocar aviões de caça na Bulgária, em vez da Roménia.

Qual é, então, a mudança de tom? Ao mesmo tempo que mantém as unidades militares enviadas para a Europa de Leste, o Governo apenas declara estar a favor de uma “saída diplomática”. Tal como o presidente Biden, que também acaba por oferecer um “via diplomática”: o Secretário de Estado Antony Blinken anunciou que Biden respondeu por escrito às exigências de Moscovo. Mas, sem renunciar à adesão da Ucrânia à NATO e, ao mesmo tempo, anunciando a possibilidade de sanções contra Moscovo. Sanções que, claro está, terão repercussões para os países europeus.

O governo de Sánchez muda de tom de acordo com as ordens que vêm de Washington. E a Unidas Podemos escuda-se nisso para manter um perfil deliberadamente baixo, nas suas objecções ao destacamento das tropas, que são puramente retóricas, não incluindo nenhuma medida, nenhuma convocatória de mobilização da população, nada.

O COMBATE PELA PAZ

Este combate é do interesse dos povos, e, no nosso país, faz parte do nosso ADN. Não é apenas a memória da guerra civil, é a recusa em fazer parte do jogo das grandes potências.

Basta recordar que Felipe González ganhou as eleições, de 28 de Outubro de 1982, com o slogan “NATO, de imediato, NÃO”, e prometendo convocar um referendo para a Espanha sair da NATO. Referendo que foi convocado, embora de uma forma enganosa, e na qual o PSOE fez campanha a favor da permanência na NATO – com uma série de condições, que rapidamente renegou. Ganhou esse referendo porque perguntou “Quem representa politicamente o NÃO?”, o que fez que um sector importante da população preferisse o governo de González a um hipotético Governo da direita.

Esta batalha foi perdida, mas as mobilizações de 2003 e 2004 contra a presença de tropas espanholas no Iraque, juntamente com outros aspectos, conduziram a uma derrota do PP nas urnas e o governo de Zapatero – eleito em 14 de Março de 2004 – teve que retirar as tropas do Iraque.

O não à guerra está presente. É sem dúvida o sentimento maioritário, mas quem o representa politicamente?

A Secção da Quarta Internacional no Estado espanhol, que participa no Comité para a Aliança dos Trabalhadores e dos Povos (CATP), combate para ajudar a que se expresse a maioria que se opõe à guerra.

Oposição que abre a via à luta para a livre união dos trabalhadores e dos povos da Europa, libertos de qualquer opressão e exploração.

Transcrevemos para Português a Carta semanal do POSI (Partido Operário Socialista Internacionalista, Secção espanhola da 4ª Internacional), nº 859, de 31 de Dezembro de 2021

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