
Lula foi recebido como líder incontestável, tocou em questões reais, mas fica no ar uma pergunta: É possível uma saída para a crise mundial do Sistema capitalista com os governos ao serviço do capital?
É compreensível o sentimento dos militantes do PT, recompensados com a recepção a Lula na Europa, em contraste com o desempenho no plano mundial do actual Presidente.
Não nos deve surpreender que os grandes meios de Comunicação social do Brasil – na procura da 3ª via (nem Bolsonaro, nem Lula) – tenham fingido, até onde deu, que a viagem não existia. Não se pretende aqui fazer um balanço dessa viagem, mas apenas uma reflexão sobre ela.
Lula foi recebido pelo agora chefe do Governo alemão, Olaf Scholz; pelo presidente francês Macron; por Pedro Sanchéz, em Espanha; e discursou no Parlamento Europeu; além de ter participado noutras reuniões. Em todas as ocasiões, diz a Imprensa internacional, ele tocou em questões relevantes que angustiam a humanidade.
Lula falou da fome que atinge mais de 800 milhões de pessoas, quando o mundo tem condições de produzir alimentos para todos. Falou das guerras, dos ataques aos direitos, questões que têm origem na crise aguda do Sistema capitalista – crise que se aprofundou com a pandemia.
Verdadeiras questões. Ao falar do desejo de que “tudo volte ao normal”, após a pandemia, Lula perguntou: “Para que normal a humanidade deseja voltar?”. Eis a questão central!
Não deveria ser para o “normal” da fome, como ele mesmo frisou. Ou para o “normal” da destruição de direitos, que hoje atinge as classes trabalhadoras em toda a parte. Aliás, agora mesmo em Espanha milhares saem às ruas contra os ataques à Segurança Social feitos pelo governo do PSOE/Podemos. Ou em França, onde Macron já tinha fechado vários milhares de camas hospitalares (continuando a fechá-las, em plena pandemia) e reprime um movimento crescente contra o seu Governo, para mencionar apenas dois exemplos.
É possível uma saída com os governos ao serviço do capital?
Os governos dos países-membros da União Europeia são também responsáveis pela situação que o mundo atravessa. Perante a crise climática, eles acenam com uma “transição energética”, como se viu na COP26, na tentativa de salvar o capitalismo pintando-o de verde.
Lula está certo ao dizer: “Os países ricos investiram 2 milhões de milhões de dólares para salvar os bancos, em 2008. Os EUA gastaram 8 milhões de milhões nas suas guerras no Médio-Oriente.” Trata-se da lógica do Sistema capitalista e isso não mudou, nem mudará, com a continuidade da ganância pelo lucro e da especulação financeira. Por isso, como o próprio Lula disse, os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres, durante a pandemia.
“Como Lula tem reforçado em todas as conversas, o mundo precisa de uma nova governação mundial. Lula está a defender uma Conferência específica para discutir uma governação para poder tratar das grandes questões do planeta, um programa de rendimento básico universal, o combate à emergência climática e o combate à fome.” (Aloizio Mercadante, membro do PT e presidente da Fundação Perseu Abramo, que acompanhou Lula na viagem à Europa, em entrevista à revista Focus).
Ninguém esperava que Lula fosse discutir com as autoridades que o receberam sobre o socialismo, a expropriação dos grandes meios de produção das mãos da minoria capitalista. Mas tampouco se pode esperar que com esses mesmos – que são responsáveis pela cruel desigualdade e os ataques aos direitos das maiorias oprimidas – seja possível construir uma saída para a humanidade.
Os desafios internacionais têm a sua tradução nacional. Para reconstruir o Brasil, tampouco poderemos contar com aqueles que colaboraram e colaboram para destruí-lo. Nem aqui, nem em qualquer outro lugar, podemos contar com os que destroem o planeta e a força-de-trabalho ao serviço do capital.
Adaptação do artigo da autoria de Misa Boito, publicado no jornal “O Trabalho” (da responsabilidade da Secção brasileira da 4ª Internacional), nº 893, de 25 de Novembro de 2021.