ENTREVISTA A JEAN-LUC MÉLENCHON

Mélenchon é o presidente do grupo parlamentar da França Insubmissa, na Assembleia Nacional francesa. Nas últimas eleições legislativas (de 2017) este partido elegeu 17 deputados. Representação da mesma área política do Bloco de Esquerda (BE), mas que – como é notório na entrevista que transcrevemos em seguida – se demarca de uma política de unidade nacional, que tem caracterizado a política da Direcção do BE em Portugal. 

O confinamento de milhões de franceses, hospitais saturados, turmas fechadas ou redução do ensino para metade, discriminação dos doentes… Trabalhadores, pais, professores, médicos, pessoal hospitalar, a maioria da população deve pagar as custas da recusa do Governo em satisfazer as reivindicações que lhes permitiriam enfrentar o vírus.

Bloqueando-se na sua lógica (com ou sem crise no seu seio), o objectivo do Governo é perfeitamente claro: bloquear uma população inteira num dilema macabro. É: confinamento, restrições, triagem dos doentes, recusa de tratamento, encerramentos… Ou, então, o vírus.

Numa situação em que muitos dos principais dirigentes dos aparelhos sindicais e políticos se calam, aceitam ou adaptam-se às pseudo-soluções do Governo, ao ponto de até Le Pen se juntar aos apoiantes do encerramento das aulas presenciais, pareceu-nos necessário, como temos vindo a fazer desde há meses, que os leitores de Informations ouvrières ouvissem o outro lado da história. Em contraste com o rolo compressor das manipulações mediáticas de todos os ministros, dos pseudo-cientistas ou de médicos de um tipo particular, Jean-Luc Mélenchon dá-nos o seu ponto de vista.

A Comissão de redacção de Informations ouvrières

P: Tu és subscritor, com Lula da Silva nomeadamente, de um Manifesto internacional sobre a questão das vacinas. Podes dizer-nos algo mais sobre isso?

R: A 20 de Fevereiro do corrente ano, Lula e eu assinámos, com efeito, um apelo para anular as patentes sobre vacinas contra o Covid. Estávamos lado a lado com cerca de sessenta personalidades de todo o mundo. Entre elas, estava o antigo ministro das finanças da Alemanha, Oskar Lafontaine, o ex-presidente equatoriano Rafael Correa, dois ex-ministros da Cultura do Mali, Aminata Traoré e Oumar Sissoko, o vice-presidente do Conselho Consultivo das Nações Unidas para os Direitos do Homem, Jean Ziegler, e ainda sindicalistas indianos.

Mas nós não somos os únicos a defender esta posição. Cerca de cinquenta países de todo o mundo apresentaram, oficialmente, um pedido neste sentido à Organização Mundial do Comércio (OMC). O secretário-geral da Organização Mundial da Saúde apoia, publicamente, esta reivindicação. No entanto, Emmanuel Macron e a União Europeia opõem-se a ela. Eles votaram contra na OMC. Ao fazê-lo, estão a proteger os lucros dos laboratórios privados. Para eles, patentes sobre as vacinas são um incrível trunfo.

A título de exemplo, a Pfizer realiza uma margem de lucro de 30% em todas as doses vendidas. A multinacional norte-americana prevê um lucro de 15 mil milhões de euros em 2020, apenas na venda da sua vacina anti-Covid. Mas estas patentes são totalmente injustificadas. As vacinas são o resultado do trabalho de toda a humanidade. Lembremo-nos que o ponto de partida da investigação sobre este novo vírus é a sua sequenciação de ADN, por uma equipa de investigadores chineses, em Janeiro de 2020. Os seus resultados foram de imediato disponibilizados, gratuitamente, a todos os investigadores do mundo. A partir daí, houve uma colaboração entre cientistas, a maioria deles a trabalhar em universidades e laboratórios públicos. Sem esta partilha dos trabalhos de uns e de outros, o conhecimento sobre o vírus não teria sido capaz de ter avançado tão rapidamente e ter dado lugar a várias vacinas, em menos de um ano.

Acrescentaria que os próprios laboratórios privados receberam quinze mil milhões de dólares de subsídios directos dos governos. Por conseguinte, as patentes constituem a apropriação privada ilegítima de um trabalho comum. A remuneração dos accionistas das empresas que detêm as patentes é, pois, como um tributo para evitar a violência da privação de vacinas. Pode-se, então, falar de pôr em perigo a vida de outrém e de não assistência a pessoas em perigo. Impedem a rápida propagação da vacina e, portanto, a imunização em larga escala da população mundial.

O capitalismo vacinal é baseado na escassez e numa regra simples: quem paga mais recebe mais vacinas. Assim, os cinquenta países mais pobres do planeta receberam até agora 0,1% das doses injectadas a nível mundial. A vacina da Pfizer é comercializada a um preço que é cerca de dez vezes mais caro em comparação com o que é considerado como o preço da distribuição universal de um medicamento.

Enfim, as patentes impedem a utilização de todas as capacidades industriais para produzir o maior número possível de vacinas, o mais rapidamente possível. À escala do planeta, 57% das capacidades de produção de vacinas estão hoje inutilizadas! E, em França, iremos contentar-nos com a vacina produzida por outros. É, portanto, necessário emitir desde já licenças oficiais que anulem as patentes. Por outro lado, a Sanofi nem sequer foi capaz de desenvolver a sua própria vacina a tempo. Se estivesse no Governo, nacionalizaria esta empresa que já vive em grande parte de dinheiro público.

P: A. Castex (1º ministro) anunciou novas restrições e medidas de confinamento. Pela nossa parte, constatamos que, desde há um ano, o Governo não pára de mentir: invoca a saturação dos hospitais, mas, ao mesmo tempo, continua a fechar camas e serviços hospitalares. O que pensas disto?

R: O Governo não conseguiu gerir a crise sanitária. As máscaras, as camas hospitalares, os testes, o isolamento dos doentes, os cuidados das vítimas sociais da crise: estes fracassos provêm todos da sua teimosia ideológica. Emmanuel Macron é um liberal convicto. Ele pensa que o jogo dos interesses privados e do mercado acabará por organizar as coisas de forma eficaz. Como resultado, recusa desde há um ano planificar qualquer acção. Em contrapartida, manteve os objectivos de liquidação do sector público da Saúde e de supressão de camas nos hospitais.

Encontramo-nos, portanto, à mercê de uma política de risco, de medidas baseadas nas intuições do monarca no seu Conselho de Defesa. Esta incerteza permanente agrava a crise psicológica, a que chamei “a quarta vaga”. Os Insubmissos fariam tudo de forma diferente. Para começar, cancelaríamos a política dos cortes de camas. É preciso recordar que as restrições às liberdades, os confinamentos e o recolher obrigatório são tomadas em nome da saturação dos hospitais. Mas o governo de Macron continua, neste preciso momento, a encerrar camas nos hospitais. Isto deve, portanto, parar.

Em seguida, propusemos o funcionamento por turnos da sociedade. O objectivo é permitir a reabertura de lugares essenciais à vida em sociedade de seres sociais como os humanos. Trata-se dos teatros, dos cinemas, dos museus, dos estádios, dos restaurantes. O desafio consiste em organizar as coisas para evitar as grandes concentrações de pessoas. Daí a ideia de uma redução do tempo de trabalho, para permitir introduzir horários de trabalho escalonados nas empresas. Isto evitaria as grandes concentrações nos transportes públicos.

Da mesma forma, seria necessário generalizar a divisão ao meio das turmas no sistema de Educação nacional. Mas, para isso, é ainda necessário organizar estudos supervisionados para a metade da turma que não está com o professor. Isto requer a contratação de mais pessoal.

Enfim, há máquinas de purificação do ar que matam até 99% dos vírus e bactérias presentes no ar ambiente de uma sala. Sabemos como produzi-las em França. De que estamos à espera para as produzir em massa e instalá-las onde quer que sejam necessárias? Sobre todos estes aspectos, torna-se evidente, é necessário abandonar a lógica do mercado todo-poderoso e substituí-la pela da sociedade de entreajuda.

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Entrevista de Daniel Shapira e Yan Legoff, publicada em Informations Ouvrières – nº 648, de 31 de Março de 2021jornal semanal do Partido Operário Independente (França).

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