Teletrabalho: Novas condições de exploração dos assalariados

A utilização massiva do teletrabalho é um assunto escaldante: na semana passada, Elisabeth Borne, ministra do Trabalho do governo francês, reuniu as confederações sindicais para pressionar a realização de um acordo que, escudando-se no Coronavírus, faria destas “novas organizações do trabalho” a regra e não mais a excepção.

A 18 de Agosto, a ministra do Trabalho comunicou às organizações sindicais que, a partir de 1 de Setembro, o uso da máscara se tornará obrigatório em todos os espaços fechados – tanto das empresas privadas como das públicas ou das associações (“open-space”), salas de reuniões, áreas de circulação, balneários, cafetaria,…) – com excepção dos gabinetes individuais fechados.

Corresponde esta decisão a um desejo do Governo de cuidar de saúde dos assalariados ou visa objectivos políticos menos admissíveis? Objectivos que irão muito para além das preocupações com a saúde e visam subverter a própria organização das relações de exploração da força-de-trabalho.

O editorialista do jornal francês de negócios Les Échos (18 de Agosto), Jean-Marc Vittori, fala de “revolução camuflada”: “A obrigação do uso da máscara vai forçar as empresas a reorganizarem-se em profundidade (…). Para além da máscara, é a questão da presença dos assalariados no mesmo local de trabalho que se coloca. E assim, para um quarto dos assalariados franceses, há a perspectiva do teletrabalho em grande escala, evocada pela ministra Elisabeth Borne. Grandes empresas aceleraram abruptamente esta vertente, como a Google nos EUA ou a PSA em França.”

De facto, no final de Julho, a Google anunciou aos seus 200 mil empregados em todo o mundo a extensão do teletrabalho até 30 de Junho de 2021! O Facebook também admitiu a possibilidade de teletrabalho até 2021. O Twitter, pelo seu lado, já tinha ido mais além, permitindo o teletrabalho “para toda a vida”!

E Jean-Marc Vittori acrescenta: “Esta revolução mascarada poderia literalmente mudar a vida”, concluindo: “Estamos apenas no início da história.”

Os objectivos são claros: a pretexto do Coronavírus e utilizando a decisão do porte de máscara obrigatória, este Governo tem a firme intenção de se envolver num processo total de “uberização” das relações de trabalho com a sistematização do teletrabalho.

Já explicámos, em edições anteriores deste nosso semanário “Informações operárias”, as consequências de tal “uberização”: para além dos ganhos financeiros substanciais para os patrões, trata-se da possibilidade da monitorização e de uma pressão constante sobre os assalariados, e é também e em especial a garantia para o empregador de que, ficando todos em casa atrás do seu ecrã, a acção colectiva reivindicativa seja, se não quase nula, pelo menos muito enfraquecida.

Em França, vamos passar de uma situação em que o teletrabalho é recomendado – em particular em zonas onde o vírus circula – para uma situação em que o teletrabalho é obrigatório? Pode-se colocar a questão, uma vez que no final da reunião de 18 de Agosto, Elisabeth Borne exortou fortemente as organizações sindicais e patronais a empenharem-se de imediato numa negociação visando atingir esse objectivo.

Do lado dos sindicatos, apesar da seriedade do que está em jogo, deve ser dito que a ministra não encontrou qualquer oposição aberta…

LUTA TERRÍVEL ENTRE CAPITAL E TRABALHO

Enquanto o Governo e o capital financeiro utilizam ao máximo a “pandemia” para lançar ao mar tudo o que é garantia colectiva (convenções colectivas, Código do Trabalho, estatutos), a alternativa não é – como estamos a começar a ouvir dizer nas “cúpulas” das organizações sindicais, por aqueles que pensam que “não pode ser de outra maneira”entre o teletrabalho não regulamentado (selvagem) e o seu enquadramento obtido por uma “boa” negociação interprofissional.

É, pelo contrário, apoiar-se sobre o que existe nos estatutos, nas convenções colectivas e nas regras fixadas pelo Código do Trabalho (por exemplo, no que diz respeito aos trabalhadores que trabalham a domicílio) para que os milhões e milhões que fazem teletrabalho não caiam na precaridade generalizada.

Luta terrível entre o capital (apoiando-se nos governos ao seu serviço) e o trabalho é bem o problema central deste momento.

Nota elaborada a partir de análises publicadas no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 618 e 619, de 19 e de 26 de Agosto de 2020, do Partido Operário Independente de França.

Como está o teletrabalho em Portugal

Segundo uma notícia da Agência Lusa (de 17 de Julho), “a 30 de Junho, as estruturas sindicais da Administração Pública manifestaram que querem negociar com o Governo as alterações ao teletrabalho no sector, não aceitando ficar apenas pelos contributos técnicos e no final serem confrontadas com um diploma já pronto.

A FESAP (UGT), a Frente Comum dos Sindicatos da Função Pública (CGTP) e a Frente Sindical liderada pelo Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), após as respectivas reuniões com técnicos do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública (MMEAP), foram unânimes em afirmar que querem uma proposta do Governo, para negociar.”

Entretanto, foi divulgado que tanto a FESAP como o STE já apresentaram “sugestões técnicas ao Governo” e que este irá apresentar, no início de Setembro, um projecto para regulamentar o teletrabalho, tanto no sector público como no privado. E, em simultâneo, que “o Governo tem como meta haver em teletrabalho, até 2023, pelo menos 25% dos trabalhadores da Administração Pública, o que corresponde a um universo de cerca de 17 mil funcionários públicos” (Público, 24 de Julho de 2020).

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