Líbano: revolução!

Revolução! Esta é a palavra de ordem unânime dos manifestantes libaneses depois da explosão que arrasou uma grande parte de Beirute.

Com fúria e determinação, brandindo forcas e cordas do carrasco, eles dirigem-se a todos os líderes dos partidos políticos, de todas as confissões religiosas, que têm vindo a partilhar o poder desde há décadas, e que são culpados da situação no país. O dia das manifestações de 8 de Agosto foi intitulado “Dia do julgamento”. Julgamento unânime e implacável, com o veredicto de enforcamento para aqueles que arrastaram o país para o abismo. Durante este dia, vários ministérios e o edifício da Associação Bancária foram assaltados e momentaneamente ocupados pelos manifestantes encolerizados.

No Líbano, em particular devido às sanções internacionais, quase metade das pessoas já não tem o suficiente para comer. A electricidade pública é fornecida apenas três horas por dia, o que obriga os Libaneses que podem pagar a recorrer a um complemento de electricidade através de um gerador privado. Quer se trate da água, do telefone, dos transportes, ou da saúde (o sector privado detém mais de 85% das camas hospitalares), todas as infra-estruturas estão num estado de degradação avançado.

Aquilo que desencadeou a explosão de um stock de 2 750 toneladas de nitrato de amónio, a 4 de Agosto, que arrasou o porto e uma parte da capital libanesa, continua a não ser conhecido. Desde a explosão, cada “comentador” faz a sua análise para acusar este ou aquele grupo político. Culpados fáceis, agentes do porto foram despedidos por negligência. A oposição pede uma investigação internacional, que a maioria recusa.

Esta explosão expressa a falha total do Sistema

O que aparece imediatamente claro a muitos Libaneses – e sem necessidade de nenhuma investigação para se convencerem disso – é que essa explosão exprime o fracasso total do Sistema político do seu país, de que a corrupção e o compadrio são os principais motores. A palavra de ordem das manifestações que têm abalado o Regime desde 17 de Outubro de 2019, “Vão-se todos embora”, é dirigida exactamente a “todos”.

Muito rapidamente e bem antes da viagem expressa de Macron, o elemento principal era a organização da população para ajudar os feridos e começar a limpar os escombros que enchiam as ruas da cidade.

Organizada de forma apressada pela Embaixada da França, a visita de Macron teve lugar num bairro cristão e “conectado” da capital libanesa, onde a população é largamente francófona. Imediatamente, os principais meios de comunicação social, pertencentes em particular à Arábia Saudita, informaram sobre a existência de uma petição solicitando o regresso do mandato colonial francês sobre o Líbano, esquecendo-se de mencionar que a iniciativa partiu de um Grupo cristão de direita com interesses em França. Durante o seu percurso, Macron foi interpelado por outros manifestantes (mais numerosos que os primeiros) que exigiram a libertação do activista libanês pró-palestiniano Georges Ibrahim Abdallah, preso em França desde 1984, e que continua prisioneiro, embora tenha condições para ser libertado, por pressão de Israel e dos EUA. Mas, disto, a televisão francesa não disse uma palavra.

Dado o estado total de degradação do Líbano e a situação catastrófica em todos os domínios, pode-se compreender que haja pessoas a ver uma réstia de esperança na visita de Macron e nas promessas de ajuda financeira e de reconstrução. No entanto, não há necessidade de pensar muito para constatar toda a demagogia da operação. Macron reuniu, digamos melhor convocou (para a Embaixada da França), os dirigentes de todas as confissões religiosas libanesas para lhes falar de um novo Pacto pelo Líbano, dirigindo-se assim àqueles que são rejeitados pela grande maioria do povo. Estavam lá todos porque estão à procura de encontrar formas de frustrar a força revolucionária do povo, o qual os coloca a todos no mesmo saco.

O principal objectivo de Macron é a constituição de um Governo que irá implementar planos de reconstrução, em ligação com os gizados pelo FMI, os quais implicarão, como sempre, “esforços” por parte do povo libanês. Será como diz Macron e não de outro modo, e ele voltará a 1 de Setembro, por ocasião do 100º aniversário do início do mandato colonial francês.

Macron, o dador de lições, que carrega a sua parte de responsabilidade pela degradação dos hospitais em França, pelos planos de despedimento no sector público, bem como pelo agravamento da repressão e da violência policial e estatal, tem efectivamente lições a dar aos líderes libaneses, embora estes já sejam especialistas em violência e repressão.

As lições de democracia do presidente Macron

As lições de democracia têm uma enorme facilidade em reescrever a História. A organização de toda a vida política e social libanesa em comunidades religiosas é um legado directo do colonialismo francês, que tomou o lugar do Império Otomano pouco depois do final da Primeira Guerra Mundial. De acordo com a historiadora Nadine Picaudou, em Setembro de 1920, a divisão do Líbano decretada pelo general Gouraud, “em alternativa a responder «às tradições e aspirações do povo», como foi afirmado pelo então Primeiro-ministro (…), favoreceu as clientelas confessionais da França, a começar pelos cristãos libaneses que lhe tinham finalmente imposto a ideia do Grande Líbano”. A fragmentação do país tornou-se institucional, preservando ou mesmo reforçando o poder das grandes famílias feudais.

Entre os grandes “sucessos” do colonialismo francês no Líbano contam-se o desenvolvimento e o reforço do Ensino confessional privado, essencialmente católico (que foi sempre, em grande parte, apoiado pelos sucessivos governos franceses), em detrimento da Educação pública, a qual continua a ser quase inexistente. Os adversários do mandato francês são deportados. As estradas e as outras infra-estruturas são organizadas para responder aos novos imperativos coloniais. “A amizade secular entre a França e o Líbano”, de que fala Macron, foi garantida por uma forte presença de militares franceses na região.

Tal como aconteceu há cem anos, o que prevalece no discurso de Macron é essa boa consciência das potências coloniais que gostariam de convencer os povos sobre a sua missão civilizadora. Os “interesses” da França no Líbano, que se concentram hoje no mercado da reconstrução do porto de Beirute, têm sido sempre forjados com base em “dividir para melhor reinar”.

O Governo forçado a demitir-se pela cólera dos manifestantes

Trump, pelo seu lado, fez um apelo ao governo do Líbano para que respeite os manifestantes pacíficos. Sem comentários. Líderes mundiais, entre os quais Macron, proclamaram – num coro que soa a falso – que os Libaneses merecem um Governo que vá ao encontro das suas aspirações. Como se todos, a começar pelos sucessivos governos franceses, não tivessem desempenhado um papel central no estabelecimento da corrupção como sistema. Se todos agora defendem a perspectiva de eleições antecipadas é para ver se triunfam os partidos que eles apoiam, os quais acabarão por fazer a mesma política.

No momento em que escrevemos este artigo, fomos informados que o Governo libanês, sob a presidência de Hassan Diab, acaba de se demitir. As demissões em cadeia, desde a explosão, de ministros e de membros do Parlamento – que têm participado no jogo do poder durante anos – foram vistas como farsas pelos manifestantes libaneses. O Governo francês acabou de apelar à constituição urgente de um novo Governo para implementar as “reformas”. Para todas as grandes potências, é preciso preservar o Regime, rebocando-o face ao processo revolucionário em curso que quer deitá-lo abaixo. Todas as grandes potências estão aterrorizadas com o risco da queda do Regime, pelo risco de uma revolução no Líbano e as suas consequências para toda a região e para além dela.

Qualquer novo Governo será estabelecido como executivo do Sistema, o qual se recusa a demitir-se. Estamos a falar da possibilidade de voltar a colocar no poder Saad Hariri, “grande amigo da França” e considerado, por muitos Libaneses, como um lacaio da Arábia Saudita. Hariri teve de demitir-se do cargo de Primeiro-ministro, a 29 de Outubro do ano passado, tendo em conta a escalada das manifestações de rua. Para os Libaneses, que se abstêm cada vez mais massivamente nas eleições, sem uma mudança radical de regras e da organização dos círculos eleitorais, que se destinam a contemplar a representação no Parlamento das comunidades religiosas e das “grandes famílias” que as estruturam, sem o estabelecimento de um Estado laico, não pode haver a menor mudança no país. Em breve se tornará claro o truque do novo Pacto defendido, com grandes fanfarras, por Emmanuel Macron. Entretanto, as manifestações prosseguem e continuam a dirigir-se para o Parlamento.

Análise de François Lazar, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 617, de 12 de Agosto de 2020, do Partido Operário Independente de França.

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s