Manifestação do movimento “As vidas dos Negros Contam” (Black Lives Matter).
Passado mais de um mês de se terem iniciado os protestos do movimento de Black Lives Matter (As vidas dos Negros Contam), a sua intensidade diminuiu, mas as tensões mantêm-se vivas. A 4 de Julho, dia nacional dos EUA, centenas de manifestantes saíram às ruas da capital, Washington, para protestar contra a violência policial. Na noite desse dia, em Phoenix (Estado do Arizona), um homem foi abatido no seu próprio automóvel por elementos da Polícia.
No dia seguinte, os manifestantes dirigiram-se para um Comissariado da Polícia da cidade. Aí esperavam-nos as tropas anti-distúrbios. As autoridades estão conscientes destas tensões. Por exemplo, em Richmond (Estado da Virgínia), foi retirada uma enorme bandeira dos EUA que, a 4 de Julho, tinha sido desfraldada num edifício oficial em construção, por temor que ela agudizasse as tensões.
A cólera que emergiu a 26 de Maio permanece intacta, ainda que de momento esteja contida. Contudo, pode recomeçar perante o mínimo incidente. Todo o Sistema político dos EUA procura conter a mobilização nos limites das instituições, quer dizer, que tudo seja adiado para as eleições do próximo mês de Novembro, para decidir entre a alternativa “Trump ou Biden”.
Os Democratas anunciam iniciativas legislativas para satisfazer as exigências dos manifestantes e dos milhões de desempregados, mas trata-se de projectos de Lei em grande medida insuficientes e, além disso, sujeitos a uma hipotética maioria do Partido Democrata nas câmaras legislativas (Parlamento e Senado) e ao visto favorável da Presidência.
Do outro lado do espectro político, Trump tenta ressuscitar o medo do “terror vermelho” que estaria incarnado nos manifestantes. Mediante discursos racistas procura galvanizar os seus eleitores, mas também quer que tudo o que está relacionado com os protestos seja adiado até às eleições de 3 de Novembro, em relação às quais declara: “Ou eu ou os Democratas”.
Este posicionamento vai para além dos aparelhos dos partidos Democrata e Republicano. Desse dispositivo também faz parte a desistência de Bernie Sanders das Presidenciais e o seu silêncio perante as manifestações. Inclusive, também os sindicatos situados mais à esquerda – os quais, em muitas ocasiões, têm apoiado Sanders – apelam ao apoio às iniciativas legislativas dos Democratas, e alguns já estão mesmo a apelar ao voto em Joe Biden, o candidato do Partido Democrata.
A EXIGÊNCIA DE UM SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE ESTÁ NO CENTRO
Contudo, contraditoriamente, mesmo estes apelos dos sindicatos ampliam a crise política: em vários círculos eleitorais, nomeadamente em Nova Iorque, os candidatos apoiados por Sanders ganharam as eleições Primárias do Partido Democrata aos candidatos preferidos pela cúpula do partido.
Na Convenção que nomeará Biden como candidato presidencial, mais de um quarto dos delegados defenderá o mandato de Sanders, o qual consiste, basicamente, em pugnar por um Sistema Público de Saúde, pelo aumento do salário mínimo e pela gratuitidade da Educação superior. A apresentação destas exigências na Convenção Democrata não irá modificar a natureza do Sistema eleitoral dos EUA, mas irá acentuar a crise do Partido Democrata. Isto significa que a discussão sobre estas reivindicações tem lugar a uma nova escala.
Em particular, nos sindicatos, a reivindicação de um Sistema Público de Saúde é o problema central mais debatido, porque centenas de milhares de norte-americanos estão a receber, neste momento, facturas para pagar serviços de hospitalização relacionados com a epidemia de Coronavirus.
Por outro lado, as manifestações com a exigência central Black Lives Matter também estão a influenciar o movimento sindical, devido à força e à determinação com que lutam e à forma como procuram unir todas as reivindicações. Estes elementos são um factor de radicalização do movimento sindical.
Ao mesmo tempo, a crise económica amplia-se. A Bolsa de Nova Iorque começou a subir de novo: o índice Standard & Poor’s 500 – um dos índices bolsistas mais importantes dos EUA – já se encontra apenas a 7% dos níveis mais altos anteriores à pandemia; o Nasdaq, índice das acções das empresas tecnológicas (Amazon, Google, Facebook, etc.), alcança novos recordes sem precedentes.
E, em simultâneo, o desemprego continua massivo e são anunciados mais despedimentos. Sobre a economia paira a ameaça de um reconfinamento, enquanto a epidemia parece alcançar uma nova intensidade no Sul e no Oeste do país.
A doença continua a afectar sobretudo os mais pobres, principalmente os Negros e os Latinos. Os quatro meses que faltam para as eleições de 3 de Novembro serão muito tensos. Ninguém pode prever o que se irá passar durante este período.
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Texto de Devan Sohier, publicado no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 612, de 8 de Julho de 2020, do Partido Operário Independente de França.