Espanha: Uma catástrofe social evitável

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Trabalhadores da Nissan à entrada da fábrica da Zona Franca (em Barcelona).

 

Pouco depois de ter saudado a adopção do “rendimento mínimo” como uma conquista histórica, o Vice-Presidente do Governo, Pablo Iglesias, anunciou que uma “enorme crise social” estava em curso. No entanto, o Governo de que ele faz parte renuncia a tomar outras medidas de defesa do emprego, de implementação de investimentos públicos e de planos de emprego.

Fujamos dos “rumores e tensões” da Côrte, das disputas, insultos e debates estéreis de uma grande parte do Parlamento, das “manifestações” de uma minoria privilegiada a golpes de tacos de golfe, face à complacência da Polícia, e dos supostos ruídos de sabres (ameaças de militares – NdT), e entremos no país real.

De acordo com relatórios oficiais, 36% das famílias – ou seja, uma boa parte das classes trabalhadoras – gastaram todas as suas economias nestes meses. Para centenas de milhares de novos desempregados, milhões sujeitos a um ERTE (muitos que ainda não receberam nada), trabalhadores por conta própria e outros, a miséria está à porta (1). E parece que para o capital financeiro, que domina o mundo, as únicas medidas a tomar são o “Banco alimentar”, a caridade, ou o “mínimo vital” – o qual poderá atingir, no máximo, 7% dos trabalhadores e não lhes permite viver com dignidade.

A ministra Nadia Calviño (2) – representante directa do capital financeiro no Governo – refutou publicamente Pablo Iglesias, em declarações recolhidas pelo jornal El Economista, afirmando que “a reforma laboral será corrigida a seu tempo”. Calviño, segundo o mesmo jornal, está de acordo “com o espírito estabelecido pela Comissão Europeia – de que depende a ajuda para a nossa recuperação – de não inverter reformas que já estavam assentes em crises anteriores”. Por outras palavras, “ a seu tempo ” significa que devemos esperar sentados que isso aconteça.

Os Fundos europeus “são uma miragem”

O facto é que, neste momento, ninguém pode explicar para que vai ser utilizada a suposta ajuda europeia, e mesmo os sólidos economistas do Sistema não hesitam em dizer que ela “é uma miragem” e que “não vai aliviar os problemas da dívida dos países mais afectados”, como explicou Manel Pérez em La Vanguardia, de 7 de Maio.

Nestas condições, Calviño e Escrivá (3) já deixaram escapar que é possível uma “nova reforma das pensões” (no âmbito do Pacto de Toledo, para envolver os partidos e os sindicatos, como aconteceu noutras ocasiões). Sem dúvida que esperam que o ardor do Verão e o alívio do desconfinamento acalmem os ânimos, permitindo que as reformas e os ajustamentos solicitados pelo Banco de Espanha sejam a regra para o próximo Orçamento, para o qual, como exigia o Governador deste Banco, é necessário um “amplo acordo político”.

Há dois mundos paralelos: os trabalhadores da Nissan e da Alcoa (4) exigem a manutenção dos seus empregos, que sejam impedidos os despedimentos, e pedem aos governos central e catalão que intervenham, pondo os pontos nos i’s: manter os postos de trabalho e os empregos altamente qualificados, como os da indústria, não seria a melhor forma de combater a pobreza? Os trabalhadores da Saúde estão a mobilizar-se contra os novos despedimentos e contra os cortes feitos aquando da crise anterior, enquanto os pensionistas estão a preparar mobilizações em diversas cidades que se anunciam massivas…

Não é inevitável o futuro desta tragédia social, ela não é uma catástrofe natural como os terramotos ou os tsunamis. Não devemos resignar-nos a um futuro baseado no desemprego em massa e no subemprego, atenuado por ajudas como o rendimento mínimo: existem meios para sair da crise. Sem ir mais longe, durante estes três meses as grandes fortunas aumentaram em mais de 16%. Amancio Ortega aumentou a sua fortuna em 17%, mantendo as suas lojas fechadas e milhares de empregados da Zara sujeitos a um ERTE. Que planos de emprego não poderiam ser financiados utilizando os lucros destes especuladores! Só falta a vontade política para tomar as medidas fortes que a situação exige.

A campanha lançada pelo Comité para a Aliança dos Trabalhadores e dos Povos (CATP) procura ajudar o movimento de resistência que surgiu e se está a desenvolver (5).

Vamos alargá-lo!

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(1) ERTE (Expediente de Regularização Temporário de Emprego) é uma espécie de “lay-off” simplificado, à espanhola.

(2) Nadia Calviño é a Vice-presidente (do Governo) para os Assuntos Económicos e a Transformação Digital. Dizem ser candidata a substituir Mário Centeno na Presidência do Eurogrupo.

(3) José Luis Escrivá é o ministro da Segurança Social, Inclusão e Migrações.

(4) A Nissan e a Alcoa são fábricas de automóveis e de alumínio, respectivamente.

(5) Trata-se de uma campanha de 14 exigências concretas, que foi lançada por mais de 400 militantes e está a ser divulgada pelo CATP.

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Este documento é a transcrição do Editorial do periódico Información Obrera – Tribuna livre da luta de classes em Espanha – Suplemento especial nº 13, de 11 de Junho de 2020.

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