O Bundestag, Parlamento alemão, tem vivido sistematicamente com governos de coligação. Nos últimos 70 anos, apenas por uma vez um partido conseguiu sozinho uma maioria absoluta. E – ao abrigo da pandemia e da actual “Grande coligação” – social-democracia ajuda Merkel a retirar direitos.
A 10 de Abril, o ministro do Trabalho da Alemanha, Hubertus Heil, membro do Partido Social-Democrata (SPD), apoiado pelo ministro da Saúde, Jens Spahn – da direitista União Democrática Cristã (CDU) – assinou um Decreto “abrindo excepções na Lei sobre a jornada de trabalho, em função da epidemia da Covid-19”.
Para algumas actividades – que passaram a ser definidas como “essenciais” – foi legalizada a ampliação da actual jornada de 10 horas para 12 horas (embora mantendo o limite de 60 horas semanais).
Também foi autorizada a redução do tempo mínimo de descanso entre duas jornadas, das onze horas actuais para nove horas.
As excepções abertas por este Decreto podem ser aplicadas numa vasta gama de sectores, entre os quais o da Saúde (tratamento médico, enfermagem, assistência social, cuidadores), serviços de emergência, bombeiros, polícia, segurança, transporte de valores, energia e água, limpeza urbana, centros de logística. Também se aplica à agricultura, e, ainda, às actividades de “fabrico e embalagem, incluindo engarrafamento, mensageiros, entregas em empresas e mudanças”, particularmente de produtos de necessidade básica e de medicamentos.
Indispensáveis? Não, lançados à fogueira!
O Decreto está a provocar um forte repúdio e indignação, principalmente nos hospitais. “Dizem que somos indispensáveis ao funcionamento do Sistema, mas na realidade eles lançam-nos para a fogueira”, disse uma camarada do sindicato Ver.di.
Há muito que as organizações patronais exigem a “flexibilização” da Lei sobre a jornada de trabalho. Os patrões querem “o adeus à jornada de oito horas”, como já afirmava a manchete do jornal Handelsblatt de 4 de Abril de 2018.
Agora, em 2020, a epidemia de Coronavírus é utilizada por Heil para exigir essa flexibilidade.
Em relação a esta prescrição legal sobre o tempo de trabalho, as Direcções dos sindicatos dos trabalhadores contentam-se em fazer um acompanhamento crítico. Mas, a Comissão Operária do Partido Social-Democrata (SPD) de Berlim denuncia: “Hubertus Heil – mediante Decreto e, portanto, sem discussão, no Parlamento ou no Conselho Federal do governo, flexibilizou a Lei sobre a jornada de trabalho (por enquanto, até 31 de Julho). É o que o patronato exige há muito tempo. Esta nova regulamentação é do interesse dos trabalhadores? Certamente que não.”
SISTEMA DE SAÚDE ASFIXIADO POR CORTES ORÇAMENTAIS
Em toda a Alemanha, os funcionários dos hospitais exigem medidas imediatas para a sua protecção e a dos pacientes, multiplicando cartas abertas ao poder federal (ministro da Saúde) e aos responsáveis pelo sector a nível de cada Estado. Aqui estão quatro exemplos.
Na Baixa Saxónia e Bremen, numa Carta aberta – assinada por trabalhadores de mais de 60 hospitais – pode ler-se: “Com o nosso sindicato Ver.di, representamos dez mil funcionários. Fazemos o melhor que pudemos em todos os sectores dos nossos hospitais: enfermagem, fisioterapia, limpeza, cozinha, logística, administração, informação, transporte de doentes, laboratórios, no controlo de gestão médica, nos outros serviços terapêuticos, médicos e psicológicos, bem como no serviço social. Precisamos de verbas e de equipamento. Actualmente, o nosso trabalho é mais difícil, por causa de décadas de uma política de Saúde sabotada e orientada para a rentabilidade e a concorrência.
Quando tivermos superado o pior, vamos exigir que seja reconstruído o Sistema de saúde e anuladas todas as privatizações. Precisamos de um Sistema de Saúde pública, não para os grandes grupos ou para os accionistas, mas para a sociedade.
[Para assegurar o equipamento suficiente em material de protecção, nós exigimos que a produção de outras empresas seja reorientada para o fabrico de batas de protecção e de produtos de higiene, e que seja posto fim aos preços exorbitantes do comércio – se necessário por Portaria ou por requisição – no interesse da sociedade.]”
Na Saxónia, Alta Saxónia e Turíngia, os funcionários hospitalares de muitos estabelecimentos também se manifestaram no sentido das reivindicações gerais. Além disso, eles exigem especialmente, “a revogação da lei de flexibilização do tempo de trabalho que aumenta a jornada de trabalho para doze horas e reduz o tempo de repouso mínimo para nove horas”.
No Centro Hospitalar Universitário do Sarre, são os médicos, enfermeiros, pessoal da limpeza e lavandaria, terapeutas, estagiários, empregados do laboratório, da cozinha, assistentes de abastecimento e todas as outras categorias profissionais que escrevem ao presidente do Estado de Sarre uma Carta aberta, com mais de quinhentas assinaturas, onde declaram: “Não nos sentimos adequadamente protegidos (…)! Para economizar, as roupas de protecção, as regras de higiene e de protecção contra a Covid-19 são ignoradas.” Eles exigem medidas imediatas para acabar com essas deficiências.
Os militantes e delegados do pessoal do sindicato Ver.di, nos hospitais psiquiátricos da União Regional da Renânia (LVR), exigem medidas de protecção para os assalariados e, em simultâneo – a fim de criar condições para cuidar com qualidade dos pacientes – “o refinanciamento integral de todos os custos efectivos de tratamento, e inclusive da manutenção. As novas normas sobre o pessoal – segundo a Directiva PPR-RL (1), em vigor desde o início do ano – põem o tratamento psiquiátrico em perigo, e devem ser retiradas e substituídas por um financiamento que cubra os custos reais.”
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(1) Directiva fixando o número e as especialidades dos intervenientes por paciente em Psiquiatria.
Gotthard Krupp
Correspondente na Alemanha