Coronavírus nos EUA: a urgência de um Sistema de Saúde universal

Trump

Com 20 mil mortos, os EUA são agora o país mais afectado pelo Coronavírus.

Mas nem todos os Norte-americanos são afectados da mesma forma. Só os estados de Nova Iorque e de Nova Jersey, que fazem fronteira com a cidade de Nova Iorque, registaram 11.700 mortes, ao ponto de valas comuns estarem a ser cavadas à pressa nesta cidade. A Louisiana, o Michigan e o Illinois também estão a ser fortemente afectados.

UMA DOENÇA QUE AFECTA TODOS, MAS ESPECIALMENTE OS NEGROS

As desigualdades são mais do que geográficas, são sociais e raciais. A população negra é particularmente afectada pela epidemia. Um estudo do CDC, a Agência Federal para a Saúde, revela que um terço dos doentes são Negros e relata que “a população negra poderá estar a ser afectada, de forma desproporcionada, pelo Covid-19”. No Michigan (o Estado em que está localizado Detroit, o centro da indústria automóvel nos EUA), os Negros representam 41% dos óbitos e 33% dos casos diagnosticados, embora sejam apenas 14% da população desse Estado (números citados pelo Huffington Post). A Agência France Press dá números semelhantes para o Illinois, onde os Negros constituem 14% da população, mas representam 42% dos mortos na epidemia; em Chicago, onde constituem menos de um terço da população, 72% das mortes por Covid-19 são de Negros. Em Milwaukee (Wisconsin) 70% dos mortos sendo 26% da população; na Luisiana, 70% dos mortos sendo 32% da população. A doença está a alastrar nas prisões, com 500 casos – identificados por exemplo na Cadeia do Condado de Cook, em Chicago – e 541 casos assinalados nas prisões federais (New York Times, 13 de Abril). Ora é sabido que os Negros estão também sobre-representados entre os prisioneiros norte-americanos.

A doença está a alastrar entre os Negros dos EUA porque, muitos deles, ocupam empregos para os quais o teletrabalho é impossível: empregados das caixas, transportadores de mercadorias e trabalhadores da limpeza são forçados a ir trabalhar sem as protecções essenciais para preservar a sua saúde. A doença mata-os mais do que a média, porque são mais susceptíveis de ter doenças crónicas que agravam a situação: obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, doenças da pobreza. O vírus está a matá-los mais porque são mais numerosos a não ter qualquer cobertura de saúde: isto torna-os mais propensos a estas doenças crónicas, mas também os impede de receberem cuidados de saúde quando têm o Covid-19. O Business Insider (27 de Março) estima em 73 mil dólares o custo do tratamento, à sua própria custa, de um doente infectado com o vírus, se não estiver segurado. Isto representa quase dois anos de salário médio dos Negros nos EUA.

MAIS DO QUE NUNCA, “MEDICARE FOR ALL!”

No cerne desta situação está o acesso aos cuidados de saúde nos EUA. O Obamacare tinha diminuído, de 18,9% (em 2013) para 10,7% (em 2017), a proporção de Negros sem cobertura (seguro) de saúde. No entanto, esta taxa aumentou em 2018 para 11,5% (valores da NAACP – Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor). E estes números nada dizem sobre a cobertura fornecida pelas Seguradoras privadas. A reivindicação de um Sistema de cuidados de saúde universal está, portanto, mais do que nunca na ordem do dia. Antes mesmo do surto da epidemia, as sondagens já mostravam que a maioria dos Norte-americanos eram a favor dele.

Foi um dos elementos centrais da campanha de Bernie Sanders para obter a sua nomeação comno candidato presidencial do Partido Democrata. Depois das primárias do Wisconsin, realizadas a 7 de Abril, Sanders decidiu suspender a sua campanha. Na sua declaração, diz que não está em posição de ganhar as Primárias Democratas e, por conseguinte, parar a sua campanha, ao mesmo tempo que permanece nas listas de candidatos para essas Primárias. Ele pede um voto a seu favor, com o objectivo de “pressionar” a Convenção que irá designar Joe Biden como candidato democrata. Apela também a uma frente unida com Biden contra Trump e a política que este seguiu desde o início deste surto epidémico (1).

Mas Biden é um adversário feroz da generalização do Medicare, o Sistema que dá direito à cobertura de saúde pública aos idosos nos EUA. Esta generalização é a forma que toma, nos EUA, a reivindicação de acesso aos cuidados de saúde. Ex-vice-presidente de Obama, Biden propõe uma melhoria à margem do Obamacare, deixando o mercado dos seguros de Saúde entregue ao sector privado, subvencionando-o para que chegue a um maior número de segurados; a sua única proposta para tentar manter o voto dos apoiantes de Sanders é baixar a idade de acesso ao Medicare de 65 para 60 anos. É, de facto, esta a questão central: como garantir o direito a tratar-se do Covid-19, a todos os residentes nos EUA, se os hospitais são privados e a responsabilidade da hospitalização é deixada a cargo de um seguro privado?

Já está a haver protestos entre os apoiantes de Sanders. Os Socialistas Democratas da América (DSA), o principal partido apoiante de Sanders, anunciaram que não irão apoiar Biden. Em Jacobin, jornal ligado ao DSA, levantam-se vozes a exigir que toda a arquitectura da campanha de Sanders seja mantida e utilizada para militar durante a crise do Coronavírus.

A luta pelo “Medicare para todos” também vai continuar nos sindicatos dos EUA, onde o apoio a Biden – prestado pelas direcções as Confederações nacionais – está em contradição com a vontade dos militantes de ganhar esta reivindicação essencial, tornada de uma urgência vital pelo actual surto pandémico.

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(1) A 14 de Abril, dia em que morreram nos EUA mais 2228 pessoas (o que representa um novo máximo), Trump anunciou que vai suspender o financiamento à Organização Mundial de Saúde (OMS), que já antes acusara de ser demasiado “pró-chinesa”.

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Análise de Devan Sohier, publicada no semanário Informations Ouvrières – Informações operárias – nº 600, de 15 de Abril de 2020, do Partido Operário Independente de França.

 

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