União Europeia: “unidade” para quê?

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Os Primeiros-ministros dos Estados da UE reconheceram, a 26 de Março, que não existe uma união de Estados europeus. A Holanda, a Alemanha e outros recusaram, taxativamente, emitir obrigações europeias – uma dívida pública comum dos 27 países. Dívida que tornaria mais barato o custo da “reconstrução” da Itália ou da Espanha.

Isso seria um passo na partilha dos riscos económicos (a chamada “mutualização”). Mas de todas as vezes que esse passo foi proposto, desde a criação do Euro, os países em melhor situação económica recusaram-no.

Pedro Sánchez foi o principal defensor dos Eurobonds (agora Coronabonds) no Conselho Europeu. Na recente reunião do Eurogrupo, realizada a 7 de Abril, os nove países que defendem as euro-obrigações tiveram de se contentar com a formação de uma Comissão para estudar esse assunto… Eles estudam-no há 25 anos. (1)

O que é que isto significa? Cada um dos Estados é obrigado a aumentar o seu endividamento para salvar o que é possível do actual afundamento económico (o espanhol fá-lo salvando as grandes empresas, espanholas ou estrangeiras). Esse endividamento é, actualmente, mais caro para a Espanha ou a Itália, do que para a Holanda ou a Alemanha. Não há direitos comuns.

Mas pretendem que haja união na hora das obrigações.

– O capital financeiro utiliza o Euro e a UE (e ainda outros meios mais directos) para evitar que o défice seja muito maior, que a Espanha se endivide mais, ou seja para que, previsivelmente daqui a vinte anos, os trabalhadores e a população de Espanha ainda continuem a pagar a crise do vírus com o desemprego, a precariedade e a diminuição dos salários e das pensões, sem conseguir levantar a cabeça.

– A Holanda, cujo Primeiro-ministro chama preguiçosos aos trabalhadores dos países do Sul, é um paraíso fiscal. Há empresas instaladas em Espanha que têm a sua sede na Holanda ou no Luxemburgo, mas o seu dinheiro vem daqui. E ele é utilizado contra os trabalhadores holandeses: a “rica” Holanda fez uma reforma brutal do seu Sistema de aposentações, introduzindo a capitalização individual, tendo como resultado a perda de valor das pensões.

– A fabulosa dívida espanhola que Rajoy criou inclui 51 mil milhões de euros concedidos aos bancos, que permitiram pagar a dívida aos bancos alemães, que se encheram de ouro com o boom imobiliário espanhol. Mas isto não poupa muitos trabalhadores alemães de terem contratos sem direitos.

– A pressão da Volkswagen, da Mercedes e de outros grandes trusts para reduzir o custo do trabalho nas suas empresas representa uma transferência de fundos para estas multinacionais, sediadas nos “países do Norte”. E a “ajuda à reconstrução” decidida pelo Governo espanhol irá, em parte, para as filiais destas empresas.

Por conseguinte, a UE e o euro são apenas uma união com um único sentido – a sobre-exploração do Sul (e, por tabela, dos trabalhadores alemães e holandeses, pelo jogo da concorrência).

Trata-se de um problema nacional, na forma. Mas o resultado final é que o capital financeiro explora as diferenças entre países para aumentar a exploração dos trabalhadores, em Espanha ou Itália, tal como na Alemanha ou na Holanda.

Um diário italiano trouxe, há dias, a seguinte manchete: “O vírus ataca o europeísmo dos Italianos”.

Há todas as razões para romper com a União Europeia. A alternativa só pode ser a acção conjunta dos trabalhadores do Norte e do Sul contra a exploração do capital financeiro.

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(1) Na reunião do Eurogrupo de 7 de Abril, foi proposta a constituição de um “Fundo de Recuperação” de 100 mil milhões de Euros, que irá ser apreciado na próxima reunião do Conselho Europeu (constituído pelos chefes de Estado e de Governo dos 27 países-membros da União Europeia). E existe uma razão central para o desbloqueamento deste Fundo: o “perigo mortal para a União Europeia”, decorrente da situação actual (nas palavras recentes de Jacques Delors – o antigo presidente da Comissão Europeia de 1985 à 1995, o “pai” do Tratado de Maastricht, e portanto do critério dos 3% de défice orçamental, que devastaram em particular os sistemas de Saúde pública de praticamente toda a Europa).

É o “perigo” sentido por todos os governos, perante a cólera que cresce na Europa (nomeadamente na Grécia, na Itália, na Bélgica e noutros países).

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Artigo da autoria de Manuel Cuso, transcrito do jornal Información obrera (Informação operária, Tribuna livre da luta de classes em Espanha), Suplemento especial Coronavírus, nº 4, de Abril de 2020.

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