Na sua entrevista à TVI, no passado dia 23 de Março, António Costa afirmou que “as medidas decretadas para salvar as empresas e salvar o emprego iriam custar ao Estado cerca de mil milhões de euros mensais”.
O que quis o Primeiro-ministro dizer com a palavra “Estado”? Quis dizer “Segurança Social”, de acordo com o conteúdo do “Regime de Lay-off”?
É a partir desta interpretação que se escreveu este texto.
As medidas do Governo para tentar dar um “suporte de vida às empresas” – palavras do ministro da Economia, Siza Vieira – e impedir os despedimentos em massa, não beliscaram em nada, até à data, os donos do grande capital. Todos os empresários são tratados por igual – seja um pequeno patrão (a trabalhar tanto ou mais que os seus empregados), seja aquele que pode comprar “Ferraris” – quando se trata de poderem recorrer ao “Regime de Lay-off” para não despedir os trabalhadores da sua empresa.
Lay-off
O Lay-off consiste na redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho efectuada por iniciativa das empresas, durante um determinado tempo, devido a: a) Motivos de mercado; b) Motivos estruturais ou tecnológicos; c) Catástrofes ou outras ocorrências que tenham afectado gravemente a actividade normal da empresa (desde que tais medidas se mostrem indispensáveis para assegurar a viabilidade económica da empresa e a manutenção dos postos de trabalho).
Nesta situação, o trabalhador pode ficar com o seu posto de trabalho suspenso, ficando a receber dois terços do seu salário, mas nunca podendo esse valor ser inferior ao salário mínimo nacional.
O trabalhador recebe esta remuneração das mãos da entidade empresarial, mas ela vem directamente da Segurança Social.
Os mecanismos do “Regime de Lay-off” instituído exigiam alguns requisitos constantes no requerimento a apresentar pela entidade empresarial. Mas as entidades patronais – através da CIP e dos partidos que as representam – exigiram a simplificação de todos os procedimentos para “acudir às empresas”, a todas as empresas.
Exigência que o Governo não hesitou em satisfazer, simplificando por completo o procedimento para qualquer empresa – grande ou pequena, rica ou pobre, com a corda na garganta ou a não poder pagar os dois terços do salário do trabalhador com actividade em suspenso – recorrendo ao saco da Segurança Social.
O dinheiro da Segurança Social não cai do céu, nem resulta da actividade de especuladores. Ele resulta do salário diferido dos trabalhadores no activo e daqueles que já trabalharam. Por isso, a Segurança Social assenta no princípio da solidariedade entre gerações: cada um desconta para ela na proporção do que ganha e recebe, para mais tarde – na sua pensão de reforma – receber na mesma proporção. Isto é, a Segurança Social é um sistema de protecção dos trabalhadores ao longo de toda a sua vida. O Sistema de Segurança Social assegura múltiplos subsídios, a começar no subsídio por doença.
Não pode fazer sentido a existência de um Regime de Lay-off, sem qualquer ferrolho, para permitir que todas as entidades empresariais, sem excepção, possam recorrer às poupanças dos trabalhadores, com o argumento de não haver outra alternativa para “não afundar as empresas”.
Faria sim sentido que o Estado de Emergência fosse utilizado para colocar sob protecção todos os trabalhadores e as suas famílias, proibindo o seu despedimento, ao mesmo tempo que exigia às empresas, detentoras de almofadas financeiras, o pagamento dos salários.
Não caberá às Direcções das organizações sindicais uma iniciativa para controlar este saque das verbas da Segurança Social? Alguém pode ter dúvidas que ele fará parte da prática de muitas entidades patronais?
Bem sabemos como o dinheiro da Segurança Social é cobiçado pelo capital financeiro, e como as leis dos diferentes governos têm aberto caminho à sua privatização, em todo o mundo. Leis que têm levantado mobilizações muito fortes. Basta pensar nos acontecimentos recentes em França, ou nos movimentos em defesa das pensões de reforma no Estado espanhol.
Alguns factos de um passado não muito longínquo
O governo de Cavaco Silva usou a Segurança Social para financiar a actividade do Estado – fosse através de apoios, de não financiamento dos encargos sociais, fosse até perdoando dívidas às empresas. No total, foram mil milhões de contos a valores de 1989. Hoje valeriam cerca de 13,5 mil milhões de euros. Algo que teria dado muito jeito para não afectar a sustentabilidade da Segurança Social.
Os governos de Sócrates e, a seguir, o do PSD/CDS seguiram a mesma prática, para cumprir as exigências do capital financeiro, através do Programa de Estabilidade e Crescimento e do Memorando da Troika. Foi assim que os trabalhadores bancários e os das Telecomunicações foram expropriados dos respectivos Fundos de pensão, no valor de muitos milhares de milhões de euros – para serem entregues aos “credores” dos empréstimos contraídos pelo Estado, ou para tapar os buracos dos bancos – passando as reformas destes trabalhadores a ser asseguradas pela Caixa Nacional de Pensões, estatal.