Medicare for all (Cuidados de Saúde para todos)
A “Super terça-feira” reduziu as Primárias do Partido Democrata a um duelo entre Joe Biden e Bernie Sanders. Biden é o representante do aparelho Democrata tradicional: foi vice-presidente de Obama, durante os oito anos do seu mandato, e representa a continuidade com a sua política, cujas carências levaram à eleição de Trump. Todas essas limitações fizeram com que muitos candidatos alimentassem a esperança de ocupar o lugar de “centrista” que ele ocupa nas Primárias; mas, sem implantação e sem envergadura nacional, a “Super terça-feira” varreu-os. O eleitorado negro dos Estados do Sul votou massivamente por Biden, seguindo as indicações das igrejas reformadas negras. Há que assinalar, também, que Sanders sempre se negou a considerar a questão negra como uma questão particular, defendendo que a sua situação melhoraria com a do conjunto da população, negando a especificidade que lhes dão séculos de escravatura e de segregação, cujas consequências ainda estão a sofrer.
Também Elizabeth Warren – que se apresentava como um meio termo entre Sanders e Biden (ou seja, nos elementos essenciais, ela assumia os itens do programa de Sanders, mas condicionando-os com uma cláusula “realista”, afirmando que tudo seria feito como parte de um Acordo no âmbito do Partido Democrata, e com pelo menos a concordância de uma parte dos Republicanos) – foi derrotada e teve de retirar a sua candidatura, sem dar o seu apoio nem a um nem a outro dos dois candidatos: é o conjunto do aparelho do Partido Democrata que coloca todo o seu peso a apoiar Biden contra Sanders.
Um Sistema da Saúde federal é um elemento central de unidade da classe operária dos EUA
A oposição entre Biden e Sanders cristaliza-se sobre uma questão: Medicare for all, quer dizer, a implantação de um Sistema estatal de cobertura sanitária para todos os trabalhadores norte-americanos. Sanders é a favor; Biden defende a “melhoria” do Obamacare, que dá às Seguradoras privadas a gestão da Saúde. Os trabalhadores dos EUA têm poucas garantias comuns: os seus direitos estão basicamente codificados em contratos colectivos, negociados empresa a empresa. Para dar como exemplo o Ensino, esses contratos cobrem uma cidade, um distrito ou um pequeno Estado no melhor dos casos. Nesta situação, a perspectiva de um Sistema da Saúde federal é um elemento central de unidade da classe operária norte-americana.
A AFL-CIO adoptou, no seu último Congresso, a reivindicação de um Sistema de cobertura sanitária para o conjunto do Estado federal, dada a pressão de muitos militantes. E, contudo – num país em que, tradicionalmente, os sindicatos apoiam candidatos do Partido Democrata – poucos sindicatos optaram por defender a candidatura de Sanders. Muitas das vezes, os seus dirigentes explicam que Medicare for all (Cuidados de Saúde para todos) significaria o fim das garantias que oferece aos trabalhadores da empresa o seguro sanitário nela negociado, e que as garantias de Medicare são muito inferiores.
De modo que os muitos militantes sindicalistas que apoiam Sanders estão a fazer um paciente trabalho de explicação, para demonstrar que as garantias de um Sistema estatal seriam, ao mesmo tempo, mais seguras (em caso de perda ou de mudança de emprego, ou de renegociação de contrato,…) e superiores (sobretudo para doenças graves e hospitalizações) às propostas pelas Seguradoras privadas. Qualquer que seja o resultado das Primárias Democratas e das Presidenciais, esta discussão atravessa actualmente o conjunto da classe operária dos EUA: o poderoso Sindicato de Hotelaria do Estado de Nevada não apelou a votar por Sanders, em defesa do seu seguro privado; os resultados das Primárias em Las Vegas (a maior cidade desse Estado) demostraram que a maior parte dos trabalhadores da Hotelaria não seguiu essa indicação.
Na sua campanha a favor de Biden, o jornal New York Times, de 9 de Março, publica um artigo intitulado “Mesmo que Sanders ganhe, o Medicare for all não será certamente implementado”, explicando que – mesmo que Sanders seja eleito e os Democratas ganhem a maioria na Câmara dos Deputados e no Senado – o aparelho do Partido Democrata opôr-se-ia a esta reforma.
É de facto isso que está em jogo: o aparelho Democrata não vai apoiar Sanders – como o aparelho Republicano fez em relação a Trump – e só a luta de classes, que se está a intensificar nos EUA, será capaz de impor esta medida.
Devan Sohier