A proposta do Governo de Orçamento do Estado (OE) para 2020 foi aprovada, a 10 de Dezembro, somente com os votos a favor do Grupo parlamentar do PS e a abstenção dos deputados do PCP/Verdes, BE, PAN e a deputada do Livre.
Segundo o Governo, esta proposta corresponde à “continuidade” dos quatro Orçamentos da anterior Legislatura.
De facto, pode constatar-se que se trata da continuidade na política de baixos salários, quer no sector público quer no privado.
Assim, não é alterado este paradigma explicado por Eugénio Rosa, economista da CGTP, apoiando-se no Boletim Estatístico do Ministério do Trabalho, cuja conclusão é: “O poder de compra quer das remunerações-base, quer do ganho médio dos trabalhadores do sector privado, diminuiu entre 2015 e 2018.”
Em particular, não é alterado o rendimento dos trabalhadores da Administração Pública – cujos salários congelados há mais de dez anos e ficam “contemplados” com um aumento de 0,3%.
E a evolução do Salário Mínimo Nacional (SMN) para 635 euros é, de facto, a continuidade da repartição negativa da riqueza entre o capital e o trabalho.
É a continuidade do que afirmou, numa entrevista ao jornal Público de 11 de Setembro de 2019, Arménio Carlos – Secretário-Geral da CGTP: “Se o SMN tivesse evoluído de acordo com a produtividade e a inflação desde 1974 (ano em que foi implementado), em 2020 teria um valor de 1137 euros.”
É a continuidade com o baixo rendimento de centenas de milhar de trabalhadores aposentados. Testemunhada pela Presidente da UGT, Lucinda Dâmaso, quando transmitiu (a 26 de Dezembro), ao Presidente da República, a sua “grande preocupação” com a ausência de melhoria de rendimentos dos trabalhadores e pensionistas na proposta de OE para o próximo ano.
Um Orçamento de continuidade com as condições de trabalho e de vida de dezenas de milhares de professores, a quem o Governo teima em negar o reconhecimento da totalidade do seu tempo de serviço para progressão na carreira, impondo-lhes deste modo um enorme corte no salário a que estatutariamente têm direito e condenando um grande número deles a pensões de reforma baixíssimas.
Continuidade na depauperação do Serviço Nacional de Saúde, pois o aumento da verba orçamentada vai ser engolido, em grande parte, pelas dívidas a fornecedores e aos serviços privados, ao mesmo tempo que não é alterada a política que permite a continuação destes serviços, tal como não é revogada a Lei – aprovada em 2009 – que pôs fim à exclusividade dos médicos no serviço público, para permitir os baixos salários destes.
É um Orçamento de continuidade com entrega de centenas de milhões de euros para tapar buracos de bancos, como o Novo Banco, de continuidade com a aceitação do peso de uma dívida de que o povo não é responsável e do pagamento de juros sobre a mesma. →
Continuidade com a saída de riqueza produzida no país para os “paraísos fiscais”, de continuidade dos negócios especulativos feitos em cima da riqueza verdadeira alienada à nação portuguesa, de que é exemplo a venda de barragens, de autoestradas, ou das telecomunicações.
O BE e o PCP têm denunciado algumas destas situações e defenderam nos seus programas eleitorais – e continuam a defender – algumas medidas para começar a mudar a vida do povo português.
Estes partidos afirmaram que a proposta de Orçamento não respondia aos problemas dos trabalhadores das famílias, desde a política de habitação ao preço da electricidade, com um IVA de 23%, quando antes do “governo da Troika” PSD-CDS era de 6%.
Por isso, muitos dos seus eleitores e também do PS – que votaram para que não houvesse um Governo com o PSD e o CDS, visando mudar o país – perguntam: “Se não é agora que se tomam as medidas necessárias, quando será?” E questionam: “Que sentido faz para as nossas vidas aceitar um acordo tácito para viabilizar um Orçamento de continuidade?”
O que se pode esperar de uma Assembleia da República a funcionar assim? Que pretexto há para viabilizar um Orçamento de continuidade, quando nem sequer há a possibilidade de Governo dos partidos da direita?
Eles olham para o que se está a passar noutros países, olham para as mobilizações e greves continuadas dos trabalhadores franceses – para obrigar Macron a retirar a sua Lei de destruição das pensões de aposentação – e interrogam-se sobre o que fazer para uma ligação e coordenação com a sua luta?
Os militantes do POUS não têm interesses diferentes dos do conjunto dos trabalhadores. E, tal como estes, não são indiferentes a medidas positivas que sejam anunciadas ou negociadas.
Mas, tal como muitos deles, perguntamos: “Na situação em que nos encontramos, a quem interessa esta política de continuidade?”
O tempo é de mobilização para fazer valer direitos e preservar as conquistas essenciais da Revolução de Abril – como o SNS e a Escola Pública. Mas o tempo é também de encontro e de partilha de reflexão sobre o que se está a passar. Reflexão para tirar lições, reflexão para ajudar a construir uma saída positiva para as nossas vidas.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2020
A Comissão de redacção de “O Militante Socialista”
(jornal impulsionado pelo POUS)