Apesar de todos os obstáculos, em particular desde o próprio aparelho de Estado, após a indigitação de Pedro Sánchez como presidente, finalmente vai formar-se o Governo de coligação do Partido Socialista e da Unidas Podemos, apoiado por diversas forças nacionalistas, regionalistas e da esquerda e pela Esquerda Republicana (através da abstenção, acordada com o PSOE). De facto, uma ampla coligação de cuja manutenção, ao longo do tempo, depende a estabilidade do Governo que agora se forma.
Pelo mero facto de se ter formado, e também por algumas medidas incluídas no seu programa (derrogação do artigo 315.3 e da Lei Mordaça, recuperar a prorrogação automática das convenções colectivas, aumento do Orçamento para a Saúde e a Educação), o futuro Governo suscitou expectativas em sectores da classe trabalhadora, embora haja também aqueles que assinalam – não sem razão – importantes limitações no seu programa. Entre elas, a vontade de manter todas as contra-reformas (laboral, das pensões de aposentação,…) que foram promulgadas pelo governo de Zapatero e as quais, nesse momento, se enfrentaram com a mobilização da classe trabalhadora, incluindo a convocatória de uma greve geral a 29 de Setembro de 2010 contra a reforma laboral. Outros perguntam-se como tornar compatível o prometido incremento de gastos na Saúde, na Educação e nos apoios aos dependentes com a “estabilidade orçamental”.
Seja como for, o Governo que se auto-denomina “progressista” será julgado não pelas suas promessas mas sim pelos seus actos, ou seja, pela política que pratique. Dessa acção real vai depender, também, o seu futuro.
Deste ponto de vista, o Governo vai estar confrontado com os ditames do capital financeiro, por um lado, e, por outro, com as exigências dos trabalhadores e dos povos, com a sua mobilização para travar os ataques da reacção e também com a determinação dos trabalhadores, que consideram que – com a chegada deste Governo – chegou a hora de conseguir que sejam satisfeitas as suas reivindicações. Se não for agora, quando será? As coisas só começaram agora: inicia-se uma batalha que vai colocar no centro a incompatibilidade entre a Monarquia e a democracia. E aqui se situa a responsabilidade de todas as organizações que dizem defender os interesses dos trabalhadores e dos povos.
Se este Governo ceder às pressões da reacção, das instituições, da Banca e da UE – como auguram Nadia Calviño, Marlaska (1) e algumas outras declarações – cavará a sua própria sepultura. Se agir de outro modo, sem dúvida que conseguirá o apoio dos trabalhadores.
Para a direita franquista e os meios de Comunicação social que lhe são afins, o Governo é um desastre, não tanto pelas políticas – bastante modestas – que foram estabelecidas no Acordo de coligação, como pelas perspectivas que pode abrir no estado de ânimo dos trabalhadores e dos povos, que podem vê-lo como um meio para conseguir ver satisfeitas as suas reivindicações, para abrir a via da mobilização e torná-las realidade. Por isso, desde o primeiro momento, inclusive antes de se ter formado, pressionam-no acusando-o de ter quebrado o “pacto constitucional”. Alguns sectores mais exaltados, vinculados (ou veiculados?) ao aparelho de Estado – como o general reformado Fulgencio Coll Bucher, chefe do Exército de Terra entre 2008 e 2012, nomeado pelo governo de Zapatero, e actual vereador do Vox – chegam a propôr que Pedro Sánchez seja acusado, perante a Segunda Sala do Supremo, “por traição ou qualquer outro delito contra a segurança do Estado”. É de esperar que, a partir do aparelho judicial, se multipliquem os ataques contra qualquer “desvio” do novo Governo e que o conjunto direitas franquistas-aparelho judicial funcione para sabotar algumas das suas decisões, como tentou sabotar a sua própria formação através da iníqua decisão da Junta Eleitoral Central sobre Torra e Junqueras. E não falemos do patronato, que reclama a urgência de ataques contra os trabalhadores e toca a rebate para não perder nenhuma das suas armas.
O Governo anunciou, no seu programa, uma série de medidas que reúnem – ainda que de maneira limitada – reivindicações sentidas pelos trabalhadores e pela juventude. Mas vai tentar aplicar esse programa num quadro extremamente difícil para qualquer política favorável aos trabalhadores, o do regime da Monarquia, e submetido, para além do mais, aos planos de “estabilidade orçamental” da União Europeia, que, de princípio, lhe exige 15 mil milhões de euros de corte no défice.
O Governo tem entre os seus objectivos a “estabilidade”, ou seja, fazer todos os possíveis para manter o quadro do Regime e evitar a sua ruptura. Um objectivo que já se demonstrou impossível no passado e que o tempo vai demonstrar ser incompatível com algumas das medidas que propõe. E que, sobretudo, fecha a porta a uma solução que satisfaça as aspirações do povo catalão e, a seguir a ele, de todos os povos.
Mais do que nunca, é necessária a independência
das organizações do movimento operário
Em todo o caso, o que o futuro Governo irá fazer vai depender, em boa medida, das exigências e reivindicações que sejam levantadas pelos trabalhadores e as suas organizações. As decisões de assembleias e instâncias sindicais de tomada de posição, bem como os movimentos de resistência de sectores operários e da juventude, devem juntar-se numa mobilização geral com o conjunto das organizações, necessária para fazer recuar os franquistas e o patronato.
À partida, os sindicatos apoiaram a fundo a formação do Governo e “saudaram” as medidas positivas, ainda que, precavendo-se antecipadamente, assinalaram os seus limites. A este respeito, o Secretário-geral da CCOO, Unai Sordo, declarava há uns dias que o Governo “necessariamente vai ter que corrigir em profundidade ou reverter a reforma laboral do ano 2012 e nalguns aspectos também a de 2010”, e que, se não houver mudanças na legislação laboral, “desde logo iríamos para um cenário de mobilização sem nenhuma espécie de dúvidas”. Pela sua parte, Pepe Álvarez, Secretário-geral da UGT, declarava que “recuperar a prorrogação automática das convenções colectivas e a prevalência (superioridade) dos acordos/convenções sectoriais sobre os de empresa é um bom primeiro passo, mas haverá que juntar de maneira urgente a revogação do artigo 52.d e do conjunto da reforma laboral”.
Os trabalhadores e jovens mais avançados e lutadores – que, desde Novembro de 2012, têm visto frustradas as suas reivindicações, e constatam como foi abandonada a via da mobilização geral e só lhes é prometido “diálogo social” – seguem atentamente o conflito que se desenvolve em França. Um conflito que tem como questão central a tentativa do capital financeiro e do seu governo Macron de arrebatar a maior conquista da classe operária francesa: o sistema de Segurança social e as pensões de aposentação. Em França, a mobilização em curso coloca no centro a exigência de independência em relação ao Governo. Lá – como aqui – o dilema é: mobilização pelas reivindicações e pela retirada dos ataques e livre negociação versus concertação e diálogo social.
Por isso, a Coordenadora de Pensionistas de Madrid, apoiando-se nas reivindicações, convoca uma concentração diante das Cortes (Parlamento) para 8 de Janeiro. Com esta convocatória os pensionistas assinalam que, eles também, julgarão o Governo pelos seus actos e não pelas suas promessas.
Em última instância, para conseguir ver as suas reivindicações satisfeitas, as organizações da classe trabalhadora devem manter a sua independência em relação ao novo Governo, na linha de que “governe quem governe, as reivindicações se defendem”, e não se submetem aos interesses de nenhum Governo. Menos ainda, aos de um Governo atado aos ditames da Monarquia, da NATO e da União Europeia.
Os direitos dos povos
Está claro que a vontade do Governo de respeitar o quadro da Constituição e da Monarquia vai provocar um choque sobre a questão dos direitos dos povos. O povo catalão quer decidir livremente o seu futuro, querem-no mais de 80% dos Catalães. Uma aspiração que não cabe dentro do quadro do Regime. Os guardiões da “ordem constitucional” – o Supremo Tribunal, a Junta Eleitoral e o Tribunal Constitucional – estão presentes para impedir que sejam ultrapassados esses limites. E não só isso, vão continuar a actuar, às ordens do Rei – expressas, com a toda a claridade, no seu infame discurso de 3 de Outubro de 2017 e na sua recente visita rejeitada pelo povo catalão e seus representantes – para perseguir os republicanos catalães, para manter na prisão os condenados, para conseguir que deitem a toalha ao chão os que fugiram para o estrangeiro, para incapacitar Quim Torra (o presidente do Parlamento da Catalunha), Roger Torrent e todos os que ousem defender algum direito sem se submeterem.
Mais do que nunca, os trabalhadores e os povos deste país necessitam impôr que sejam libertados os presos republicanos catalães, todos os presos políticos, contra o aparelho de Estado da Monarquia. Trata-se de uma exigência a manter, governe quem governe.
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(1) Nadia Calviño foi ministra da Economia do anterior governo de Sanchéz. E Fernando Grande-Marlaska foi ministro do Interior do 1º Governo de Sanchéz.
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Divulgamos a Carta Semanal nº 763, do Comité Central do POSI (Partido Operário Socialista Internacionalista, Secção espanhola da 4ª Internacional), publicada a 12 de Janeiro de 2020, analisando o que está em jogo com a constituição do Governo de coligação PSOE / Unidas Podemos.