Em 80 cidades dos EUA, tiveram lugar no passado fim-de-semana manifestações contra a agressão e a guerra em relação ao Irão e a ocupação do Iraque. No centro esteve a palavra de ordem histórica contra a guerra no Vietname: Out now! (“Saída imediata!”).
A 3 de Janeiro, um bombardeamento norte-americano matou um dos principais líderes iranianos – o número dois do Regime, diz-se – o general Ghassem Soleimani, chefe de operações militares do Irão no estrangeiro. Soleimani estava no aeroporto de Bagdade, onde tinha acabado de chegar para assistir aos funerais de 31 soldados iraquianos mortos pelos militares dos EUA, na fronteira sírio-iraquiana. A ordem – dada directamente por Donald Trump – veio a seguir ao ataque à Embaixada dos EUA em Bagdade, o qual foi feito em resposta a um precedente bombardeamento norte-americano.
Passemos ao lado das grosseiras e absurdas justificações dadas por Trump nos seus tweets. Para ele, Soleimani “deveria ter sido eliminado há vários anos”, por ser alegadamente responsável pelas mortes de “milhares” de soldados norte-americanos. Deve-se notar que, nos próprios EUA, há acordo para considerar que Soleimani – bem como o General iraquiano morto ao mesmo tempo que ele – é o “verdadeiro vencedor do Daesh“. Na mesma linha, Mike Pompeo – Vice-presidente dos EUA – chegou ao ponto de acusar o General iraniano de estar ligado aos ataques do 11 de Setembro (de 2001) contra o World Trade Center, quando está provado ser indiscutível que os piratas do ar (sequestradores) estavam ligados à Arábia Saudita e eram membros da Al Qaeda.
Estas fórmulas não impediram Emmanuel Macron de descer mais baixo do que a terra para assegurar a Trump todo o seu apoio. Poderíamos esperar outra coisa de Macron? Ele fez um apelo “à contenção de todos e, em particular ao Irão, para ser evitada qualquer escalada militar susceptível de agravar ainda mais a instabilidade regional”.
Quase trinta anos de guerras dos EUA puseram o Médio Oriente a ferro e fogo. O Iraque foi devastado (antes dos lucros da reconstrução terem beneficiado as empresas norte-americanas), a Síria foi destruída, o Iémen está a ser esmagado com bombas dos EUA compradas pela Arábia Saudita… mas seria preciso que o Irão desse provas de contenção.
Quem é responsável pela instabilidade regional senão o imperialismo norte-americano, que carrega dentro dele a guerra sem fim, acompanhado em particular pelo seu pequeno lacaio francês?
Os líderes iranianos apelam à vingança, através da ameaça de alvos militares dos EUA. Eles acabam de recusar manter todos os compromissos assumidos no Acordo sobre o enriquecimento de urânio, nova fonte de conflito com os EUA. Trump, na sua escalada, indica que 52 locais iranianos, incluindo algumas instituições culturais importantes, foram escolhidos para eventuais respostas militares.
Dentro do próprio Estado de Israel, muitas vozes se elevaram contra a decisão de Trump, a qual pode resultar numa reacção em cadeia em todo o Médio Oriente, com repercussões até à costa mediterrânica. Assim, o jornal israelita Haaretz (de 4 de Janeiro) observa que “é impossível avaliar o impacto deste acontecimento, e mesmo os apoiantes mais determinados de Donald Trump deveriam lamentar a ausência, no seu círculo, de funcionários oficiais de segurança nacional experientes e capazes de pôr em causa as suas decisões e suposições. Ao longo dos últimos 22 anos, Soleimani foi um inimigo amargo, mas constante. Sem ele, as coisas tornam-se muito menos previsíveis.”
Obrigado, contra-vontade, a fazer o papel de polícia
Muitos comentadores concordam em dizer que Donald Trump é incontrolável. Trump estaria fora de controle, mas o que dizer então dos seus antecessores? O que dizer da política de Obama, o presidente dos “danos colaterais”, cujos bombardeamentos causaram a morte de milhares de civis no Afeganistão?
As características pessoais de Trump não podem servir para esconder o facto de o presidente dos EUA expressar, através da sua política, a crise profunda em está imerso o imperialismo norte-americano. Ele é forçado, a contragosto, a fazer o papel de polícia no exterior, porque os seus aliados são incapazes de o fazer, a não ser como supletivos. Na região do Médio Oriente está concentrada 50% da produção mundial de petróleo e de gás. Assim, depois de ter manifestado a sua vontade de deixar a Síria, Trump tem tropas a voltar para lá visando controlar os principais depósitos de petróleo. Como conceber que o imperialismo norte-americano estaria disposto a deixar o Iraque? Mas Trump também é coagido pela sua própria política de “America first” (os EUA primeiro) e influenciado pelo seu eleitorado, sendo ambos estes aspectos violentamente contraditórios com o posicionamento anterior.
Muitos Iraquianos consideram que o seu país está em perigo de se tornar num campo de batalha entre o Irão e os EUA. O nosso correspondente em Bagdade informa que “o ataque à Embaixada dos EUA, no final de Dezembro, executado pelas chamadas brigadas do Hezbollah – que é um dos grupos armados no Iraque fundado e fornecido pelo Irão – foi uma resposta directa ao comportamento dos Norte-americanos, que têm andado a disparar contra locais deste grupo na província de Anbar. Os Iraquianos, que se levantam contra o Regime e todos os seus líderes, ficaram divididos em dois campos principais. De um lado, as pessoas perplexas quanto ao objectivo da operação; e, do outro lado, as pessoas iradas por verem Iraquianos serem alvejados por Norte-americanos. Mas todos eles concordam numa coisa: o Iraque não deve tornar-se num lugar para guerras entre o Irão e os EUA. Desde já, muitos Iraquianos abastados estão a mudar-se para a Turquia, por exemplo.”
A situação no Iraque há muitos anos que não era tão tensa. “Os manifestantes estão preocupados, afirma o nosso correspondente, e nós sabemos muito bem que tudo pode transformar-se, muito rapidamente, no horror de onde acabámos de sair há pouco tempo. O povo iraquiano tem vindo a levantar-se, há três meses, para poder dispor de si próprio e da riqueza do seu país, isto é, contra interferências externas e contra o confissionalismo, que foi introduzido pela ocupação norte-americana.”
No seguimento do atentado dos EUA, os principais líderes xiitas iraquianos – estejam ou não perto do Irão – puseram-se de acordo para que o Parlamento vote uma moção pedindo a retirada das tropas dos EUA. Tal votação, num contexto diferente, já foi efectuada há um ano, mas não teve seguimento. Esta votação, que aliás expressa uma profunda exigência popular, terá que ser sujeita à ratificação do Governo, em crise desde a demissão do Primeiro-ministro, provocada pelo movimento de revolta popular.
Agora, as principais milícias xiitas, mas também as organizações sunitas que não aceitam as interferências e as agressões dos EUA, decidiram rearmar-se pesadamente. O movimento popular iraquiano – com a sua reivindicação central “desapareçam todos” – poderá ser o primeiro a sofrer as consequências destes movimentos de tropas.
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Divulgamos uma crónica de François Lazar, publicada no semanário Informations Ouvrières – Informações operárias – nº 586, de 8 de Janeiro de 2020, do Partido Operário Independente, de França.
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“US Labor Against the War” (1): Não à guerra contra o Irão! EUA fora do Iraque!
Apelo de USLAW (extratos)
No seguimento de dois decénios de desastres no Iraque e depois de ter feito fracassar o Acordo com o Irão sobre a energia nuclear, os milionários dos EUA, a Administração Trump e o Pentágono querem provocar a guerra contra o Irão para prosseguir a ocupação sem fim do Iraque (…).
US Labor against the War (USLAW) está ao lado dos trabalhadores do Irão e do Iraque (…). Nós apelamos à retirada imediata e incondicional do Iraque e à recusa da guerra contra o Irão (…).
– Solicitai aos vossos sindicatos que se juntem ao USLAW.
– Pedi às vossas Direcções sindicais que tomem posição pública contra esta agressão.
Em luta e em solidariedade,
Yasemin Zahra, Neal Sweeney, Esmeralda Loreto, Joshua Armstead, John Braxton,
Frank Lara, John Ocampo, Kari Thompson, do Comité Executivo do USLAW
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(1) USLAW (US Labor against the War) significa “Movimento operário dos EUA contra a Guerra”.