Chile: A reforma da Constituição de Pinochet contra as reivindicações do povo chileno (Não são 30 pesos, são 30 anos)

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O poderoso movimento revolucionário iniciado a 18 de Outubro, quando os estudantes de Santiago decidiram NÃO pagar bilhetes de Metro (que tinham sido aumentados de 800 para 830 pesos) modificou radicalmente todas as relações sociais e políticas do país. Trata-se do início de um processo revolucionário (1).

O governo de Piñera, que se reclama da herança de Pinochet, respondeu com uma repressão brutal: 23 mortos, 1747 feridos, mais de 16 mil detidos – centenas deles sujeitos a julgamento – com violações indiscriminadas por parte da Polícia e do Exército. Ao mesmo tempo, retirou o aumento dos bilhetes de Metro e procurou, desesperadamente, um Acordo com os partidos da oposição para implementar reformas que acalmassem a rebelião popular.

Nestas últimas 4 semanas houve mobilizações históricas, de todos os sectores oprimidos da sociedade: trabalhadores, desempregados, estudantes, as minorias autóctones, em especial os Mapuches…

A Unidade Social

No calor da mobilização estudantil, as principais organizações de classe: a Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), a Confederação dos Trabalhadores Bancários, a Coordenadora não+AFP (contra os Fundos privados de Pensões de Aposentação), as Federações de portuários e de mineiros, as Associações estudantis… constituíram a Mesa de Unidade Social, que agrupa actualmente 200 organizações sindicais, populares e democráticas.

A Unidade Social convocou e preparou uma greve geral, a 12 de Novembro, que mobilizou mais de dois milhões de trabalhadores – realizando na prática, a combinação entre a classe operária organizada e todas as camadas oprimidas da população.

Contra as instituições

O Regime chileno é herdeiro da ditadura de Pinochet. Na década de 1980, em face da crescente mobilização popular, os dignitários do Regime – juntamente com importantes sectores da “oposição”, e, em particular, o Partido Socialista – organizaram uma “transição”, inspirada explicitamente na transição espanhola, que procurava preservar uma boa parte da herança de Pinochet e, em primeiro lugar, a sua “obra” económica (privatizações em massa e, em especial, a das pensões de aposentação). E esta transição tomou a forma de manutenção da Constituição de Pinochet, aprovada em 1980. A saída de Pinochet, em 1990, deu origem a 20 anos de governos da Concertação (ou seja, de pacto entre os Democratas-cristãos e o Partido Socialista, com apoio crítico no último período do Partido Comunista). Nos 30 anos que se passaram desde então a herança de Pinochet foi respeitada.

Não é por acaso que as manifestações foram dirigidas, desde o primeiro momento, contra as instituições – e, em particular, o Congresso (dos Deputados) sediado em Valparaíso, que incarna a Constituição de Pinochet.

Também não é por acaso que os estudantes gritam: “Não são 30 pesos, são 30 anos!”

Quem representam?

O Governo adoptou, com o apoio da Direcção do Partido Socialista, a 15 de Novembro, um “Acordo para a Paz e uma nova Constituição” que se propõe adoptar a reforma da Constituição de Pinochet, num plebiscito a realizar em Abril, e novas eleições em Outubro.

No entanto, estes planos são confrontados com duas questões:

– As massas mobilizadas não se reconhecem em qualquer Partido, nem do Governo, nem da oposição, ou mesmo o PC ou a Frente Ampla que se posicionam mais à esquerda e não assinaram o Acordo.

– De acordo com todos os estudos, 85% da população não se sente representada.

Nestas circunstâncias, a tomada de posição clara e enfática das 200 organizações da Unidade Social que reproduzimos aqui abre caminho para que as reivindicações e direitos que os trabalhadores e o povo chilenos reclamam encontrem uma via de combate para a sua satisfação.

 

Declaração da Unidade Social

de rejeição do “Acordo para a Paz e a nova Constituição”

Como Unidade Social – que agrupa mais de 200 organizações sociais, sindicais, de direitos humanos, ambientais, dos povos nativos, colonos, migrantes, do sector da saúde, das pessoas com deficiência, feministas, da Educação universitária e secundária, professores e académicos – queremos salientar a nossa rejeição do “Acordo para a Paz e a nova Constituição”. Este Acordo assinado de madrugada entre Partidos Políticos – sem a participação e a legitimidade dos que participámos nas mobilizações – foi construído enquanto, literalmente, se reprimia e se violavam, de forma sistemática, os Direitos Humanos; foi feito entre quatro paredes e nas costas dos movimentos sociais.

É expressivo desta origem o Acordo incluir mecanismos que rejeitamos enfaticamente:

1) Um quórum elevado que perpetua o veto de participação das minorias; 2) Discrimina os menores de 18 anos de idade; 3) Não contempla mecanismos de participação plurinacional e de Paridade de Género; 4) Estabelece um mecanismo de representação e escolha funcional dos partidos políticos que foram responsáveis pela crise política e social.

Que a Assembleia Constituinte seja uma necessidade, só pode ser entendido como o fruto da mobilização popular. Este avanço do povo implica uma ruptura com o modelo neoliberal imposto na Ditadura e consolidado pelos governos da Concertação e da Direita, durante os últimos trinta anos. Neste ponto, devemos ser capazes de transitar irrevogavelmente para uma Assembleia Constituinte Plurinacional e Paritária.

A repressão criminosa contra as populações, exercida pelo Governo, pelas Forças Armadas e pelos Polícias, tem responsáveis políticos que não podem ficar impunes e que devem ser julgados imediatamente.

É essencial estabelecer uma “Comissão de Verdade e Justiça” e cessar de imediato com toda a política de criminalização e repressão de movimentos e lutadores sociais. Nenhuma Democracia pode ser construída sobre a base da impunidade.

Mesmo no contexto da repressão e do terrorismo de Estado, em todo o país gerou-se um processo de deliberação inédita, com a participação popular através de Conselhos (2), de Assembleias Territoriais e de Trawün (3), que estão a construir democraticamente as nossas propostas de transformações necessárias para uma nova sociedade.

Por estas razões, fazemos um apelo a que se mantenha a mobilização para uma verdadeira Assembleia Constituinte Plurinacional e Paritária, e por uma Agenda Imediata para a Recuperação dos Direitos Sociais, e contra a precariedade da vida e a crise sócio-ambiental.

Em conjunto com isto, apelamos simultaneamente a que seja travada a agenda legislativa neoliberal do Executivo, retirando projectos como o TPP11 (4), a Lei da Integração Social e a Lei da Sala Cuna Universal.

É por esta razão que, nos próximos dias, faremos um apelo à população e às organizações sociais para uma nova greve geral e um dia de protestos. E, igualmente, apresentaremos uma proposta para uma Assembleia Constituinte Plurinacional e um Programa de transformações elaborado pelos movimentos sociais.

Unidade Social

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1) Reproduzimos um texto da responsabilidade do Comité Central do POSI (Partido Operário Socialista Internacionalista, Secção espanhola da 4ª Internacional), publicado a 18 de Novembro de 2019, na sua Carta semanal nº 756.

2) Cabildo em espanhol, uma espécie de assembleia popular, num bairro ou numa localidade.

3) Reuniões de debate interculturais, muitas das vezes promovidas por instituições universitárias.

4) O TPP11 é o “Tratado Integral y Progresivo de Asociación Transpacífico”.

 

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