Reino Unido: “Tenham vergonha!”

Marcha_Reino_Unido

Johnson suspendeu o Parlamento e centenas de milhares de pessoas manifestam-se espontaneamente, nas ruas de todas as grandes cidades, para defender a democracia. (1)

O golpe de força do Governo britânico ao decidir, a 28 de Agosto, suspender o Parlamento para impor um Brexit sem acordo (“no deal”) provocou a ira de milhões de pessoas que imediatamente saíram às ruas para protestar aos gritos de “Paremos o golpe, salvemos a democracia” e “Shame on you” (“Tenham vergonha!“).

Esta demonstração de força também mostra que, nos piores momentos de crise, a burguesia pode sempre contar com a Monarquia, a sua Câmara dos Lordes e os privilégios da Rainha para subverter a democracia. No entanto, o parlamentarismo britânico – um modelo de parlamento burguês e de estabilidade – raramente tem usado a Monarquia contra o Parlamento. Mesmo se a suspensão do Parlamento foi utilizada no século XX, por várias vezes, é realmente necessário voltar ao início do século XVIII para ver o Rei suspender o Parlamento, a fim de se opor abertamente à vontade dos parlamentares eleitos. A escolha de Johnson, contra a vontade da maioria dos deputados do seu Partido, já era sem precedentes no quadro do parlamentarismo britânico.

PREPARAR UM PROGRAMA DE GOVERNO

Mas não se trata apenas do Brexit, como disse Johnson, a suspensão tem a ver com a preparação do programa do seu Governo. Para a fracção do capital financeiro que decidiu romper com a UE para tentar chegar a um Acordo com os EUA, o Brexit necessita de um ataque sem precedentes aos direitos dos trabalhadores e aos serviços públicos, bem como contra todas as regulamentações que impõem uma limitação dos lucros.

Basta ter em conta, por exemplo, as ameaças de privatização acelerada do Sistema Nacional de Saúde (SNS) – ao abrigo de um acordo com os EUA – bem como o plano para aumentar a idade da reforma para os 75 anos, em 2035.

A imprensa acaba de publicar um Projecto de Lei sobre a Escola Pública, que visa proporcionar incentivos financeiros para a autonomização/privatização de todas as escolas, a fim de as dotar de um estatuto de academia ou escola autónoma, recrutando professores não qualificados e frequentemente geridos por empresas privadas.

Johnson também anunciou enormes reduções de impostos e de taxas, a abertura de dez portos francos no Reino Unido, para transformar o país num paraíso fiscal desregulamentado.

Mas a decisão de suspender o Parlamento está a acelerar a crise: por exemplo, o líder do Partido Conservador Escocês acaba de se demitir, em sinal de protesto.

Os círculos financeiros acreditam cada vez menos no bluff constante de Johnson. Eles querem, sobretudo, preservar a estabilidade dos mercados ameaçados pela recessão (queda do PIB britânico e alemão, no último trimestre). O risco de um colapso económico sem precedentes, a perspectiva da reunificação da Irlanda, ou de uma explosão do Reino Unido, são cada vez mais insuportáveis para o capital financeiro, que está dividido quanto à saída desta situação.

The Guardian, jornal da burguesia liberal, publicou um editorial, a 29 de Agosto, intitulado “Uma ditadura sem eleições“, que acaba assim: “Para parar uma saída (da UE) sem acordo, os deputados devem ser tão impiedosos quanto Johnson e estar preparados para derrubar o Primeiro-ministro e substituí-lo por outra pessoa, provavelmente Jeremy Corbyn.” No mesmo dia, o jornal do capital financeiro The Financial Times também publicou a sua posição editorial: “Aqueles que se opõem ao não-acordo devem pôr de lado as suas diferenças e votar uma moção de censura ao Governo. Isto é difícil de entender para os mais ardentes «continuístas» (2) Conservadores e outros (como os Liberais-Democratas), já que derrubar Johnson a tempo de influenciar o curso do Brexit exigirá a formação de um Governo técnico, sob a liderança do Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn, uma hipótese que eles temem e com razão. No entanto, a prioridade, acima de tudo, deve ser a salvaguarda da democracia britânica.”

UM GOVERNO DE UNIDADE COM CORBYN?

Na semana passada, Corbyn propôs aos Liberais, aos Verdes e aos Conservadores Pró-UE, bem como aos independentistas – Escoceses e Galeses – do SNP e do Plaid Cymru (3), que formassem um Governo de unidade para negociar um novo acordo com a UE. Todos querem evitar a possibilidade de um governo de Corbyn, pois ele continua a incarnar a resistência dentro do Partido Trabalhista e da base dos sindicatos, mas a burguesia – extremamente dividida – está com falta de soluções.

Que sentido teria um Governo de unidade com Conservadores e Liberais-Democratas pró-UE se não fosse a renúncia àquilo para que Corbyn foi eleito como líder do Partido Trabalhista? Poderá ser defendida a democracia se a votação de Junho de 2016, a favor da saída da UE, for desprezada?

Alguns, nomeadamente entre os dirigentes dos principais sindicatos, gostariam de combater Johnson em nome da defesa dos direitos alegadamente garantidos pela UE. Mas não há uma única declaração sindical a denunciar os projectos relativos às pensões de aposentação ou à Escola.

Não há nada mais urgente do que expulsar do poder Johnson e os Conservadores, através da luta imediata dos trabalhadores com os sindicatos, em defesa de todas as conquistas do SNS, das pensões de aposentação e das escolas, para abrir caminho a um governo de Jeremy Corbyn e do Partido Trabalhista, que rompa com as políticas dos Conservadores, dos Liberais, de Blair e de Brown, que renacionalize os serviços públicos, ponha fim aos contratos “zero horas” (4) e suprima todas as leis anti-sindicais.

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(1) Análise do nosso correspondente do Labour News, que é um Boletim editado por militantes do Labour Party (Partido Trabalhista) simpatizantes da 4ª Internacional.

(2) De remain: “ficar”. Os “Continuístas” são a favor da permanência na União Europeia.

(3) Trata-se do Partido Nacionalista Escocês (SNP), que – nas últimas eleições no Reino Unido – elevou a sua bancada na Câmara dos Comuns de 6 para 56 assentos, de um total de 59 reservados à Escócia. Plaid Cymru – O Partido do País de Gales, em inglês “The Party of Wales” – é um partido político de centro-esquerda do País de Gales, que tem como principal bandeira o estabelecimento do Estado independente Galês dentro da União Europeia.

(4) Isto significa que o trabalhador tem que estar sempre disponível para trabalhar quando a empresa precisa dele… mas só ganha as horas que está no serviço!

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