Coletes Amarelos: As suas Reivindicações Sociais e Políticas

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Erradicação da miséria sob todas as formas, renacionalização da energia, dos bancos, dos transportes, direito incondicional a habitação, serviços públicos gratuitos para todos, qualquer seja a sua nacionalidade…

Dissolução do Governo, refundação da nossa República pelas assembleias representativas do povo, eleitos revogáveis a todos os níveis, abolição dos privilégios dos “aristocratas do dinheiro público”…

Trata-se de uma subversão duradoura da vida política nacional, que começou com o levantamento dos Coletes Amarelos. Para centenas de milhares de oprimidos, de trabalhadores e de pobres o espartilho da “alternância” fraudulenta direita/esquerda voou em estilhaços. Eles caminham à descoberta da “democracia real”, que não pode nascer senão da abolição do Regime.

Duas Franças estão frente a frente, hostilmente: de um lado o poder, ou seja o Regime monárquico, instrumento da minoria dos multimilionários, rodeado pela sua classe política – partidos de Governo, privilegiados do Estado e dos grandes meios de comunicação –, um poder liberticida protegido por uma selvagem repressão; do outro, a maioria popular, que quer viver dignamente do seu trabalho, o que explica o apoio entusiástico aos Coletes Amarelos (tão forte que a Comunicação social não o pôde esconder) por parte dos explorados, dos pobres, dos reformados e de muitos democratas, indignados com a deriva totalitária e policial do Regime.

Numa primeira fase, em 2017, o quadro antigo da hipocrisia política foi duplamente dinamitado.   

A partir de baixo: 7 milhões de eleitores “insubmissos” viraram a mesa da “união da esquerda”, sancionando o quinquénio de Hollande (1), o seu servilismo abjecto face ao capital, os seus ataques reaccionários contra os direitos dos trabalhadores. De onde, o ódio rancoroso dos potentados do Sistema, acima de tudo, contra LFI (La France Insoumise – A França Insubmissa) e Mélenchon.

A partir de cima: o novo aventureiro político, fabricado e financiado para o Eliseu pelos multimilionários, foi obrigado a “partir” os partidos “opositores” e a formar o partido presidencial, com os seus restos, resíduos e membros amputados.

Ladrões e compadres de direita, de esquerda, do centro e Verdes pavoneiam-se, lado a lado, no Governo do presidente dos ricos, confirmando assim que as suas “oposições” de ontem não foram senão um logro, uma encenação para partilharem os privilégios do poder; as máscaras caiem.

Foi louvada a habilidade de Macron nesta intriga.

Mas quando se levantaram os Coletes amarelos, quando começou, no final de 2018, a segunda fase de levantamento dos oprimidos, não nas urnas mas nas ruas, o patronato compreendeu com angústia que “esta cólera não tem receptáculo na oposição” (jornal do capital financeiro Les Échos).

Demasiado tarde: os Coletes Amarelos derrubaram as barreiras institucionais e caminharam afoitamente em direcção aos centros do poder executivo, aos gritos de “demissão, destituição, o poder ao povo”.

“Quarenta anos de mentiras, de abandonos e de traições”

Em Janeiro de 2019 apareceu o Relatório “O Estado de Espírito de um Decénio Francês”, publicado pelo Centro de Estudos da Vida Política Francesa (Cevipof), informação rapidamente abafada. Não é de admirar. Eis as conclusões dos investigadores, sobre dez anos de inquéritos.

85% das pessoas consideram que “os responsáveis políticos não se ocupam delas” e 74% que eles são “maioritariamente corruptos”.  Os políticos oficiais defrontam-se com “79% de opiniões negativas” – desconfiança, aversão, tédio e medo. Uma excepção, neste desprezo geral pela hipocrisia do “pessoal político”: os presidentes de Câmara. Esta excepção confirma a regra, já que – exaustos, desmoralizados pela asfixia das comunas, recusando o jugo dos Prefeitos indicados pelo Eliseu (Governo) – metade dos presidentes de Câmara não se recandidata!

Os Coletes Amarelos exprimem, de forma clara, a opinião da maioria do povo quando declaram: “Os eleitos, que deviam servir os franceses, aproveitam o poder para se tornarem aristocratas do dinheiro público.”

“Há quarenta anos que, presidente atrás de presidente, eleições após eleições, as traições, as mentiras e os abandonos se sucedem.” (2)

Foi há quarenta anos o início das falsas “alternâncias”.

Renacionalizar! Restabelecer todos os serviços públicos!

A destruição e a privatização dos serviços públicos são um tema crucial para a indignação dos cidadãos: “Renacionalizemos e reconstruamos os grandes serviços do Estado: autoestradas, electricidade, gás, comboios,…”, dizem os Coletes Amarelos (GJ) de Puy-de-Dôme, da região do Haute-Loire.

“Nacionalização da energia, das autoestradas e dos bancos” (GJ de Saint-Nazaire). A mesma coisa nas famosas Directivas do Povo dos GJ de Sarthe.

Quais são os factos?

As autoestradas do Sul foram entregues aos capitalistas pelo Governo de “esquerda plural” de Jospin (1997-2002) e o seu ministro dos Transportes Gayssot (PCF). Eles privatizaram a Air France, cindiram a SNCF para preparar a sua abertura à concorrência, desejada pela União Europeia. Raffarin e de Villepin (primeiros-ministros sob a presidência de Chirac) concluíram a privatização das autoestradas, fonte de enormes lucros capitalistas; Hollande e Valls (seu primeiro-ministro) encarregaram-se de vender os aeroportos de província; Macron veio a seguir com o de Paris.

Foi Juppé (direita) que preparou a entrada em Bolsa da France Telecom, foi Jospin (PS-PCF-Verdes) que a realizou. (…) A abertura à concorrência da EDF e do GDF começou em 2000 (quando Jospin era primeiro ministro) e estas empresas públicas foram oferecidas aos banqueiros, por Chirac, em 2005.

O que dizer da longa cadeia de crimes de Estado que sacrificam a Saúde pública?

Desde a invenção por Miterrand (PS) e do seu ministro da Saúde, Ralite (PCF), do “orçamento global” – meio autoritário para asfixiar os hospitais – até aos fechos e reagrupamentos “rentáveis” de serviços, maternidades, onde se sucedem Aubry, Kouchner, Dufoix, Bachelot, Touraine, Buzyn, implacáveis a suprimir dezenas de milhar de camas e a estrangular a psiquiatria, trata-se de uma mesma “reforma” reaccionária, que resulta no escândalo das urgências e na consequente luta massiva do respectivo pessoal.

Contra os aposentados e reformados a cumplicidade é permanente e total, de Miterrand-Balladur a Rocard, a Fillon e a Macron…

A ADA (Assembleia Das Assembleias dos GJ) de Commercy exige “a igualdade e a consideração por todas e todos, qualquer que seja a sua nacionalidade”, “o aumento imediato dos salários e dos mínimos sociais, dos subsídios e das pensões de aposentação, o direito incondicional ao alojamento e à saúde, à educação, a serviços públicos gratuitos para todos”. Ela reivindica, longe dos “palcos televisivos e das pseudo mesas-redondas organizadas por Macron”, “a democracia real”.

O que resulta na exigência da revogação das leis e “reformas” do Regime, na reconquista dos direitos do povo. E levanta a questão das instituições políticas.

“Refundação da nossa República, revogabilidade dos eleitos a todos os níveis” (GJ de Saint-Nazaire)

É o próprio Regime que alimenta, na opinião pública, o desprezo por todos os partidos de Governo.

Em 2013, num país onde há 9 milhões de pobres a sofrer, numa cidade de Paris onde centenas de crianças dormem na rua, Hollande e o seu conselheiro Macron, no seu palácio, decretam a dispensa de impostos dos banqueiros, dos multimilionários do CAC 40 (3), o chamado crédito de imposto. Esta cobardia, esta prostituição ao capital financeiro que é o CICE (4), é aprovada e retomada em 2017 – com excepção de Mélenchon – pelos candidatos presidenciais Le Pen, Fillon, Hamon e, claro, Macron.

A França atravessa “uma imensa crise de soberania”, declaram os Coletes Amarelos.

O sufrágio universal, conquista democrática, pode ser aproveitado, de baixo, para inverter ou travar a acção deste ou daquele Governo, precipitando uma crise política favorável à luta social. Mas o “não”, espezinhado e traído, da maioria do povo francês em 2005, testemunha os limites desse meio (5).

Desde há muito tempo, o capital financeiro soube controlar os partidos de Governo, oferecendo aos seus dirigentes um modo de vida privilegiado, a melhor garantia para que esses “representantes” burgueses e pequeno-burgueses bem-sucedidos saibam conformar as suas ideias, os seus valores, ao interesse bem interiorizado da classe dominante, desprezando o mandato dos eleitores.

A esta doença infecciosa da democracia burguesa, a esta representação mentirosa e adulterada, os Coletes Amarelos opõem um remédio infalível, que está resumido em dois artigos:

1) Remuneração dos eleitos com salário médio (Directivas do Povo);

2) Refundação da nossa República pelas assembleias representativas do povo e revogabilidade dos eleitos a todos os níveis (formulação de Saint-Nazaire).

Estes são os princípios da Comuna de Paris. Depois da cruel experiência de quarenta anos de traições e de abandonos, existirá uma outra alternativa de “democracia real” ao apodrecimento das instituições, um outro meio de restituir o poder ao povo? Esta discussão diz respeito a todo o movimento operário.

Desde Janeiro de 2019, a ADA de Commercy pronunciou-se pela “greve massiva e prorrogável, construída na base pelos próprios grevistas”.

As reivindicações radicais dos Coletes Amarelos aumentam o fosso entre as forças da reacção e as da resistência; elas irrigam o movimento operário com um sangue novo; elas dão à reconquista da democracia o seu conteúdo de emancipação dos trabalhadores.

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(1) O mandato do Presidente da República, no sistema presidencialista francês, é de 5 anos.

(2) Conferência de imprensa dos Coletes Amarelos frente à sala do Jeu de Paume, a 15 de Dezembro de 2018. As citações deste artigo são extraídas desse documento, dos das ADA (Assembleia Das Assembleias) de Commercy e de Saint-Nazaire, das Directivas do Povo (Sarthe) e de outros textos de GJ publicados em “Les Gilets jaunes, documents et textes”, de Patrick Farbiaz.

(3) O CAC 40, cujo nome deriva da expressão Cotation Assistée en Continu (Cotação Assistida em Contínuo), é um índice bolsista que reúne as 40 maiores empresas cotadas em França.

(4) CICE é o acrónimo de “Crédito de Imposto para a Competitividade e o Emprego”.

(5) Trata-se do referendo à chamada “Constituição europeia”, que foi realizado em Maio de 2005, na França, e rejeitado por 55% dos votantes.

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Este artigo, da autoria de Michel Sérac, foi publicado publicada no semanário Informations Ouvrières – Informações operárias – nº 567, de 21 de Agosto de 2019, do Partido Operário Independente, de França.

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