Argélia, o processo revolucionário em curso

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Entrevista com a deputada Nadia Chouitem, do PT argelino, que renunciou ao mandato no Parlamento, publicada pelo jornal “O Trabalho” – cuja publicação é da responsabilidade da Secção brasileira da 4ª Internacional, na sua edição nº 845, de 11 de Abril de 2019.

Ouvimos a companheira Nadia Chouitem, que – no meio das enormes manifestações de massa que vêm ocorrendo neste país do norte de África – apresentou a sua renúncia à Assembleia Nacional, juntamente com os demais deputados do PT da Argélia (partido que é membro do Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos – AIT). Nadia, além de deputada eleita e agora demissionária, é médica e sindicalista no sector da Saúde.

O Trabalho (OT) – Por que é que os deputados do PT renunciaram aos seus mandatos parlamentares?

Nadia Chouitem – A renúncia da bancada parlamentar do PT foi decidida pela Direcção do partido. Consideramos que estamos perante um processo revolucionário, com milhões de cidadãos a manifestarem-se pelo fim do sistema político argelino e os seus símbolos – a saída do Presidente e de todo o Governo – bem como a dissolução do Parlamento, para que o povo possa exercer a sua soberania. Se dantes o PT utilizava o Parlamento como tribuna de expressão, agora não pode mais fazê-lo, pois foi o próprio Parlamento que impôs – em conjunto com o Conselho constitucional e o Exército – o presidente do Senado como chefe de Estado por 90 dias para preparar eleições presidenciais, contra a vontade expressa de milhões de argelinos que saíram às ruas.

OT – Como se desenvolve a mobilização do povo argelino?

Nadia – Desde 22 de Fevereiro as manifestações não param de crescer. As reivindicações são políticas e concentram-se no derrube de todo o sistema. Mas também se exige o julgamento dos corruptos e a reapropriação colectiva dos bens e fundos desviados.

Os jovens e os estudantes estão na vanguarda. Diversas categorias profissionais entraram neste movimento revolucionário: trabalhadores dos sectores público e privado, advogados e juízes, artistas, jornalistas. Todas as sextas-feiras (1) ocorrem marchas populares de milhões ao longo do país, mesmo nas pequenas cidades, e todas elas são pacíficas, unitárias e com forte presença das mulheres. A sétima manifestação ocorreu a 5 de Abril e chegou a mobilizar 25 milhões de argelinos (2), logo após a renúncia de Bouteflika à presidência.

A 9 de Abril, data da nomeação do Presidente interino, centenas de milhares de estudantes manifestaram-se em todas as cidades universitárias para dizer: “Não! Fora com o sistema!”. Na capital, Argel, a marcha foi reprimida e houve prisões. Apesar disso, os estudantes não se dispersaram. O Governo quer proibir as marchas, durante a semana, mas elas continuam e, para 10 de Abril, a Confederação dos Sindicatos Argelinos – nova Central sindical em construção, com 13 sindicatos nacionais – convocou uma greve geral e uma marcha para Argel.

OT – Qual é a saída política para a situação?

Nadia – O PT propõe a organização de comités populares, entrando no debate geral com a defesa da eleição de delegados desses comités que lutem por uma Assembleia Constituinte Soberana. Pensamos que é necessária uma Direcção, mandatada pelo movimento revolucionário em curso, para se ocupar inclusive das questões públicas, de forma transitória, até à instalação da Assembleia Constituinte. Os cidadãos discutem nas ruas, nas universidades e nos locais de trabalho, procurando um quadro para expressar as suas reivindicações. Estamos numa fase de debate e de auto-organização.

Ao mesmo tempo, o Regime continua de pé, com os partidos – ditos “da oposição” ou “da situação” – e o Exército a agirem para acelerar a realização de eleições presidenciais. O seu objectivo é preencherem o vazio institucional e manterem o sistema actual, que é rejeitado pela esmagadora maioria do povo. A repressão das marchas começou e o Exército intromete-se na política, exigindo uma “solução constitucional”, isto é, no quadro do sistema. A mobilização prossegue e o povo está determinado a manifestar-se, de forma pacífica, de modo a evitar derrapagens e provocações. A solidariedade é muito forte, fazendo evoluir o processo revolucionário.

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(1) Que nos países de maioria muçulmana, como a Argélia, correspondem ao domingo.

(2) A Argélia tem cerca de 41 milhões de habitantes!

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