Argélia: Com milhões a sair às ruas, Presidente desiste do 5º mandato

Algerian Anti Bouteflika protest in Paris

Transcrevemos uma reportagem publicada no semanário do Partido Operário Independente (POI) francês, Informations Ouvrières (Informações operárias), nº 544, de 14 de Março de 2019.

Uma nova situação está aberta na Argélia. Antiga colónia francesa, tendo conquistado a independência após uma guerra que se estendeu de 1954 a 1962, o país ocupa importante lugar no norte da África. Está às portas da Europa, tem grandes reservas de gás e de petróleo, e vem servindo de barreira aos diversos grupos de mercenários e terroristas que, patrocinados directa ou indirectamente pelo imperialismo, agem para desestabilizar a região.

No dia 11 de Março, após semanas de mobilização popular, foi divulgada uma carta atribuída ao actual Presidente da República, Abdelaziz Bouteflika, anunciando que – sensível às exigências das ruas – não vai concorrer a um quinto mandato presidencial.

Dirigida “aos concidadãos”, a carta afirma que Bouteflika espera, deste modo, “apaziguar os ânimos e abrir caminho para restabelecer a serenidade e preparar, o mais rapidamente possível, o advento de uma nova era na Argélia”.

Ainda segundo a carta, as eleições previstas para 18 de Abril estão adiadas. Uma Conferência Nacional “inclusiva e independente” será convocada e disporá de todos os poderes para elaborar uma nova Constituição – que será submetida a referendo popular – e definir a nova data das eleições presidenciais.

Reproduzimos aqui informações e posições compartilhadas pelo Partido dos Trabalhadores da Argélia, que é uma das organizações coordenadoras do Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AIT).

Regime rejeitado pela maioria

No dia seguinte (12 de Março) à divulgação da carta atribuída a Bouteflika, um comunicado do Partido dos Trabalhadores da Argélia (PT-A) afirmava: “Na realidade, de acordo com o esquema do presidente, enquanto se aguarda a dita Conferência Nacional auto-nomeada, o mesmo sistema político totalmente rejeitado pela maioria continuará a espoliar o país, em benefício da oligarquia predadora e das máfias, que arruínam a nação (…). Decidir hoje que as próximas eleições serão presidenciais, não confirma que o povo está sendo excluído da definição da natureza do regime a ser estabelecido? Mais claramente, isso não reflecte a intenção de manter o mesmo regime presidencialista antidemocrático?

A rejeição do actual Parlamento servil foi claramente expressa nas mobilizações, que colocaram a questão da representação política, da transformação da imunidade parlamentar em impunidade, da interligação entre os negócios e as instituições… Então, este Parlamento pode continuar a legislar?”

De facto, a questão que está colocada é a da manutenção do regime e de todas as suas instituições. No mesmo dia 12 de Março, ao mesmo tempo que comemoravam o recuo do regime, os estudantes e os seus professores manifestaram-se aos milhares, em todas as cidades da Argélia, com as palavras de ordem: “Não ao prolongamento do mandato!”, “Não ao 4º+”, exprimindo a recusa em aceitar a preservação de um regime rejeitado pela massa dos argelinos. Pois, como todos sabem, há várias semanas milhões e milhões se têm manifestado, em todo o país, contra o regime e não apenas contra um quinto mandato.

Esta mobilização massiva abriu uma crise sem precedentes no seio do regime. As associações de “mujahidin” (antigos combatentes da guerra contra o colonialismo francês) e também conhecidos políticos – que, de início, apoiavam o quinto mandato – foram arrastados pela força do movimento e mudaram de posição.

Contra a política do Secretário-geral da UGTA (União Geral de Trabalhadores Argelinos), de apoio ao quinto mandato, muitas instâncias desta União – como o Sindicato Departamental de Tizi Ouzou ou o Sindicato Local de Rouiba (da Grande zona industrial de Argel) – posicionaram-se a favor dos manifestantes. Estas fracturas também estão a ter lugar dentro do Exército e da Polícia. É nessas condições que os círculos dirigentes do poder procuram uma saída para a crise, tentando preservar o regime vigente.

Aquando da divulgação da carta, o Presidente da França, Emnanuel Macron, mostrou o seu apoio ao regime argelino, declarando-se favorável a uma “transição democrática”.

A questão da Assembleia Constituinte no centro da mobilização popular

Como afirma a Declaração do PT-A: “De facto, para a esmagadora maioria do povo, um quinto mandato concentra a vontade de manter o sistema político vigente, autoritário e putrefacto, herdado do sistema de Partido único e que se está ao serviço da minoria rica, predadora, organizada em oligarquia.

A questão da soberania do povo esteve no centro da grandiosa mobilização realizada pela esmagadora maioria.

A questão da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) foi colocada na mobilização como o instrumento para garantir a soberania do povo, pois permite associar todas as componentes da sociedade no debate e na elaboração da nova Constituição, ou seja, na definição da forma e do conteúdo das instituições de que a sociedade necessita para exercer a sua plena soberania.”

O comunicado do PT-A ressalta, com toda a razão, que o objectivo de uma Assembleia Constituinte é definir a forma e o conteúdo das instituições, pondo em causa o regime e todas as suas contra-reformas, a renacionalização do que foi privatizado, o aumento dos salários, a luta contra a corrupção e todas as medidas sociais e económicas exigidas pelo povo argelino.

E a seguinte questão é apresentada: “A convocação de uma Conferência Nacional não eleita poderia incarnar a vontade popular? Poderia tal Conferência se autoproclamar como representativa, soberana e ser dotada de poderes constituintes sem mandato popular?”

De facto, como insiste a Declaração do PT argelino, é de imediato que devem ser tomadas medidas de emergência para responder às aspirações do povo argelino e não através de uma perspectiva hipotética, organizada por uma Conferência Nacional, para prolongar o quarto mandato e preservar a manutenção do regime vigente. O que a população exige são medidas de emergência, imediatas.

Nesse sentido, o comunicado ressalta que “para o PT-A, somente a continuação da mobilização pacífica é capaz de impedir qualquer manobra que vise contornar a soberania do povo que deseja impor todos os seus objectivos democráticos, económicos e sociais. E, assim como a juventude e as mais amplas camadas da população souberam preservar a segurança nacional – e, portanto, a soberania nacional – pelo carácter pacífico das suas marchas, elas terão a força para abrir perspectivas reais à nação.”

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