
A 1 de Janeiro de 1959, Havana era ocupada pelo Movimento 26 de Julho, dirigido por Fidel Castro.
Numa altura em que forças à conta do imperialismo foram rechaçadas na sua tentativa de impor um “golpe de Estado constitucional” na Venezuela, com Trump a ameaçar invadir também Cuba, de novo, considerámos importante relembrar o modo como foi desencadeada a revolução cubana e, nomeadamente, o papel desempenhado pela população da ilha para a vitória dessa revolução.
A revolução cubana marcou profundamente a história recente da América Latina e inspirou a luta anti-imperialista noutras partes do mundo. Há 60 anos, Cuba era uma semi-colónia dos EUA, um paraíso para todo o tipo de máfias e dirigido, com mão-de-ferro, pela ditadura de Fulgencio Batista.
Para registar esse aniversário, publicamos um condensado do artigo de François Péricard no jornal do POI francês, Informations Ouvrières (Informações operárias), nº 539, de 7 de Fevereiro deste ano.
Uma revolução operária e camponesa
Ainda no início de 1960, Fidel Castro e os outros dirigentes do Movimento 26 de Julho declaravam situar-se nos limites do regime capitalista. Entretanto, muito rapidamente, o imperialismo dos EUA e a burguesia latifundiária cubana seriam expropriados.
Segundo muitas análises e comentários sobre a revolução cubana, poderia parecer que a destruição do regime de Batista, a entrada das colunas rebeldes em Havana e, depois, a expropriação dos capitalistas, teriam sido o resultado de algo que veio de cima para baixo, ou teriam sido dados ao proletariado e às massas camponesas de Cuba por Fidel Castro e o Movimento 26 de Julho. Nada é mais falso.
É exactamente o inverso: o movimento de massas levou o processo revolucionário muito mais longe do que pensavam ou queriam, inicialmente, Fidel Castro e os seus camaradas.
Recordemos que o próprio nome da organização “Movimento 26 de Julho” foi dado em razão da derrota da tentativa de derrubar, em 1953, a ditadura de Batista através de um golpe-de-mão, que era tomar o quartel de Moncada, e que terminou com um massacre dos atacantes.
A 2 de dezembro de 1956, o desembarque do iate Granma foi outra derrota, como o próprio Fidel escreveu: “Desembarcámos com 83 homens e sofremos imediatamente um primeiro revés… Poucos camaradas tombaram durante esse ataque governamental, mas o grupo foi inteiramente dispersado. Comigo só restaram dois homens e suas espingardas; com meu irmão Raul, oito homens e sete espingardas… Muitos camaradas foram feitos prisioneiros pelo Exército e assassinados”.
Os sobreviventes conseguiram chegar à serra Maestra, onde já havia grupos de guerrilha, graças à ajuda de camponeses. A 28 de Janeiro de 1957, uma greve paralisou as cidades de Manzanillo, Bayamo, Centramestra e Santiago de Cuba. Fidel Castro pôde reconstituir o seu grupo, graças ao apoio dado pelas organizações do “26 de Julho”, existentes nas cidades e sobretudo no campo.
O papel do movimento de massas
A acção de Castro e do “26 de Julho” decorreu do impasse do regime de Batista, do seu apodrecimento e do despertar de um poderoso movimento de massas, de início no seio dos camponeses, mas que também se desenvolveu nas cidades.
A 9 de Abril de 1958, após o assassinato de Franco País, dirigente do “26 de julho”, estoirou uma greve geral em Santiago de Cuba contra a ditadura. O seu fracasso não contradiz, de modo nenhum, esta constatação. Lançado, arbitrariamente, pelo Movimento “26 de Julho”, este apelo à greve chocou-se com a oposição e a sabotagem do partido estalinista cubano, à época chamado Partido Popular Socialista.
O Exército de Batista contava com 70 mil homens bem armados. O exército rebelde e as milícias populares não passavam de 5 mil homens mal-armados, muitos sem espingarda, em todo o país e já no final da luta. Mas o Exército de Batista era incapaz de travar o menor combate sério, pois o Exército é um reflexo da sociedade: a sua decomposição traduz o apodrecimento dessa sociedade.
A greve operária nacional durou quase uma semana, sendo um factor decisivo para a vitória ao aniquilar as tentativas de golpe militar, apoiado pelos EUA. e consolidar o novo poder revolucionário.
Um testemunho directo
No seu “Diário da Revolução Cubana”, Carlos Franqui relata os momentos finais da tomada do poder, assim que se soube da fuga de Batista da ilha, na madrugada de 1 de Janeiro de 1959:
“Pedimos às estações de rádio de Havana que se sincronizassem connosco… Às 11 horas da manhã, Fidel chegou à estação de rádio e fez o seu discurso ao povo: alertou para o perigo de golpe militar, pediu que fosse declarada a greve geral revolucionária, ordenou às colunas rebeldes que avançassem e pediu ao povo de Santiago de Cuba para se preparar para a batalha imediata. De facto, ele ratificou o que havíamos sugerido numa primeira proclamação (…). No dia seguinte, 2 de Janeiro, proclamou-se Urrutia presidente, na Universidade de Santiago; nessa noite Fidel discursou: «Desta vez é a revolução mesmo».”
Para entender a importância decisiva da greve geral, é preciso dizer que, quando o general Cantillo fez a sua tentativa de golpe militar, ele contava com o apoio da sempre poderosa Embaixada dos EUA, da Corte Suprema, das classes ricas do país, dos velhos políticos, da Igreja católica, da imprensa tradicional e dos sectores conservadores, tendo ao seu serviço o Exército, a Polícia e os corpos repressivos da ditadura.
A greve geral pesou, de modo decisivo, para desarmar psicologicamente os militares, da mesma forma que a recusa maciça do povo de votar nas eleições de 3 de Novembro de 1958 (80% de abstenção, sendo o voto obrigatório).
A greve geral foi o instrumento da vitória, o Movimento “26 de Julho” a sua coluna vertebral em todo o país e Fidel Castro o seu líder incontestado.