Desde 31de Janeiro, os enfermeiros dos blocos operatórios estão em greve face à recusa do Ministério da Saúde em responder às suas reivindicações. Eles exigem, em particular, um aumento significativo das remunerações em início de carreira, para todas as categorias de enfermeiros, e o descongelamento das progressões na carreira para o conjunto da profissão.
Uma greve com uma dimensão inesperada
Esta decisão de fazer uma greve prolongada foi tomada após o fracasso de duas reuniões de negociação com o Governo, a 17 e 30 de Janeiro, entrecortadas por quatro jornadas de greve. Uma greve “selvagem e ilegal” ripostou, de imediato, o Primeiro-ministro socialista António Costa. Na realidade, ninguém tinha previsto esta greve longa. O movimento não foi feito ao apelo de nenhuma das duas confederações sindicais (CGTP e UGT). Ele traduz a dimensão da cólera dos profissionais do sector e a degradação das condições de trabalho em detrimento dos doentes. Segundo a Ordem dos Enfermeiros, em 2018 não foram pagas dois milhões de horas ao pessoal da enfermagem. A proporção de enfermeiros do Serviço Nacional de Saúde (SNS), comparada com o total da população, é uma das menores em relação aos outros países da OCDE: 4,3 por 1000 habitantes (1). “O que mais me entristece é que muitas pessoas pensam que os utentes (do SNS) são prejudicados por nós, em virtude da greve. Não se trata disso, pois nós lutamos para que eles tenham condições dignas”, declarou Margarida Cardoso, enfermeira (revista Visão, 9 de Fevereiro).
O Governo decretou a requisição civil
A 7 de Fevereiro, o Governo decretou a requisição civil, enquanto a Ordem dos Enfermeiros e os sindicatos que apoiam a greve asseguram que os serviços mínimos estão a ser respeitados nos dez hospitais em que há paralisação dos enfermeiros dos blocos operatórios. Nesse mesmo dia, o Partido Socialista disse que iria propor um Projecto-lei visando a proibição de contribuições anónimas a partir de plataformas de financiamento colaborativo na Internet (“Crowdfunding”).
Com efeito, por iniciativa de um grupo de enfermeiros, mais de 780 mil euros de apoio à greve foram recolhidos através da Internet. O Vice-presidente do Grupo parlamentar do PS justifica, assim, este Projecto-lei: “Todos os portugueses devem saber se alguma coisa ou alguém quer enfraquecer o Serviço Nacional de Saúde. A grande questão é quem (e como) financia esta greve cirúrgica.” Há muitos boatos sobre a participação de grupos privados que, supostamente, financiariam a greve.
A greve, que poderá prosseguir pelo menos até 28 de Fevereiro, divide as fileiras políticas
Mais de 60% dos eleitores do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda dizem ser opostos à requisição decretada pelo Governo para intimidar os grevistas (sondagem CM/Aximage). O PCP, ao mesmo tempo que apela ao necessário diálogo, manifesta “a sua inquietação quanto à acção em curso que, invocando o direito à greve, tem repercussões sobre as operações cirúrgicas em certos hospitais.” (Comunicado de imprensa do PCP, 7 de Fevereiro). Catarina Martins, Coordenadora nacional do Bloco de Esquerda, questionava a 8 de Fevereiro a multiplicidade das reivindicações. Desde o primeiro dia de greve, o Presidente do PSD (da Direita) insurgiu-se: “A greve, como está a ser desenvolvida, é altamente questionável”.
O “bom aluno” da Europa está fragilizado
Trata-se de um braço-de-ferro em que está empenhado o governo PS de António Costa, a alguns meses das eleições europeias e legislativas. Incensado pela imprensa internacional, apresentado como um modelo de Governo “de esquerda”, apoiando-se umas vezes no PCP e no Bloco de Esquerda, e outras nos partidos da Direita parlamentar, esse Governo choca-se sistematicamente com a resistência dos trabalhadores.
Ele é obrigado a voltar à mesa das negociações, nos próximos dias, com as organizações sindicais dos professores que continuam a exigir a recuperação de mais de 9 anos de congelamento das progressões na carreira.
A 15 de Fevereiro, jornada nacional de greve na Função Pública, as organizações sindicais indicaram que houve 80% de grevistas, em particular nas escolas, nos hospitais e nas Finanças – nomeadamente pelo aumento dos salários, congelados desde 2010.
Como em todos os outros países da Europa submetidos à pressão do capital financeiro, os trabalhadores procuram as vias para ganharem as suas reivindicações, para defenderem e reconquistarem todos os direitos conquistados pelo seu combate de classe.
Sébastien Ribeiro (2)
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(1) De 2011 até ao final de 2018, o número de enfermeiros e de pessoal auxiliar do SNS diminuiu mais de 20%.
(2) Artigo sobre a situação política no nosso país, escrito por este camarada professor e dirigente sindical de ascendência portuguesa, residente em Paris, e que foi publicado no semanário Informations Ouvrières – Informações operárias – do Partido Operário Independente, de França, nº 541, de 20 de Fevereiro de 2019.