
Jeremy Corbyn dirigindo-se aos delegados do Partido Trabalhista, a 26 de Setembro, em Liverpool.
Reproduzimos um artigo publicado no início de Outubro de 2018 no Labour News, que é um Boletim editado por militantes do Partido Trabalhista (Labour Party) que são simpatizantes da 4ª Internacional.
Uma semana após aquilo a que toda a imprensa nacional e internacional chamou “a humilhação de Salzburgo” (local onde foi realizada a última Cimeira da União Europeia), Theresa May tem de enfrentar o seu próprio Partido, aquando do Congresso anual que terá lugar em Birmingham.
No dia da abertura do Congresso, o jornal The Observer relata: “Alguns dias antes de uma Cimeira-chave da União Europeia sobre o Brexit, as discussões em Birmingham irão ser centradas pelos planos e contra-planos, nenhum deles sendo verdadeiramente realista. O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, aparece como querendo sacrificar o Acordo de paz na Irlanda do Norte para satisfazer as suas próprias ambições pessoais de acesso ao Número 10 (a residência do Primeiro-ministro do Reino Unido, NdT). Enquanto os diversos concorrentes se empurram para tentar ocupar um lugar no pódio, a ameaça de ver o Reino Unido sair de modo catastrófico da UE sem acordo aumenta todos os dias.”
Um Governo à beira do abismo
Enquanto há apenas algumas semanas, Barnier – negociador da UE para o Brexit – declarava que já havia um acordo a 80% com o Reino Unido sobre as modalidades de saída da UE, os chefes de Estado dos países da UE exprimiram, secamente, a sua recusa em relação ao chamado “plano Chequers” que lhes foi apresentado pelo Reino Unido. Aliás não podia ser de outro modo, pois o plano de May exigia um acesso selectivo e sem condições ao Mercado Comum e não dava nenhuma resposta à questão da fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte ocupada. Este episódio demonstra, também, a própria crise interna que dilacera as instituições da UE e os governos dos seus países-membros. O Governo conservador do Reino Unido está preso por um fio, ameaçado a todo o momento por profundas divisões internas.
O Partido Trabalhista está prestes a tomar o poder e a aplicar o seu programa
Uma semana antes, em Liverpool, o Congresso do Partido Trabalhista reuniu 13 mil pessoas, um número histórico, entre os quais havia 1650 delegados eleitos pelos comités locais representando os cerca de 540 mil aderentes (note-se que eram menos de 200 mil em 2010). Estavam também representados os sindicatos aderentes do Partido que detêm 50% dos mandatos no Congresso.
A direita “blairista” do Partido pretendia dividi-lo, utilizando a questão de um novo referendo sobre o Brexit. As demissões de alguns deputados, verificadas ultimamente, deixavam a suspeita de um plano visando reagrupar toda a direita do Partido para uma eventual cisão.
No entanto, a Resolução adoptada por uma grande maioria dos delegados afirma: “O acordo sobre o Brexit que Theresa May pretende é uma ameaça para o emprego, a liberdade de circulação, a paz na Irlanda do Norte e o Serviço Nacional de Saúde (NHS). O Brexit dos Tories (Conservadores) é sinónimo de futuros acordos comerciais duvidosos e de uma desregulamentação à americana, constituindo portanto um atentado aos nossos direitos, às nossas liberdades e à nossa prosperidade.
O Congresso assinala que o Partido definiu seis testes robustos para avaliar o acordo final sobre o Brexit. O Congresso considera que os deputados trabalhistas devem votar contra qualquer acordo dos Conservadores que não responda a estes critérios (…).
Se o Parlamento votar contra um acordo com base no «Brexit tory» ou se as conversações terminarem sem acordo, o Congresso considera que isso constituiria uma perda de confiança no Governo. Nestas circunstâncias, o melhor resultado para o país é a realização imediata de eleições gerais capazes de expulsar os Conservadores do poder (…).
O Partido Trabalhista formará um Governo radical que taxará os ricos, para financiar melhores serviços públicos, desenvolverá a propriedade comum, abolirá as leis anti-sindicais e fará investimentos públicos massivos.”
“A via a seguir é clara. votaremos contra qualquer redução dos direitos”
No seu discurso de encerramento, Jeremy Corbyn recordou: “A nossa prioridade é clara: procuramos obter o melhor acordo possível sobre o Brexit – em matéria de empregos e de níveis de vida – a fim de sustentar os nossos planos de relançamento da economia e de investir em cada comunidade e região.
A via a seguir é clara. Votaremos contra qualquer redução dos direitos, das normas ou das protecções e opor-nos-emos a uma fuga para a frente na desregulamentação. Permitam-me que diga isto ao país. No estado actual da situação, o Partido Trabalhista votará contra o plano de Chequers – ou o que dele restar – e opor-se-á à ideia de sair da UE sem acordo.”
Dirigindo-se a May, ele concluiu: “Mas se vocês não podem negociar este acordo, devem ceder o lugar a um Partido que pode fazê-lo.”
Notemos, ainda, que o Congresso adoptou uma mudança da regra facilitando a substituição de deputados em final de mandato por novos candidatos. Mesmo se muitos dos delegados teriam querido ir mais longe nesta mudança, a nova regra vai permitir de facto aos militantes substituir os deputados do Partido Trabalhista que, durante anos, votaram e aplicaram as medidas de austeridade dos Conservadores.
Contra aqueles que queriam opor os delegados sindicais aos delegados dos comités locais, as principais Resoluções foram adoptadas por uma grande maioria dos delegados.
A direcção indicada é clara: mobilizar todo o Partido para derrotar os Conservadores, para acabar com “oito anos de austeridade destrutiva e de subcontratação obsessiva”.
Mobilizar para um governo do Partido Trabalhista que renacionalize os caminhos-de-ferro, a água e os Correios; um governo do Partido Trabalhista que implemente “a maior extensão dos direitos operários deste país”, como o declarou o deputado trabalhista John McDonnell, quer dizer que acabe com os contratos a horário-zero (1), com a precariedade do auto-empreendedorismo e as leis anti-sindicais; um Governo que restabeleça um Serviço Público de Saúde e, como anunciou a deputada trabalhista Angela Rayner, responsável pelas questões da Educação, que ponha fim ao programa das escolas livres e retome o controlo das academias em vias de falência (escolas privatizadas, várias delas estando de facto em falência).
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(1) Trata-se de um modelo onde os empregados não têm obrigação de cumprir um determinado número de horas, mas devem estar disponíveis sempre que a empresa precisar deles.