Nicarágua na encruzilhada, 39 anos após a revolução: Ortega dialoga com os empresários e a Igreja, enquanto reprime mobilizações (1)

Manif_Nicaragua

Manifestação em Manágua, capital do país, a 29 de Junho.

A 19 de Julho completaram-se 39 anos da revolução dirigida pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), que tinha entre os seus comandantes Daniel Ortega. Hoje, o seu Governo reprime mobilizações populares em cidades como Masaya, um dos bastiões da revolução de 1979.

Desde 19 de Abril, quando foi anunciada uma reforma da Previdência (Segurança Social) acordada com o FMI, depois retirada pelo Governo perante os protestos, prosseguem as mobilizações pedindo a saída do casal presidencial Daniel Ortega e Rosário Murillo.

A repressão feita pela Polícia e pelas milícias armadas pró-Governo provocou mais de 300 mortos, em três meses. Em paralelo, foi montado um “diálogo nacional” com a Aliança Cívica (oposição dominada por empresários) e a mediação da Igreja católica, mas Ortega recusa-se a antecipar eleições ou a renunciar.

Como se chegou a essa situação?

Se o Ortega de hoje não se parece ao do passado, tampouco a FSLN actual é a mesma de 1979. O Governo saído da revolução fez as suas primeiras eleições em 1984, com a FSLN com 67% dos votos. Mas, até 1988, os EUA armaram e financiaram os “contras” – mercenários que agiam, a partir das Honduras, contra o Governo eleito. Foi também o período da reforma agrária e de melhorias sociais para o povo.

Em 1990, após o Acordo que colocou um fim aos “contra”, novas eleições foram ganhas pela oposição pró-imperialista (54% dos votos), iniciando uma década de governos de Direita.

Ortega, desde 1995, livra-se de sectores críticos da própria FSLN e faz um Acordo com o Partido Liberal, de Arnoldo Alemán (ex-Presidente e ex-“contra”), de partilha de cargos em órgãos judiciais e eleitorais. Também se aproxima da cúpula da Igreja, o que levará à revogação da Lei do aborto, legal no país desde 1912.

Com essa aliança, Daniel Ortega volta à Presidência em 2006 (38% dos votos) e é reeleito em 2011 (62% dos votos), beneficiado pelo apoio da Venezuela (petróleo) que lhe permitiu fazer obras e restabelecer a gratuidade no Ensino e na Saúde. Em 2016, com a sua esposa Rosário Murillo como vice-Presidente, ele obtém 72% dos votos.

Com a FSLN dominada pela sua camarilha, Ortega fez uma aliança com o Conselho Superior da Empresa Privada (COSEP), sustentada pelos EUA que passam a ter uma presença directa no combate ao tráfico de drogas no país. Uma viragem à direita, confirmada com a concessão da construção de um canal interoceânico ao capital privado, que gerou protestos de camponeses em 2014, bem como de trabalhadores dos sectores das minas, das florestas e de áreas pesqueiras (onde a família presidencial tem importantes interesses).

E agora?

Actualmente, o governo Ortega tem sido posto em causa por grandes mobilizações, cuja composição é heterogénea: estudantes, empresários, mas também sectores populares e dissidentes sandinistas. O governo de Trump e a OEA (Organização dos Estados Americanos) pressionam para que haja eleições antecipadas, enquanto o Patronato local abandona o barco de Ortega.

O Governo afirma ter a maioria ao seu lado, acusando os manifestantes de “golpe” contra o seu mandato (que iria até 2022). O Fórum de São Paulo (que reúne partidos de esquerda da América Latina) deu o seu apoio a Ortega. Mas se for um facto tratar-se de uma minoria manipulada, como diz o Governo, por que é que ele não faz o que Maduro fez na Venezuela – dar a palavra ao povo através de uma Assembleia Constituinte?

Trata-se de uma situação difícil, que não será resolvida no “diálogo” com a oposição e o imperialismo (através da OEA). É preciso o fim da repressão, a liberdade dos presos e a punição de assassinatos, venham de onde vierem, como condição para uma saída política.


(1) Artigo de Lauro Fagundes do jornal “O Trabalho”, edição nº 832, de 26 de Julho de 2018. A sua publicação é da responsabilidade da Secção brasileira da IVª Internacional (cujos militantes fazem parte da Corrente do Partido dos Trabalhadores – PT, com essa mesma designação).

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