
Na sua tomada de posse, o Secretário-geral do PSOE Pedro Sánchez jura defender a Constituição franquista, perante o Rei do Estado espanhol.
Têm-nos dito que o novo Governo, liderado por Pedro Sánchez (Secretário-geral do PSOE), irá governar “à portuguesa”. Independentemente do que isso possa significar, qual é a realidade no Estado espanhol? Transcrevemos a análise do POSI (Partido Operário Socialista Internacionalista, Secção espanhola da IVª Internacional) sobre a situação actual, publicada na sua Carta semanal nº 681, de 4 de Junho de 2018.
A queda de Rajoy aprofunda a crise do Regime monárquico: os trabalhadores e os povos necessitam de exigir as suas reivindicações, há tanto tempo negadas, mas o capital (com a ameaça do prémio de risco sobre o défice público) e o aparelho de Estado exigem que se mantenham todos os cortes e contra-reformas, e que se manobre para negar o direito a decidir.
A 1 de Junho, o Congresso de Deputados, por 180 votos contra 169, votou a moção de censura apresentada por Pedro Sánchez em nome da bancada socialista, que por fim aglutinou a maioria, porque o PP era insustentável e não havia sequer condições para que Ciudadanos enfrentasse as exigências sociais e nacionais, como alguns sectores do capital defendiam.
No entanto, há que precisar: antes deste voto, o governo de Rajoy já era minoritário na sociedade, encontrava-se profundamente assediado pela resistência dos trabalhadores e dos pensionistas, e confrontado com as aspirações nacionais dos povos (com o catalão em primeiro lugar). Era um Governo corroído pela corrupção, depois de quase 6 anos de medidas anti-operárias e anti-democráticas, de reformas laborais, leis limitando a liberdade de expressão, perseguição de sindicalistas. Era um Governo que, pela primeira vez, colocou centenas de sindicalistas no banco dos réus por fazer greve e que – com o seu “Não” às exigências económicas e políticas – levou à revolta do povo catalão, mas foi incapaz de articular a frente anti-catalã como lhe exigia o Rei e todo o establishment.
Em definitivo, foi um governo “sacrificado” pelos poderes que estão por detrás da Audiência Nacional (que ditou a sentença sobre o caso Gürtel, a 25 de Maio, condenando o PP como uma máquina de fraude e extorsão, quando estão ainda pendentes vários julgamentos com acusados do PP).
A queda de Rajoy soma-se à crise de todos os governos e regimes europeus, confrontados à resistência dos seus povos, fartos de austeridade e de medidas anti-operárias. Caiu outro firme defensor dos interesses do capital financeiro, dos privilégios e das arbitrariedades das instituições herdadas do franquismo, tendo no tôpo a Monarquia restaurada pelo ditador e aceite pelo PCE, o PSOE, o PNV (Partido Nacionalista Basco) e CDC (Convergência Democrática da Catalunha), nos Pactos da Moncloa de 1977.
Cai outro súbdito fiel dos planos dos EUA, das suas aventuras militares, dos seus cercos a nações amigas (como a Venezuela). Cai outro fiel administrador das directivas da União Europeia, do FMI, das instituições internacionais do capital financeiro.
Os trabalhadores e povos de toda a Europa, que enfrentam os seus próprios governos reaccionários, perguntam-se: Qual será o próximo?
E agora?
Passando por Madrid e Bilbao, de norte a sul, a população trabalhadora respira aliviada. Todos os povos deste país, em primeiro lugar o povo catalão, respiram satisfeitos, embora sem dúvida com uma confiança limitada em relação ao novo Governo encabeçado por Pedro Sánchez. No entanto, os presos continuam nos cárceres, e sobretudo o Regime monárquico agonizante é incompatível com uma solução baseada no direito a decidir.
A CEOE (Confederação do Patronato) e a Banca apressaram-se a exigir publicamente, ao novo Governo, que não revogue a reforma laboral nem toque nas principais contra-reformas e cortes de Rajoy. Pelo contrário, a Plataforma em defesa das pensões de aposentação, vozes destacadas dos sindicatos e a própria voz da rua exigem ao Governo que rompa, a sério, com a era Rajoy, que revogue as reformas laborais e das pensões (o que é incompatível com as exigências prioritárias do capital), a LOMCE (Lei para a melhoria da qualidade educativa), a Lei- Mordaça (de ataque à liberdade de expressão), os cortes feitos aos funcionários públicos e todos os outros cortes. Logo à partida, o Regime e os seus apoiantes exigem a Sánchez que aplique o Orçamento do Estado (aprovado pelo PP, Ciudadanos e PNV), que mantem os cortes. Daquilo que faça nesse sentido dependerá, em grande medida, o futuro deste Governo.
A queda de Rajoy deixa a Monarquia desnudada
Ninguém se deixa enganar. A corrupção do Governo é só a ponta do icebergue do conjunto das instituições herdadas do Franquismo, inimigas das liberdades e direitos sociais arrancados depois da morte de Franco e muito limitadamente inscritos na Constituição de 1978. Instituições franquistas e conquistas são duas coisas incompatíveis.
O acontecimento parlamentar de dia 1 de Junho é só uma etapa no enfrentamento inevitável entre, por um lado, os trabalhadores e os povos, e por outro lado o Regime monárquico.
Note-se também que Pedro Sánchez, desta vez, para forjar uma maioria parlamentar teve que procurar “construir pontes”, propondo pontos comuns: a defesa do Sistema público de Pensões, a rejeição da reforma laboral e da Lei-mordaça, inclusive em relação à Catalunha (rejeitando as arbitrariedades dos Tribunais contra o Estatuto da Catalunha de 2010 – votado pelo povo, em 2006, e que está na origem do actual enfrentamento com a maioria do povo da Catalunha que quer poder decidir sobre o seu destino). Da parte do Regime não amaina a disposição de dinamitar qualquer possível acordo entre o Governo e o povo catalão.
Forjar a Aliança dos Trabalhadores e dos Povos
Os pactos e consensos que permitiram, em 1977, elaborar a Constituição – que, consagrando a preservação de uma boa parte das instituições franquistas, concedia conquistas sociais e democráticas e o direito à organização – estão caducos. Abre-se uma nova etapa.
O facto dos representantes actuais dos trabalhadores e dos povos (em particular catalão e basco) terem forjado temporariamente, nas Cortes, um Pacto para derrubar Rajoy, para derrubar os franquistas do Governo, é a demonstração de que, para fazer frente à herança franquista – instrumento dos interesses do capital financeiro – é necessário e possível forjar uma aliança dos trabalhadores e dos povos.
À margem da qualificação que merecem os seus actuais representantes, uma coisa é evidente. Esta aliança é indispensável para responder positivamente às aspirações tanto dos trabalhadores como dos povos. Não se equivocam os porta-vozes da Coroa (como é o caso do jornal ABC, no seu Editorial de 1 de Junho) ao “denunciar” o pacto do PSOE com aqueles a quem chamam terroristas e separatistas que querem “partir a Espanha”. Outros como o jornal El País (e a velha-guarda reaccionária del PSOE, como Felipe González) exigem eleições de imediato, para tentar impedir que Pedro Sánchez teça acordos com os restantes partidos, no sentido de responder às reivindicações mais sentidas. Recordemos que dezenas de propostas de lei, aprovadas pela maioria dos deputados, dormem no limbo porque o governo de Rajoy vetou a sua tramitação ou foram impugnadas pelo Tribunal Constitucional.
Melhores condições para o combate de emancipação social e nacional
O novo Governo declarou que respeitará o Orçamento do Estado, que deve ser agora ser ratificado pelo Senado, a 16 de Junho. Orçamento continuador da austeridade. Mas onde foi integrado o retrocesso parcial de Rajoy na contra-reforma do Sistema de pensões de aposentação: atrasando a entrada em vigor do critério de sustentabilidade e restabelecendo o cálculo do aumento das pensiones de acordo com o IPC (Índice de Preços ao Consumidor). Medidas que tiveram a desaprovação da União Europeia e do FMI (ainda que Sánchez, como o fez o ministro das Finanças do governo anterior, Montoro, pode acabar erodindo as bases do Sistema de Segurança Social baseado em quotas, ao propugnar impostos finalistas – com a finalidade específica de financiar este Sistema).
Não há dúvida que os trabalhadores e os povos esperam deste Governo medidas positivas, em todos os terrenos. Esperam a defesa integral do Sistema de Pensões, revogando as anteriores reformas. Exigem a revogação da LOMCE, da Lei-mordaça e do artigo 315.3 do Código Penal. Esperam medidas de liquidação dos cortes na Educação, na Saúde e no conjunto dos serviços públicos. E também medidas urgentes para restabelecer o diálogo político na Catalunha, tomando as medidas necessárias para libertar os presos políticos e acabar com a perseguição judicial.
Nesta batalha, em que a classe operária está disposta a passar à acção – arrastando consigo as suas organizações, nomeadamente os sindicatos – o obstáculo do Regime já está presente. Não é um acaso os inquéritos do CIS (Centro de Investigações Sociológicas) ocultarem que a maioria da população é favorável a um referendo em que se decida entre Monarquia e República.
Vai-se alargar a consciência de que não basta mudar de Governo, de que há que acabar com o poder das instituições que, defendendo o capital financeiro, asseguram a exploração do trabalho e a opressão dos povos, de todos os povos, e em primeiro lugar do catalão e do basco.
Nos enfrentamentos que estão a ser preparados, a Monarquia e as suas instituições vão aparecer, mais do que nunca, como os inimigos dos direitos e das liberdades.
À margem da vontade de uns e de outros, esta é a questão que está em jogo.
E os partidos e organizações que mergulham as suas raízes no combate da maioria social estão perante o seguinte dilema: ou se põem à cabeça da luta pelas reivindicações, ou, dando a mão aos franquistas, vão fazer pagar aos trabalhadores e aos povos o preço de apoiarem, em cada dia, este Regime em crise.
A este respeito, citemos o que diz director do El País, Antonio Caño: “Está em jogo o futuro do Partido Socialista, na forma como este Governo se comportar durante a transição. […] O PSOE pode acabar como vítima da mesma onda que arrastou Rajoy”.
Nestas condições, a resistência quotidiana em prol da satisfação das aspirações sociais e democráticas vai estabelecer a sua relação com a luta contra o Regime monárquico, abrindo a via ao combate pela República do povo, dos povos, e ao serviço deles. É nesta via que actuarão os militantes operários republicanos e internacionalistas.