A rubrica “Mulheres de Abril”, do site do Bloco de Esquerda, solicitou à nossa camarada Carmelinda Pereira um depoimento sobre as suas memórias de antes do 25 de Abril.
Tirando o balanço da sua participação no Movimento estudantil do período que antecedeu o 25 de Abril, esta dirigente do POUS diz o seguinte:
Desorientação e desconfiança na luta política estudantil
Ao lado dos relatos ilustrativos de um país da caridade, da guerra e da ausência de liberdade poderia citar muitos outros. Entre eles escolho o meu mergulho na luta política no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) – Instituto que frequentei como trabalhadora-estudante, a partir do ano letivo de 1971-1972.
Foi nesta Escola que me confrontei, pela primeira vez, por um lado com as práticas de “concertação” daqueles que dirigiam a Direção da Associação de Estudantes (ligados ao MDP-CDE, isto é, ao PCP), e, por outro lado, com as práticas de divisão e de desmascaramento por parte dos meus colegas maoístas do MRPP.
Não podia compreender nem aceitar que, havendo da parte da Direção do ISPA uma identificação com o Regime fascista, aos olhos da generalidade dos estudantes, a Direção da AE se sentasse, ao lado desses senhores, no Conselho Diretivo da Escola. Também não podia aceitar as intervenções dos colegas do MRPP, quando se dirigiam nas Assembleias de estudantes à Direção da AE, tendo como eixo central a divisão entre os estudantes e a consequente desmobilização.
Não podia compreender nem aceitar que as Direções das diversas Associações de Estudantes, das instituições do Ensino Superior existentes em Lisboa, não organizassem a mobilização geral de todos os estudantes contra a ofensiva do Regime e das suas Polícias. Por que razão teria de haver greve de uma semana só no Técnico, quando a Polícia atacava os seus estudantes? E, em seguida, havia o ataque em Letras e havia uma outra semana de greve só nesta Faculdade? E assim sucessivamente, numa situação que exigia a unidade de todos.
Só em 1973 – quando a PIDE assassinou Ribeiro dos Santos, estudante do MRPP, em Economia – aconteceu esta resposta geral e espontânea, sem a convocatória das Direções das AEs. Uma resposta que fez tremer o Regime.
Para mim, foi o tempo do medo e da sensação de que tudo se fechava. Foi o tempo em que acabei por fazer parte do grupo dos setenta que foram expulsos do ISPA. Até que veio outro tempo. A Páscoa de 1974, em que amigos meus, militares do Quartel de Santarém, me contaram que estava por poucas semanas um golpe de Estado, a valer. Eles falavam nos levantamentos de rancho dos soldados daquele quartel. Eles contavam que o seu Comandante tinha ousado esbofetear, diante das outras tropas, os oficiais que estavam na Messe, quando se tinha dado o levantamento dos soldados.
Era um período em que se pressentia o cataclismo, um período de múltiplas greves em várias fábricas, de que os estudantes iam tendo conhecimento nas suas reuniões clandestinas.
Foi assim que, numa madrugada, acordo em sobressalto com o toque do telefone. “Quem foi preso, desta vez?” – foi o que pensámos, eu e a minha irmã Rosa, já que o lugar onde vivíamos e onde viviam também outros amigos nossos – a Cruz Quebrada – era vigiado, em cada noite, por dois Pides. Mas a voz, do outro lado do telefone, o que me disse foi isto: “Liga o rádio. Houve um golpe de Estado.”
Tratava-se do Golpe dos militares, o golpe que nos trouxe a todos para a rua, ao som da Grândola Vila Morena, iniciando a Revolução.
O depoimento completo pode ser visto em esquerda.net.