Apresentamos um dossier sobre os principais membros que Trump já escolheu para o seu Governo. O autor é Devan Sohier e foi publicado no semanário Informations ouvrières (Informações Operárias), da responsabilidade do Partido Operário Independente, no seu nº 433, de 22 de Dezembro de 2016.

Rex Tillerson, Director Executivo da Exxon, próximo secretário de Estado dos EUA (ministro dos Negócios Estrangeiros). Donald Trump, o presidente eleito dos EUA, assiste ao 117º encontro de futebol americano, entre as equipas do Exército de Terra e da Marinha, a 10 de Dezembro.
Trump presidente
Os chamados grandes eleitores ratificaram, a 19 de Dezembro, a eleição de Trump para a Presidência dos EUA. Após a sua eleição, Trump vai agora pôr em prática a sua política, e o seu conteúdo começa a desenhar-se com as primeiras nomeações para o seu Governo.
A Administração que Trump está a constituir indica uma vontade clara de desenvolver – à conta do imperialismo norte-americano – um ataque frontal contra as conquistas da classe operária, tanto nos EUA como à escala internacional.
Após uma campanha eleitoral orientada contra o “establishment”, agora ele integra em lugares-chave na sua Administração antigos quadros dirigentes do Goldman-Sachs e antigos militares da mais alta patente. Por um lado, trata-se de promessas eleitorais hoje caducadas, mas não só: a sua campanha contra o aparelho do Partido Republicano foi toda orientada contra a respectiva fraqueza, que não lhe permitiria confrontar-se à classe operária com o vigor que Trump considera necessário.
Aliás, os “mercados” acolhem bem estes anúncios, e Wall Street tem atingindo recordes após estas primeiras nomeações. Por outro lado, a FED (o Banco central dos EUA) acaba de subir as suas taxas directoras (taxas de juro de referência para todo os outros bancos – NdT), indicando assim a sua esperança na capacidade de Trump para relançar o crescimento dos EUA.
Mas, ao mesmo tempo, todos realçam o risco de “desestabilização”. As declarações de Trump a favor da Rússia de Putin combinam-se com insinuações contra a China, as quais poderão ser um anúncio de alianças que ameaçam o pouco que resta do equilíbrio conseguido após a Segunda Guerra mundial. O papel mínimo que ele pretende reservar à NATO – e, portanto, aos países europeus – é também um factor de inquietação.
No plano interno, as primeiras nomeações são também reveladoras: para a Educação, um defensor da Escola privada; para o Trabalho, um patrão de uma cadeia de “fast food” (alimentação rápida).
Um dos elementos da sua campanha eleitoral foi a oposição ao Obamacare, embora este não seja um mecanismo de cobertura de cuidados de Saúde (como era reclamado pelos sindicatos), obrigando os assalariados a subscrever um Seguro privado. Assim, a nomeação para o Ministério da Saúde de um opositor ao Obamacare, não pretende a sua revogação, mas sim acabar com certas constrições impostas às Seguradoras privadas, que – a partir de agora – poderão fixar livremente as suas tarifas. Trata-se de um programa de guerra contra a classe operária dos EUA.
As inquietações expressas pelos representantes do imperialismo não têm por base os objectivos de Trump, mas a sua capacidade para os implementar e, também, as reacções que possa provocar a tentativa da sua concretização.
Petróleo e Exército à frente dos Negócios Estrangeiros dos EUA
Após uma encenação feita nos mesmos moldes das emissões de “reality show” que deram a conhecer Trump ao grande público, foi divulgada a nomeação de Rex Tillerson como secretário de Estado dos EUA. Num país a quem incumbe, depois da Segunda Guerra mundial, o papel de “polícia do mundo” à conta do imperialismo, este cargo – equivalente ao de ministro dos Negócios Estrangeiros – é central. Esta escolha resume a orientação política assumida pela Administração de Trump. Tillerson nunca exerceu qualquer cargo público: trata-se de um ex-Presidente Executivo da Exxon. Está próximo da Rússia de Putin – que ele próprio condecorou – mas isto é apenas uma parte da história: enquanto responsável dirigente da Exxon, ele esteve sempre ligado a todos quantos pudessem vender-lhe petróleo, nomeadamente à Arábia Saudita. Se agora isto é um defeito para a Administração dos EUA, foi durante muito tempo uma qualidade. O jornal francês Le Monde revela que ele (Tillerson) está “habituado às dificuldades da diplomacia dos negócios, ao ponto de se subtrair, por vezes, às directivas do Governo dos EUA”. O que não é de estranhar, pois – como era recordado pelo jornal do capital financeiro francês Les Echos (de 14 de Dezembro) – Lee Raymond, quando ele próprio era Presidente Executivo da Exxon, declarou: “A Exxon não é uma empresa americana, é uma empresa mundial. As suas decisões não são um decalque dos interesses dos EUA.” Tillerson é nomeado para seguir uma política ao serviço dos interesses do capital financeiro, interesses que – ao longo dos últimos vinte anos – se têm chocado com o imperativo, para a Administração dos EUA, de manter um mínimo de estabilidade a nível mundial.
O Governo de Trump integra também três generais aposentados. Em particular, o secretário para a Segurança Interna é o antigo Chefe das Forças Armadas dos EUA na América central e do sul, do qual dependia a Base de Guantamano (em Cuba), que Obama tinha prometido fechar e que ainda continua em actividade. Todos estes antigos militares tomaram posições de “falcões”, defendendo a utilização da tortura e a manutenção das prisões secretas da CIA, bem como uma política agressiva contra o Irão e o Daesh. A franja militar mais dura do aparelho de Estado dos EUA está, assim, estreitamente associada à implementação da política de Trump e Tillerson.
Mas, como é assinalado pelo editorialista dos Echos, “a única certeza é que a espessura e o caos actual do mundo não permitem que se aja sem o desestabilizar ainda mais. E a vontade de mudar de rumo não é fácil de pôr em prática. Mesmo para um Donald Trump. E uma aproximação a Putin não lhe dará uma margem de manobra suplementar.”
Finança e reacção no Interior
E o que dissemos em matéria de política externa é também totalmente verdadeiro para os próprios EUA.
O Banco de negócios Goldman-Sachs fornece, normalmente, ministros para a Administração dos EUA. Isto é ainda mais verdadeiro para o gabinete de Trump, onde podem ser assinalados pelo menos três dos seus antigos quadros: no Tesouro, na Economia Nacional, e na Estratégia.
A ministra que foi nomeada para a Educação é uma adversária, de longa data, da Escola Pública – em confronto directo com os sindicatos de professores e com todas as Comunidades que procuram que os seus filhos tenham acesso à instrução, a começar pela população negra dos EUA. O futuro Attorney General (ministro da Justiça), Jeff Sessions, é conhecido pelas suas frequentes tomadas de posição abertamente racistas. Numa situação em que o Sistema judicial dos EUA ataca os Negros americanos em proporções esmagadoras, esta nomeação é uma provocação contra toda a população negra, que – através do seu slogan “Black lives matter” (As vidas dos Negros contam) – se manifesta contra a impunidade de que beneficiam os polícias que abatem Negros.
No Trabalho, a nomeação de Andrew Puzder – patrão de uma cadeia de “fast food” – ressoa igualmente como uma provocação, face aos empregados de “fast food”, que desde há vários anos fazem greve com os seus sindicatos, periodicamente, para obter uma subida do seu salário mínimo e uma melhoria das suas condições de trabalho.
Para a Saúde, foi nomeado um opositor a qualquer protecção social, que prometeu não somente suprimir do Obamcare todas as medidas limitadoras das taxas de saúde, mas também privatizar o conjunto do Sistema de Saúde – inclusive os dispositivos limitados do Medicare (1) e do Medicaid (2) – isto após o último Congresso da AFL-CIO (principal Confederação sindical dos EUA) ter adoptado, por unanimidade, a reivindicação de uma Segurança Social universal, assegurada por uma única entidade (isto é, sem Segurador privado).
AFL-CIO que já publicou dois comunicados denunciando estas nomeações e sublinhando que “o candidato Donald Trump anunciou, na sua campanha, que travaria o poder dos traders (investidores) de Wall Street, que protegeria a Segurança Social e o Medicare, e que garantiria que todas as crianças teriam boas escolas. Mas estas nomeações enviam um sinal perigoso sobre o modo como ele pretende dirigir a sua Presidência.”
Quando se tratar de pôr em prática a política que estas nomeações anunciam, certamente que os assalariados, com os seus sindicatos, se defenderão. Sindicatos importantes (como o Sindicato da Enfermeiras, NNU) já reafirmaram a reivindicação de uma Segurança Social universal e – desde a eleição de Trump – a AFL-CIO apelou ao seu próprio reforço, sobre a base das reivindicações dos assalariados.
Falta ainda que o Senado dos EUA valide muitas destas nomeações.
De momento, não é um dado adquirido que a maioria republicana vote, por unanimidade, a favor de uma Administração que lhe pode, legitimamente, deixar dúvidas de ser capaz de realizar as reformas anunciadas. E, uma vez validado, este Governo terá que se confrontar directamente, à escala internacional, com os interesses dos “aliados” dos EUA e com os dos seus “inimigos”, tal como terá de entrar em confronto, a nível interno, com a sua própria classe operária.
NOTAS
(1) Medicare é o nome do sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos EUA (criado em 30 de Julho de 1965) e destinado às pessoas de idade igual ou maior que 65 anos ou que verifiquem certos critérios de rendimento.
(2) Medicaid é um programa de saúde social dos EUA para famílias e indivíduos com baixos rendimentos e recursos limitados. A Associação Americana de Seguros de Saúde descreve o Medicaid como “um programa do Governo para pessoas de todas as idades, com recursos insuficientes para ajudá-los a pagar um seguro de saúde”.