A Constituição da República Portuguesa e os direitos da mulher

const republica


No passado dia 8 de Março, Carmelinda Pereira – dirigente do POUS e deputada constituinte – a convite do Centro de Formação do Sindicato dos Professores da Região Centro (SPRC) participou numa reunião-debate sobre o Dia internacional da Mulher.

Transcrevemos alguns trechos da sua intervenção nesse debate.


Caras e caros camaradas,

A minha saudação a todos vós e o meu agradecimento à direção do SPRC pelo convite à participação nesta iniciativa de comemoração do dia 8 de Março, institucionalizado como o dia da mulher, da companheira e da mãe trabalhadora.

A cultura dominante tira-lhe o conteúdo do trabalho, para ficar simplesmente o dia da mulher.

Mas para nós – para todos os militantes ligados às suas organizações de classe, as organizações que mergulham as suas raízes na luta contra a guerra e contra a exploração – esta data é a ligação especial a todas as operárias e a outras trabalhadoras protagonistas deste combate.

Ligamo-nos, cada um e cada uma de acordo com a sua condição. No nosso caso com um traço em comum: aquele de nos podermos considerar, por força da nossa profissão, como construtores não só da organização da aprendizagem dos saberes, mas também de liberdade, de igualdade e de civilização.

Estamos aqui, unidas e unidos no reconhecimento à luta das mulheres que se bateram contra as condições de trabalho sub-humanas, das mulheres que se bateram – e pagaram muitas com a sua própria vida – pela redução de horários de trabalho de 16 horas diárias, por creches e direitos de maternidade, quando trabalhavam com os bebés metidos em caixotes ao lado das máquinas e com filhos que, aos cincos anos, os patrões punham também a trabalhar, pois tinham os dedos muito finos e, portanto, mais capazes de mexer nos fios dos teares.

Como militantes ligadas à vida sindical, sentimo-nos herdeiras deste legado. Herdeiras da luta das operárias de Nova Iorque, das sufragistas inglesas, das militantes que – em ligação com a Segunda Internacional – construíram movimentos internacionais de Mulheres, herdeiras das operárias russas que, assinalando o seu combate internacional, iniciaram uma greve geral para pôr fim à guerra e pelo pão, abrindo com esta greve a revolução de Outubro de 1917.

A todas elas prestamos a nossa homenagem, como a prestamos às mulheres portuguesas que se bateram pela conquista dos direitos cívicos, incluindo o de votar na Primeira República, que se bateram pela emancipação cultural e social em pleno fascismo, que participaram nas lutas clandestinas, foram perseguidas, presas, torturadas e algumas mortas, no combate pela liberdade, contra guerra e contra a exploração.

É deste percurso tão violento e tão doloroso que emerge a Revolução de Abril. A revolução que colocou, lado a lado, trabalhadores e trabalhadoras das cidades e dos campos a participarem nas reuniões, nas assembleias, nas manifestações e nas greves, para ver realizada, na prática, a assunção de todos direitos que a Constituição aprovada em 1976 consignou.

Direitos das mulheres, dos homens e das crianças, direitos de toda a sociedade. Os direitos do trabalho – da liberdade sindical às Comissões de trabalhadores, da greve à contratação colectiva.

As funções sociais do Estado, as nacionalizações, as unidades colectivas de produção e as cooperativas.

E, ao lado destes direitos, o reconhecimento de como todos somos iguais perante a lei. E, em consequência disto, as mulheres são senhoras da sua própria vida, do seu contracto colectivo, do seu passaporte, da sua correspondência, valores de cidadania que agora parecem tão normais – como normal é a liberdade e a democracia, e de que só se dá falta se ela desaparecer.

Direitos decorrentes dos princípios consignados na Constituição de Abril, uma Constituição que não é obra de ideólogos académicos, mesmo se os lá havia certamente, mas sobretudo obra de militantes que se limitavam a dar a forma de lei ao que na prática estava a ser realizado pelos trabalhadores e pelas populações.

Como deputada constituinte do PS, partido que ajudei a implantar e a organizar a partir dos núcleos de empresa e da Comissão do Trabalho, tenho presentes momentos bem precisos que atestam esta afirmação. Bem me recordo de como os deputados constituintes – operários da Lisnave de Almada e da Efacec do Porto – se bateram e escreveram, pelo seu próprio punho, o texto sobre a direito dos trabalhadores fazerem-se representar, através de uma eleição em que era reconhecido o direito de tendência, em Comissões de trabalhadores para exercer o controlo de gestão das empresas, tal como estava a acontecer na prática, ou como estes militantes impuseram o artigo que afirmava: “As nacionalizações são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras”.

Bem me recordo dos obstáculos políticos que alguns procuraram levantar, mas sem sucesso, naquela altura. Bem me recordo como a Juventude Socialista impôs o direito de votar e de ser eleito aos dezoito anos. Bem me recordo da ação militante de Fernanda Lopes Cardoso, companheira do Ministro da Agricultura Lopes Cardoso, realizando reuniões de norte a sul do País para construir a proposta de texto sobre o Poder local, com os militantes que participavam lado com os outros – do PCP, do MDP, ou de outras forças politicas – nas comissões escolhidas em assembleias do povo, depois de terem sido saneados os presidentes e vereadores ligados ao partido único do regime deposto.

Lembro-me também dos obstáculos políticos exteriores ao PS e deque se alimentavam para ganhar força voz, quem nessa altura já queria outro destino para a nossa revolução, os obstáculos daqueles que se opunham à Assembleia Constituinte onde se estavam a passar a escrito as conquistas que estavam a ser feitas na vida real. Obstáculos geradores de terríveis divisões nas fileiras do povo trabalhador, obstáculos materializados em forças que chamavam à Assembleia Constituinte o “circo de S. Bento”.

Caros e caras camaradas,

A vocação de uma Revolução é ser vitoriosa. A nossa prometia sê-lo, começando por se estender por toda a Península Ibéria. Os senhores do mundo não o deixaram. Não deixaram, conseguiram impedir que a classe operária e os povos do Estado espanhol pusessem fim à Monarquia e proclamassem a República.

Este era caminho a realizar por um governo do PS e do PCP, como o ministro da Agricultura Lopes Cardoso começou a realizar no seu Ministério, onde os secretários de Estado pertenciam ao PCP, condição para fazer uma verdadeira Reforma Agrária, de Norte a Sul do nosso país, o caminho para a colocação dos sectores estratégicos ao serviço do desenvolvimento do nosso país, como o pretendiam, os trabalhadores da Banca, ou o Ministro da Indústria, Walter Rosa, responsável pela construção da EDP.

Em vez desse caminho, em vez do caminho da revolução de Abril consignado na Constituição, que apesar de tudo foi feita, o nosso país entrou – sem sequer o povo saber o que o esperava – na CEE e depois União Europeia com os resultados que estão à vista de todos nós e dos povos de toda a Europa.

As consequências dessa decisão histórica são trágicas para o nosso país, para os nossos filhos e netos, para os povos da Europa para a Humanidade.

O texto da Constituição já foi alvo de 7 revisões, sempre para a adaptar às leis do capitalismo, agora baptizado de “mercado”, às leis cuja essência é dada pelo artº 3 do Tratado de Maastricht: “A concorrência é live e nada a pode obstaculizar”.

Um Tratado que podemos dizer que constitui a base de todos os outros tratados europeus, até chegar ao Tratado Orçamental que nos ata de pés e mãos, um Tratado que os governos – apostados na manutenção de um sistema há muito em agonia – utilizam para espoliar a riqueza produzida pelo povo trabalhador para uma dívida que não pertence ao povo.

Um Tratado à luz do qual a maior parte desta riqueza não poder ser revertida, no nosso país, no investimento, na Escola Pública ou no Serviço Nacional de Saúde, mas pode ser despejada aos milhares de milhões e de uma penada nos buracos dos bancos, para – depois de “limpos” e com os trabalhadores despedidos – irem engrossar os grandes bancos que a União Europeia decidiu preservar com base na anulação de todos outros. Já vimos este filme no aparelho produtivo, assistimos agora a uma nova versão no sistema financeiro.

Estamos aqui reunidos, em homenagem às mulheres trabalhadoras que nas piores condições se bateram lado a lado com os trabalhadores para conseguir os direitos que hoje gozamos. Mas eles são cada vez mais incompatíveis com o capitalismo que só vive da competitividade – leia-se, abaixamento do custo do trabalho e da guerra.

A nossa melhor homenagem é continuar o combate, o combate que hoje exige no nosso país a construção da mobilização para deixar destruir mais conteúdos consignados na Constituição, não deixar desmantelar a Escola Pública, o que exige uma revira volta quase total em relação às políticas contra as quais jamais deixámos de nos bater, acabando por derrotar a estratégia do capital financeiro com os seus representantes directos em Portugal de impor um governo de grande coligação do PSD/CDS com o PS.

Mas estas forças políticas nunca desistem, tal como a luta dos trabalhadores não desarma e também nós militantes que combatemos com ela não desistimos.

Precisamos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para preservar a nova correlação de forças imposta pela luta e pelo voto povo.

Fazê-lo, exige de todos nós a capacidade de continuar a mobilização unida, esperando que a maioria PS/BE/PCP/Verdes se entenda na rejeição da ditadura de União Europeia. Uma mobilização para que o governo do PS aceite esta orientação, procurando pontos de apoio na mobilização do povo português e nas suas organizações, bem como nas organizações internacionais empenhadas na defesa da paz, dos refugiados, do trabalho com direitos, na construção de uma verdadeira União Livre de Povos e Nações Soberanas.

Lutando sobre este eixo, estaremos a preservar e aprofundar a correlação de forças que só a luta pode manter, estaremos a reganhar a matriz da Escola Pública do 25 de Abril e a segurar as conquistas da revolução consignadas na Constituição.

– Para que os nossos filhos e os nossos netos possam viver num país de liberdade, com desenvolvimento e justiça social

– Pela rejeição dos Tratados da União Europeia, condição para podermos retomar o caminho da Revolução do 25 de Abril

8 de Março de 2016

Carmelinda Pereira

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